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À exceção dos garotos, todos saíram de Porto Rico com um gosto amargo na boca. No caso de Balmis, pela frustração de ter deparado com servos do rei tão pouco cooperativos e, definitivamente, tão corruptos; no de Salvany, porque a expedição deixou de corresponder à ilusão romântica que ele criara para si. “Aconteceria o mesmo nas demais escalas?”, perguntavam-se. Atravessaram o Atlântico em vão? Seriam recebidos como em Tenerife ou como em San Juan? Se passaram um mês em Porto Rico para obter resultados tão exíguos, quanto demorariam para salvar o império? Era como se, de repente, passassem a ver os limites da própria expedição. Limites sujos e inesperados.

No fim, em San Juan comprovou-se que os vacinados por Oller não estavam imunizados, mas os vacinados pelos expedicionários, sim. Foi uma vitória com sabor de derrota. Energia e tempo desperdiçados. O mais grave era o fato de não terem sido estabelecidas equipes de vacinação, tampouco um protocolo estrito de funcionamento.

— Foi uma batalha perdida — disse o auxiliar Grajales.

— Calma, Grajales — disse Balmis. — Ainda restam muitas batalhas nessa guerra.

O que deveria ter sido uma navegação de oito dias sem problemas se transformou em uma luta angustiante contra o tempo. O primeiro problema, que se revelaria muito maior do que parecia a princípio, foi o fato de que um dos “negritos”, Juan Eugenio, não pôde ser vacinado devido a sua constituição frágil, que era exacerbada pelos enjoos e pelos incômodos. Isabel tinha razão: aquele garoto deveria ter ficado em terra. Mas agora, faltando um garoto e tendo sido postergada a data de partida, corriam o risco de não chegar à Venezuela a tempo de continuar transmitindo o fluido vacinífero. Essa eventualidade significaria o fim da expedição. Um fracasso total.

Quando achavam estar próximos ao porto de La Guaira, perceberam que o capitão passava horas no convés observando o galhardete no topo do mastro, o qual indicava a direção do vento; olhava pela luneta, fazia cálculos com o sextante e discutia com o piloto e o contramestre. Até os garotos perceberam que havia algo de estranho. Na verdade, a tripulação, pouco conhecedora daquelas costas, perdera o rumo. Os marinheiros olhavam de soslaio para Isabel, culpando-a pelo que estava acontecendo. Quando o capitão finalmente confessou, Balmis ficou lívido.

— Só nos resta um garoto para inocular. A vacina corre o risco de acabar inutilizada! — exclamou.

— Devo lembrar que o doutor não quis atender ao pedido de contratar um piloto local — disse o capitão.

— Teria feito isso, caso o governador tivesse arcado com o custo dos garotos, conforme seu dever!

Agora, ele se arrependia por não ter dado ouvidos ao capitão. Perder a cadeia de vacinação seria dar fim à expedição. Não podia permitir aquilo.

— Atraque no primeiro lugar da costa em que for possível — ordenou.

Estavam perdidos no mar. Desesperadamente perdidos. Nem sob um temporal nem embaixo d’água nem com um ataque de corsários ou um encalhe... Aquele sonho acabaria em razão de algo tão pouco heroico, um extravio. Como explicariam isso ao rei? “Balmis se encontra na maior das aflições por estar em uma costa desconhecida com apenas um garoto vacinado, e esse líquido precisaria ser utilizado hoje mesmo”, anotou o capitão Pedro del Barco em seu diário.

Na noite do quarto dia de navegação, Isabel surpreendeu Balmis encarando o horizonte escuro no convés. Aproximou-se dele e percebeu que estava chorando. Surpresa, em um gesto inocente pôs a mão em seu braço, como teria feito com Jacobo, seu pai.

— Não se preocupe, doutor, o capitão nos disse que logo chegaremos à costa...

— “Logo” pode ser muito tarde.

Não imaginava que alguém como Balmis chorasse. “Os fortes nunca cedem”, pensava. Mas ali estava ele, esgotado pelas brigas inférteis das últimas semanas, aterrorizado com seu sonho quebrando em pedaços, furioso consigo mesmo por não ter tomado todas as precauções possíveis, tremendo feito vara verde. Quando ele se acalmou e Isabel recolheu a mão, surpreendeu-se ao ver que ele a segurava. Ela tentou se desvencilhar, mas Balmis apertou-a. Percebeu que estava diante da mulher mais linda que conhecera. Na penumbra, a pele dela contrastava ainda mais com o cabelo azeviche que caía sobre os ombros. De nariz fino e os lábios carnudos, a mulher mantinha a cabeça erguida e olhava para ele com toda a sua dignidade, tanta que parecia arrogância. Era sua maneira de fingir que não estava nervosa. Os olhos de Balmis se perderam naquele olhar e flutuaram nas profundezas reluzentes de seus grandes olhos escuros. Isabel tentou se soltar, mas Balmis apertou ainda mais sua mão e a acariciou. “Não era um gesto de carinho recíproco”, pensou Isabel, “era possessão”. “Está atrás de algo mais.”

Assim, ela forçou levemente e retirou a mão, e Balmis, homem acostumado a conseguir o que queria, pareceu desconcertado. Ela percebeu que seu ímpeto de consolá-lo havia emitido um falso sinal. Devia muito a Balmis. Admirava-o. Mas ele não despertava nela nenhum outro sentimento. Simplesmente não gostava dele, tampouco de sua arrogância ou de sua tentativa de se aproveitar de sua compaixão.

O médico agiu como se nada houvesse acontecido. Aparentemente era verdade, nada havia acontecido, mas Isabel sabia bem que, caso não houvesse oferecido resistência, teria se tornado mulher do diretor em um instante. Cedo ou tarde, ser a única mulher em uma embarcação teria seu preço. Correu para buscar refúgio em sua cabine e afastar a angústia na companhia das crianças. Só esperava que aquele incidente caísse logo em esquecimento, que não se repetisse e, sobretudo, que Balmis, tendo seu incomensurável orgulho ferido, não impusesse qualquer tipo de represália.

Balmis estava transtornado devido à própria audácia. Havia muito tempo não tinha uma relação estável, desde a época das atrizes do Coliseu do México, quando ainda era jovem. Nos últimos anos passados em Madri, só teve um ou outro contato esporádico, puro alívio sexual com mulheres livres, como uma faxineira solteira do hospital ou uma viúva que trabalhava como balconista em uma mercearia na rua Carretas. Encontravam-se no Domingo de Ramos na Páscoa e, privando-se das preliminares, satisfaziam-se feito animais no cio. Mas sempre chegava o momento em que elas queriam mais — um pouco de amor, uma pitada de segurança, uma carícia ou um presente, mesmo que simbólico. Então, Balmis desaparecia. Assim, chegou à conclusão de que não tinha tempo para relacionamentos. Percebeu que, do ponto de vista do tempo e do dinheiro, era mais rentável frequentar casas de prostituição da capital, onde havia grande variedade de senhoritas de idades, raças e estilos diferentes — desde peludas e grandotas até bonequinhas de porcelana limpinhas –, todas por um punhado de pesos. O que mudava era o preço. Pagar eximia sua alma de culpa e responsabilidade e o fazia sentir-se livre. Sempre viu as casas de tolerância como salvação, pequenos édens onde se sentia abrigado do frio e da solidão, onde não precisava se esforçar para controlar seus tiques, onde não precisava seduzir nem dançar, algo que definitivamente não estava apto a fazer. Bordéis que, para homens como ele, eram verdadeiros templos de liberdade, onde era possível ser anacrônico e grosseiro sem sofrer as consequências e sair aliviado ao amanhecer, feliz por sentir-se vivo. Balmis gostava dos prostíbulos porque eram lugares para amar a si mesmo, para se fazer um mimo, não para amar os outros. Sabia Balmis amar aos outros, os mais próximos? Talvez, em sua arrogância, havia pensado que Isabel, por ser mãe solteira, seria uma presa fácil ou que desejasse ser a mulher do diretor para assegurar seu posto na expedição. Talvez sentisse algo além da simples atração sexual pela única mulher a bordo, talvez sentisse algo genuíno por aquela mulher que se portava sempre com diligência e abnegação e que se tornara o pilar daquela empreitada desvanecida com a qual pretendiam salvar o mundo. Isabel não tinha consciência de sua própria importância, mas Balmis, sim. Sem ela não havia crianças, e sem crianças não havia vacina. Sem vacina não havia glória, e sem glória... Balmis ficava sem razão de existir.

Repreendeu-se por ter se equivocado em relação a Isabel. “Que tolice a minha”, disse a si mesmo. Teve de reconhecer que aquela mulher despertava nele sentimentos enterrados havia muito no fundo do coração. Sua voz, profunda e sonora, com um traço de galego que agora se misturava ao cecear do espanhol que escutava ao redor, fazia-o estremecer. Lembrava-se de ter lido um autor oriental que contava que casamenteiros afegãos garantiam que a voz era mais da metade do amor. Tinham razão, mas nesse caso o cheiro também contava. Isabel tinha aroma de mar e sabão; e, quando percebia seu aroma no ar, Balmis era assaltado por tiques e começava a piscar e contrair o pescoço, de tão alterado. Talvez estivesse obcecado por aquela mulher, como nos tempos que passou no México, agora que tinha mais de cinquenta anos e sentia o amargo sabor do fracasso iminente. A humilhação de ter sido recusado, mesclada com certa indignação, porque também pensava que ela devia tudo a ele, fez com que se trancasse em sua cabine. Sentia-se como um pássaro com a asa machucada, as certezas de seu mundo se desmoronavam, assim como a expedição ameaçava desmoronar; por isso, tomou beladona para conseguir dormir. Pensou em seu pai, na vida em Alicante, em Josefa e em seu filho, naquela vida que talvez devesse ter seguido para não naufragar estrepitosamente.