Duas semanas depois da partida, apareceu no orfanato um casal de camponeses em trajes de veludo escuro. Tinham o rosto bojudo e a pele acobreada. Estavam em busca do filho, o pequeno Vicente María, que levaram à roda ao nascer por não terem condições de sustentá-lo. Haviam deixado uma pequena soma em dinheiro como colaboração e um recado dizendo que voltariam quando as coisas se ajeitassem. Agora haviam melhorado, porque, conforme explicaram à torneira, que substituía provisoriamente Isabel no cargo de diretora, herdaram uma pequena propriedade na aldeia. Presentearam a instituição com uma cesta cheia de verduras da própria horta.
— Deve estar com três aninhos e cinco meses...
A expressão da torneira se desfez. A verdade era que ninguém tinha levado o bilhete a sério. Tantos pais diziam que voltariam para buscar os filhos e não apareciam nunca!
— Seu filho não está aqui. Está a caminho da América — balbuciou.
Os camponeses ficaram estupefatos. Na medida do possível, a torneira explicou o ocorrido, porque o casal não sabia nada sobre a expedição nem sobre a luta contra a varíola — viviam afastados do mundo. A mulher se pôs a chorar em silêncio e, então, a soluçar; lágrimas espessas percorriam suas bochechas avermelhadas. O homem estava quebrantado. Mas não protestaram nem subiram o tom de voz. A torneira os levou até a capela, consciente de que a santidade do lugar atenuaria a situação. Tinha razão. Os pais aceitaram com resignação o pobre consolo oferecido pela nova diretora, que informou que o filho estava participando de uma façanha de amor aos mais necessitados, pela qual seria recompensado por Deus e pelo rei, e que o futuro dele, portanto, estava garantido.
— Se é pelo bem dele... — concluiu a mãe, fazendo o sinal da cruz.
Então, cabisbaixos, despediram-se da torneira e deixaram o orfanato.
Isabel avisara Balmis sobre a situação de Vicente María e o bilhete que dizia que os pais voltariam para buscá-lo, mas o médico deu de ombros. Obter braços suficientes para a viagem fora custoso demais para que ele se detivesse pelo improvável reclame do garoto. Não havia sido nada fácil consegui-los, e ele precisara usar todo o seu arsenal de persuasão — e até de coação. Sua certeza de que a expedição redundaria em benefícios para a humanidade não deixava brechas para que pensasse em um caso individual. Balmis era um idealista que vivia por e para aquela expedição pioneira e descartava automaticamente tudo o que não a beneficiasse. Não era homem de sentimentalismos; estava tão convencido do sucesso de sua missão que, sem muita reflexão, afastava qualquer pedra no caminho. Que importância tinha o sentimento de pais com saudades do filho para o resto da vida se comparados à grandeza de propagar a vacina pelo mundo? Ser um filantropo acarretava certa arrogância — não era para os fracos.
Quando chegaram ao alto-mar, o vento ganhou força. As velas caranguejas sustentadas pelos três mastros da María Pita estufaram, e a corveta começou a cabecear para se esquivar das ondulações. Navegavam com todas as velas hasteadas. O capitão deu ordens para que abandonassem o convés, pois não queria que alguma das crianças fosse levada por uma onda, uma vez que já anoitecia. No interior, o espaço era muito restrito — um mundo escuro onde a única claridade entrava por portinholas onde antigamente havia canhões. À noite, nenhuma luz era autorizada, devido ao medo obsessivo de incêndios. As crianças começaram a chorar. Era um coro de lamentos que ia aumentando e se mesclava com o ruído do mar contra o casco. A escuridão as havia deixado sem qualquer referência em um ambiente com o qual não estavam familiarizados.
— Mãããe, mãããe...! — gritava desesperado Tomás Melitón, um garoto de três anos e meio, que tinha orelhas em abano, grandes olhos acastanhados e uma expressão de perpétuo espanto. Era um dos preferidos dos mais velhos devido ao temperamento comunicativo, à vivacidade e à docilidade.
— Por que gritar isso, se você não tem mãe — disparou Cándido, o loiro.
— Cale-se! — disse Isabel, que pegou o pequeno Tomás no colo.
— Eu também..., eu também quero — disse Benito, que, em momentos difíceis, não gostava de compartilhar a mãe com ninguém.
Cándido sentiu ânsia e vomitou tudo o que tinha ingerido. Outros acabaram fazendo o mesmo. Logo, o barco era um caos de prantos, vômito e gritos de pânico. Um verdadeiro inferno. E a viagem estava apenas começando.
O espaço era tão reduzido que Isabel precisava se agachar para se deslocar. Enquanto as crianças se acalmavam um pouco após o barco ter virado e deixado de balançar tanto, ela foi ver Balmis.
— Doutor, as crianças estão colocando as tripas para fora, mas é porque, além de tudo, há um fedor horrível subindo dos porões.
— Sim, sim, o cheiro atroz sobe das latrinas, falarei com o capitão.
Lá embaixo, acumulava-se água dos temporais, a que escorria pelas aberturas da embarcação, água da louça lavada, água residual da vida dos homens e dos poucos animais que transportavam.
— Amanhã ordenarei que façam fumigações diárias com vinagre, zimbro e pólvora de canhão nos porões. Por ora, não podemos fazer nada.
Foi a noite mais longa de toda a viagem. A vida em um barco, capaz de pôr à prova os espíritos mais calejados, foi traumatizante para as crianças. Isabel, que dormia em uma cabine com o filho e os mais novos, perguntava-se como poderiam aguentar aquilo até chegarem a um porto. Não lhe parecia possível. Os três enfermeiros, que dormiam em uma cabine grande com o restante das crianças, também estavam enjoados. Não conseguiam vigiar os recém-vacinados, que dormiam em catres sobrepostos.
Para fazer necessidades, Isabel dispunha de um balde que devia ser virado por sobre a amurada após a utilização. Ainda assim, era melhor que as latrinas, ou beques, da população, feitas de madeira com buracos no meio, sob o gurupés, logo atrás do mascarão de proa. À noite, os homens hesitavam em ir ao beque, com medo de serem varridos por um golpe do mar; então, utilizavam os porões para se aliviar. Balmis, Salvany e o capitão gozavam do privilégio de dois beques na popa, resguardados das inclemências do tempo.
Para Isabel, a promiscuidade era mais difícil de suportar que os enjoos, o cheiro do porão ou o choro dos que se sentiam mal. Estava sob os olhares de todos — como responsável pelas crianças, era alvo de solicitações constantes; como única mulher entre os vinte e seis membros da tripulação e os nove expedicionários, era alvo de olhares procazes dos homens. Tinha um medo visceral de menstruar. Como sentia a falta da ajuda de outra mulher! Precisava lavar os panos manchados às escondidas, mas não se atrevia a pô-los para secar no convés por vergonha de que os marinheiros descobrissem do que se tratava. Pensava em sua mãe, em suas irmãs, em dona María Josefa e desejava a companhia da torneira... Conversava com elas na privacidade de seu coração. Precisou criar um mundo à parte e se refugiar nele. Era difícil ser a ovelha negra, objeto paradoxalmente de escárnio e desejo. Quando os marinheiros a viam se afastar a sós com um enfermeiro, berravam impropérios, cantadas e frases de patuscada. Mas nenhum se atreveu a investir contra ela, por medo de acabar como comida de tubarão.