No dia seguinte, Balmis foi ver o doutor Posse em sua casa. Encontrou-o saindo, a caminho do hospital. O médico galego estranhou sua repentina curiosidade pelas origens de Isabel, por sua trajetória, como havia se tornado diretora, seus vínculos com a cidade, sua família... Posse começou a contar, mas logo franziu o cenho.
— Por que tanto xereteio?
— Precisamos dela.
— Vai nos deixar sem diretora? — perguntou, irônico.
— O senhor precisa me ajudar a convencê-la, seja como for.
Posse entendeu perfeitamente a importância daquilo que Balmis planejava. Além de ser médico, assim como ele, havia introduzido a vacina na Galícia. Conhecia as crianças e a intensidade do vínculo que as unia à diretora. Como homem iluminista e militante da vacina, era um firme apoiador da expedição, de modo que seguiu até a rua Real, à residência de dom Jerónimo Hijosa, o único que poderia ajudá-lo. Naquela sala sempre em penumbra, onde Isabel deixara os objetos brilhando milhares de vezes, foram convidados a sentar-se. Depois das explicações preliminares, Balmis foi direto ao cerne da questão.
— Dom Jerónimo, seria muito pedir ao senhor que interviesse junto à diretora para propor que se junte à expedição?
Dom Jerónimo fez uma careta de desagrado. Balmis era muito direto, excessivamente direto para os costumes da Galícia. Após um silêncio, respondeu:
— A ausência de Isabel implica um sério inconveniente aos patronos da congregação.
Ele manteve um longo silêncio, como se quisesse calar suas palavras. Balmis quis intervir, mas dom Jerónimo não era alguém que se deixasse interromper. Fez um gesto para que se calasse e continuou:
— Mas, levando em conta a envergadura do projeto, sua transcendência filantrópica e o patrocínio de vossa Majestade, acho que posso convencer os integrantes das vantagens de sacrificar Isabel por um bem maior.
Deixou que se instalasse outro silêncio. Então, prosseguiu:
— Agora, veja bem... O que não posso, doutor Balmis, nem vou fazer, é obrigá-la a acatar uma decisão que talvez ela não queira tomar.
— Só peço que o senhor utilize sua influência para...
— Se vier me perguntar, darei a ela um bom conselho; juntar-se à expedição será de qualquer forma um destino mais glorioso que continuar como diretora do orfanato. Mas não me peça para intervir diretamente, Balmis. O doutor terá de convencê-la.
No orfanato, alheia ao que tramavam, Isabel sentiu-se invadida por uma onda de calor quando viu pela janela do primeiro andar Balmis chegando outra vez. Aquele homem insistente a fazia perder muito tempo. A contragosto, já havia atendido às demandas dele. O que mais ele queria?
— Quero a senhora — respondeu o médico.
A mulher estremeceu. Então, sem rodeios, Balmis convidou Isabel a se juntar à nobre tarefa de salvar o mundo. Além de um futuro promissor, designaria a ela um bom salário. Isabel ficou fria, pela surpresa e porque as palavras convictas não a impressionavam. Já tinha bastante trabalho para salvar a si mesma. Estava tão perplexa que só lhe ocorreu dizer:
— Nunca... nunca subi em um barco. — Então reagiu: — Não, não posso largar tudo.
Balmis ficou calado. Isabel se aproximou da janela e olhou o corre-corre no pátio.
— O doutor está levando vinte e dois, mas muitos outros ficarão aqui — disse.
— A congregação pode contratar outra mulher para o cargo. Na expedição, a senhora é insubstituível; essas crianças a conhecem e a respeitam.
— O doutor não disse que dispunha de médicos e enfermeiros?
— Sim, mas não é a mesma coisa que ter a senhora no barco. A senhora sabe disso tão bem quanto eu.
Isabel estava contrariada: não queria partir, tampouco desejava que as crianças partissem. Balmis, mais hábil do que sua indelicadeza permitia ver e munido das informações que Posse e dom Jerónimo lhe haviam repassado, tocou no ponto certo.
— Nem preciso dizer que a senhora levaria Benito junto, embora ele esteja vacinado e não sirva para transportar o fluido. Não sei se a senhora sabe, mas na América o número de filhos sem pai é tão alto que não há diferença de trato ou consideração. É um mundo novo, onde a vida será muito mais fácil para seu filho, para vocês dois.
Aquelas palavras a lembraram do outro Benito, o pai. “Quando querem algo, todos os homens são iguais”, pensou. No fulgor de um instante, perguntou-se onde estaria aquele que a havia enganado. Então, repreendeu-se e disse:
— Meu filho será bastardo, tanto aqui como lá.
— A senhora está equivocada — replicou Balmis.
— Por que as coisas seriam mais fáceis na América?
— Escute-me bem — disse o médico, olhando-a fixamente nos olhos para exigir toda a sua atenção, agora que podia tirar as cartas da manga. — Proponho que, em troca de nos acompanhar na expedição, com a glória, as prebendas, as obrigações e os riscos que isso supõe, eu a liberte na América de todos os preconceitos que a senhora carrega aqui.
Isabel não entendia muito bem aonde Balmis queria chegar.
— Tenho a intenção de solicitar uma cédula de indulto para a senhora e seu filho.
Ao escutar aquelas palavras, Isabel se sobressaltou. Incrédula, perguntou:
— Uma cédula de indulto... para mim?
— Sim, para a senhora. É possível, graças às relações privilegiadas que mantenho com a Coroa — prosseguiu Balmis. — Desse modo, a mancha de ilegitimidade será eliminada para sempre; nos novos documentos que lhe entregarei, a senhora aparecerá como mãe adotiva de seu filho. Assim que sair pelo estuário do porto, deixará de carregar o estigma de mãe solteira, e o garoto deixará de ser natural... Sabe o que isso significa, não é?
Sabia bem. Até pouco tempo antes, não era permitido aos filhos de mãe solteira aprender gramática nem estudar — só lhes cabiam os trabalhos artesanais. A lei acabara de mudar, mas os preconceitos continuavam enraizados. Isabel permaneceu um longo tempo em silêncio. O que Balmis lhe propunha era redimi-la por completo, recuperar sua identidade e, sobretudo, devolver a dignidade a seu filho. Uma nova vida, um futuro para o garoto. Sobretudo, ela aspiraria progredir, servindo a dom Jerónimo e tendo a confiança de que o rei a recompensaria. Balmis acrescentou:
— Em troca, peço à senhora o compromisso de acompanhar a expedição até o final, nas Filipinas. Então, poderá escolher entre retornar à Espanha com as crianças ou permanecer onde lhe aprouver.
Balbuciante devido à enormidade da proposta, Isabel respondeu:
— Tenho... tenho de consultar dom Jerónimo.
Então Balmis soube que havia vencido aquela batalha.