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Chegou o mês de outubro, e a expedição não estava pronta. Adiou-se a data de partida indefinidamente, espalhando desânimo entre alguns dos participantes e ceticismo entre empregados da Coroa, que não conseguiam engolir uma viagem tão complicada e pouco usual. Balmis e Salvany pugnavam para solucionar um problema imprevisto: a falta de embarcação. Inexplicavelmente, os trâmites do juiz de Arribada haviam fracassado, eles mesmos tiveram que procurar um navio disponível. Seguindo o critério de priorizar velocidade à comodidade, Balmis optou pela fragata San José; mas como, apesar das promessas do armador, ela não ficou pronta no dia acertado, ficaram com a segunda opção, uma corveta menor, de duzentas toneladas e apenas uma cobertura, chamada María Pita, em homenagem à heroína que defendeu La Coruña em 1589 contra os corsários ingleses de Francis Drake. Incorporava as últimas inovações, como o artefato formado por uma peça de ferro de um metro de longitude com forma de cone truncado, que servia como para-raios, e embarcações menores situadas no convés para facilitar o uso. Negociou um desconto de quatrocentos pesos fortes, o que foi determinante para que o rei autorizasse a transação. O Tesouro transferiu os fundos em 21 de outubro de 1803 — uma agilidade insólita para a proverbial lentidão da Administração. Apesar disso, Balmis tinha a sensação de que nada ocorria com suficiente celeridade. Estavam um mês atrasados, e ainda era preciso equipar o barco. Ele queria retirar os canhões para ganhar espaço e comodidade. Então, seria preciso abastecê-lo e contratar a tripulação, uma vintena de homens, entre os quais seria preciso encontrar um capitão, um primeiro piloto, um carpinteiro, um cozinheiro e os marinheiros.

Ainda era necessário resolver o problema das crianças. Depois da primeira visita, Balmis fora ao orfanato diversas vezes, mas Isabel arrumava qualquer desculpa para evitá-lo — afirmava estar ocupada ou se encontrava milagrosamente ausente no instante em que ele chegava. Assim, ele entrou em contato com a Congregação das Dores e, certa tarde, foi até lá com o doutor Posse.

— Quero que você atenda ao doutor Balmis como se fosse eu… — disse Posse à diretora.

— Sim, doutor.

Intimidada, Isabel entendeu que não tinha remédio senão obedecer. O doutor Posse não só era uma autoridade, como também era muito próximo de dom Jerónimo. Ela pegou em uma estante os livros de registro e colocou-os sobre uma mesa.

— A condição mais importante é que nunca tenham sido contagiados com a varíola natural — disse Balmis.

— Não há muitos assim.

Isabel abriu um dos livros e começou a apresentar números.

— 147, Francisco Antonio, entregue por María Fernández, esposa de Antonio Fernández, lavrador... livre de varíolas. — Continuou a ler: — 291, Manuel María, entregue em 15 de outubro de 1796... livre de varíolas. Pascual Aniceto, criado na aldeia de San Pedro de Nós pela ama de leite Manuela Pérez... livre da varíola.

Aquelas páginas revelavam a história do abandono infantil. Depois de um sucinto comentário sobre o estado físico de cada um, descrevia-se o temperamento: “Jorge José não, porque é genioso e alvoroça os demais”; “Juan Francisco, sim, tem boa disposição...”.

— De quantos você precisará? — perguntou o doutor Posse.

— Preciso vacinar de dois em dois, assim temos garantia, caso não dê certo em algum... Para uma travessia de quatro semanas, como calculei, precisarei de vinte e duas crianças.

— Vinte e duas?

Isabel achou muito. Balmis voltou a explicar detalhadamente o procedimento. Em Madri, havia transplantado uma primeira dose de linfa a dois dos órfãos, e quando um grânulo denunciou que o contágio chegaram ao ápice de eclosão, o médico extraíra o fluido e o inoculara em outro portador. Assim fariam até a América.

Balmis ia fazendo anotações, e então, com a ajuda do doutor Posse, examinou os que estavam no orfanato. Apalparam nódulos, fizeram-nos mostrar os dentes, colocaram o ouvido no peito para auscultar a respiração, observaram o branco dos olhos. As demais crianças precisariam ser trazidas das aldeias, onde viviam nas casas de antigas amas de leite ou com alguma outra família que as criava por dinheiro. Tudo exigia tempo.

Ao término daquela reunião, Balmis se deu conta de um dilema: seria difícil conseguir vinte e dois garotos com idade entre sete e dez anos. Essa faixa etária representava tanto um problema de conduta — já constatado na viagem desde Madri — quanto o risco de que tivessem sido expostas ao vírus da varíola. Como estar cem por cento certo de que não haviam sido contagiadas? Esse era o problema que se apresentava. Em alguns casos, a varíola não deixava marcas.

Naquela mesma noite, Balmis comentou com Salvany:

— Se a questão é minimizar o risco de exposição prévia, a solução é levar crianças ainda mais novas — disse Balmis.

— Mais novas? De três ou quatro anos?

— Isso...

Salvany ergueu o olhar aos céus.

— Mas o senhor consegue imaginar os problemas que isso nos traria? Consultou os enfermeiros?

— O crucial é reduzir os riscos para que o circuito não falhe.

— Mas à custa de gerar um risco maior... Nessa idade, as crianças são muito mais frágeis.

— Por isso mesmo — disse Balmis, em seu tom altaneiro. — São frágeis porque ainda não tiveram contato com a doença. Precisamos dessas. Além disso, são mais dóceis.

Salvany ponderou que a ânsia perfeccionista de Balmis o estava levando a cometer um disparate. Estaria Balmis disposto a investir a vida dos mais inocentes para assegurar o funcionamento do processo? Onde estava o limite entre o que era lícito fazer com aquelas crianças totalmente indefesas? Salvany guardou para si tais perguntas, pois sabia que o chefe não gostava de divergências.

Mas os comentários de seu subalterno tiveram algum efeito. Balmis não podia ignorar o problema logístico que seria carregar a bordo crianças tão novas. Sem saber como lidar com o problema, pressionado pela própria estrutura que havia mobilizado, com pressa, mas, incapaz de avançar, desanimou. Em seu íntimo, chegou a duvidar da viabilidade de transportar tantas crianças, ainda que jamais tivesse admitido isso. Ele, que sempre defendera com todas as forças a ideia, via-se agora no inferno da dúvida. Pensou no orfanato, na pulcritude do lugar, no rigor das anotações dos livros, e sentiu uma pontada de compaixão pelos órfãos que havia examinado — bochechas rosadas, corpos delgados e ossudos, olhares assustados. Então, pensou em Isabel Zendal.