Santa Cruz de Tenerife recebeu a expedição de maneira triunfal. Após dez dias na embarcação María Pita, pisar em terra firme e não enjoar era uma merecida recompensa. O bispado havia organizado um te-déum na igreja da Concepção, ao qual todos os garotos compareceram impecavelmente uniformizados. Ao cantar, a voz de Cándido se destacava em meio às demais, cristalina e pura, tão surpreendente que o público se virou para ele. O pequeno demônio tinha uma voz que o transformava em anjo.
— Em Madri, ele era disputado para os enterros — disse Juan Francisco a Isabel.
Mais tarde, os expedicionários desfilaram pelas ruas. Para os garotos, tudo era novo e diferente: a forma de falar das pessoas, a rica indumentária dos camponeses canários, o clima, a comida, a vegetação. Os ilhéus receberam o grupo com carinho, como se fossem pequenos heróis.
Os canários desejavam havia muito tempo que chegasse o primeiro fluido vacinífero para travarem a batalha final contra a varíola. O bispo havia exortado a população a aceitar a santa vacina, prometendo indulgência aos que oferecessem o braço aos médicos da Europa. Embora houvesse muitos curas reticentes, a intervenção do rei junto ao papa fez com que a Igreja finalmente se posicionasse a favor da vacina. Assim, Balmis, que havia teorizado a respeito de tudo no papel, pôde comparar seus planos com a realidade. As convocatórias para três vacinações gerais foram um sucesso — as pessoas formavam filas longuíssimas. Uma sala da Administração Municipal foi ajeitada para receber os grupos de crianças saídas de todas as outras ilhas para serem inoculadas, a fim de garantir a continuidade do processo após a partida da expedição. De repente, cem crianças reunidas brincavam em meio às palmeiras da explanada em frente à igreja, onde havia vendedores de salsaparrilhas, frutas e doces, além de um titereiro que, tocando flauta, fazia um camelo se abaixar. Enquanto isso, Balmis, Salvany, Isabel e os enfermeiros se dedicavam ao trabalho mais fundamental: instruir os agentes sanitários locais sobre o procedimento. Isabel gostava de ajudar na vacinação. Fazia com que se sentisse mais que uma diretora de orfanato. Sua missão era distrair tanto o portador — enquanto o médico ou o enfermeiro extraíam uma gotinha de pus — como o receptor, em quem previamente haviam feito uma pequena incisão com uma seringa e injetado um pouco do fluido. Era incrível a quantidade de vacina que uma única vesícula podia conter. A partir dos grânulos dos quatro garotos madrilenos da expedição, foram vacinadas noventa e seis crianças; com isso, noventa e seis novos portadores poderiam vacinar outras duas mil trezentas e quatro crianças... No fim, todas as crianças da ilha acabariam imunizadas. Era um bom princípio.
Chegou a hora de seguir viagem. Todas as crianças, à exceção dos quatro madrilenos, retornaram ao barco em meio aos aplausos da multidão. Os garotos vacinados até então foram conduzidos pelos médicos até o monastério dos agostinianos, que aceitaram assumir a guarda e a custódia durante o tempo que permanecessem na ilha.
— Voltarão a La Coruña no primeiro barco-correio — anunciou Balmis ao entregar as crianças.
— Não posso seguir com vocês? — perguntou Cándido. — É que... é que... — O choro impediu que continuasse a falar.
Não era habitual ver o mais duro de todos aos prantos. Por isso, sua reação era especialmente comovente.
— Escrevi para a nova diretora pedindo que você possa ficar em La Coruña, se quiser — disse Isabel, a fim de consolá-lo. — Assim você pode esperar até Benito e eu voltarmos.
Dava pena vê-lo. O mais vivaz, o mais atrevido, o mais forte era agora um pequeno vulnerável que se agarrava à saia de Isabel como se fosse um bebê de colo.
— Precisaremos de mais garotos na próxima escala, não podemos sobrecarregar o barco agora... — explicou Balmis, de maneira técnica. — Ainda nos resta muito caminho a percorrer. O senhorito fez um trabalho elogiável. A humanidade e Deus o recompensarão.
— Não quero ser recompensado por Deus... Quero ser recompensado pelos senhores — disse Cándido, com uma lógica infantil esmagadora.
Tal e qual Isabel havia previsto, a despedida foi desoladora. Não entendiam por que eram deixados aos cuidados de monges que não conheciam, por que a festa e a aventura deles acabava nem por que tinham que retornar ao orfanato sem Isabel e os demais companheiros.
— Nããão! — gritava Juan Francisco, chorando. — Eu não vou ficar!
— Homem não chora — disse Isabel, sem pensar muito.
O garoto a olhou, suplicante.
— O que foi que eu fiz? — perguntou, fungando.
Quando Isabel tentou explicar-lhe que não deveria sentir-se culpado, o garoto escapuliu pelas escadas. Não queria consolo, não queria explicações nem abraços — queria partir com os demais. O único que se manteve impassível foi Cándido. Havia parado de chorar. Estava sereno e não demonstrava qualquer emoção. Os monges não precisaram contê-lo com os demais quando Isabel e os médicos deixaram o monastério, recebendo chutes e insultos com a grosseria de que algumas crianças criadas em orfanato eram capazes.
— Adeus, diretora Isabel — disse Cándido, no quício do portão.
Isabel acenou. Ficou tranquilizada ao ver que o garoto aceitava seu destino.
— Estão desesperados, como os que deixamos em La Coruña — disse Isabel a Balmis enquanto retornavam ao porto.
— O compromisso que assumi com o orfanato foi de devolvê-los o mais cedo possível. Cumpriram sua obrigação; agora seriam apenas um fardo para nós. Cedo ou tarde, teremos de nos separar de todos...
Ao aceitar aquele trabalho, Isabel não havia levado em conta a melancolia progressiva que implicava a aventura de conviver com crianças para depois se separar delas. Quando era diretora no orfanato, tinha todos sob seu manto protetor.
— Você não se queixou do amontoamento? — disse Balmis. — Agora terá mais espaço.
— Pouco importa o espaço diante do sofrimento das crianças. Você não tem filhos, né?
Desconcertado com a pergunta, Balmis hesitou.
— Sim, tenho um.
Isabel sentiu que havia tocado em um assunto delicado e não fez mais perguntas.
— Vive em Alicante, já é crescido...
Talvez Balmis tenha sentido naquele momento uma pontada de culpa ao lembrar que abandonara a esposa e o filho. Sim, tinha plena consciência disso, agira em nome de uma causa maior, mas nunca havia parado para pensar neles de verdade, no sofrimento que podia ter lhes causado. As palavras da diretora lembraram-no de que havia sido um marido e um pai ausente. Quantas lágrimas Josefa teria derramado diante das longas e repetidas ausências? Quantas vezes o filho teria perguntado por ele? Quanta saudade teria sentido? “Eram perguntas inúteis e, de qualquer forma, já não havia remédio”, disse a si mesmo.
— Entendo perfeitamente seu ponto de vista, Isabel. Mas não somos um colégio nem um abrigo para órfãos — somos a Real Expedição Filantrópica e seguimos ordens do rei.
— Sim, eu sei — disse ela, resignada.