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— Terra à vista! — gritou, do alto do mastro principal, o vigia.

Após quatro dias perdidos no mar, encontravam-se à altura de Puerto Cabello, cento e cinquenta quilômetros a oeste de Caracas, em cuja enseada soltaram a âncora.

— Obrigado, meu Deus! — disse Balmis, ajoelhando-se no convés.

Ancoraram justamente quando a vesícula do último garoto havia maturado. Precisavam agir depressa. Do barco, viam-se corvos pousados sobre o telhado das casas caiadas e roupas coloridas estendidas nas varandas. Balmis enviou por um marinheiro uma mensagem ao comandante da praça, Pedro Suárez de Urbina, pedindo com urgência vinte e cinco crianças. Como reagiria o comandante? Como o brigadeiro Ramón de Castro em Porto Rico, recusando-se a fazer qualquer coisa? Ou entenderia a gravidade e a urgência da situação e se disporia a colaborar? Durante as horas que levaram para desembarcar, Balmis estava fora de si. Caso não obtivesse ajuda oficial, precisaria solicitar colaboração imediata às freiras ou aos religiosos do convento local. Dispunham de poucas horas até que a vesícula do último garoto secasse. Por isso, quando chegaram à costa e viram que eram aguardados pelo comandante, pelos representantes eclesiásticos e pelas famílias mais importantes da cidade acompanhados de vinte e oito crianças com cara de assustadas para ser vacinadas imediatamente, Balmis suspirou e conteve a vontade de chorar, dessa vez de alegria. Conseguiram salvar a vacina, salvar a expedição. Balmis sentia que também havia se salvado.

O comandante ofereceu todo tipo de atenção e todas as facilidades possíveis, permitindo que Balmis reorganizasse a expedição. Decidiu sair antes rumo a Caracas com seus dois ajudantes e uma criança com grânulos vaciníferos. O resto da expedição permaneceria em Puerto Cabello sob o comando de Salvany, acompanhado dos dois praticantes e dos três enfermeiros, com a missão de levar adiante uma vacinação geral. Esse grupo se dirigiria, então, a La Guaira a bordo da embarcação María Pita para finalmente se reunirem todos na capital. Ele achou que seria melhor que Isabel permanecesse em Puerto Cabello e se encarregasse dos galegos já vacinados.

Salvany e sua equipe ficaram sobrecarregados com a quantidade de gente — havia até mães com crianças já infectadas que insistiam em vaciná-las, como se fosse uma cura milagrosa, não uma prevenção. Ele pediu que Isabel deixasse as crianças sob os cuidados das religiosas e fosse ajudá-lo. Não se tratava apenas de vacinar, mas também de ensinar o procedimento aos médicos locais, de maneira que pudessem atuar por conta própria. Isabel tinha a tarefa extra de cuidar do porto-riquenho Juan Eugenio, que estava doente e apresentava febre intermitente. Durante o dia, precisou deixá-lo com as outras crianças.

As religiosas, por sua vez, estavam exasperadas com o comportamento abjeto daqueles órfãos e com os insultos vulgares. Não conseguiam impor autoridade sobre os pivetes, que se negavam a assistir à missa ou a rezar antes das refeições.

— Ao menos faça o sinal da cruz! — ordenou uma freira a Cándido antes que ele começasse a comer.

— A senhora não manda em mim!

A freira lhe deu uma bofetada barulhenta na cara. Cándido olhou para ela com ódio contido e respondeu com um arroto, cujo eco fez todos no refeitório caírem na risada. Os demais o imitaram, e logo a freira, desnorteada com aquele concerto de arrotos, saiu em busca de ajuda. Voltou com um cura alto e com ar de poucos amigos, que tirou Cándido do refeitório e o obrigou a se ajoelhar em seu gabinete. Enquanto batia na mão do garoto com uma régua, dizia:

— Sei quem é você. É o clandestino. Dona Isabel me disse para não o perdermos de vista. Vamos arranjar alguma coisa para você fazer aqui enquanto os demais seguem viagem...

Cándido ficou pálido. O cura bateu outra vez, com força.

— Ai!

— Pode gritar, que eu não ligo.

— Desculpas, padre, não fui o único...

— Mas foi você quem começou!

— Não fui eu, foi minha barriga…

O cura deu outro golpe seco com a régua.

— Essa é por ser respondão! E essa por ser desobediente!

Cándido não conseguiu segurar a dor e derramou algumas lágrimas. O cura largou régua sobre a escrivaninha. As mãos de Cándido estavam avermelhadas, e os dedos, inchados.

— Cem pai-nossos e cem ave-marias. Quero escutar.

Cándido ficou três horas ajoelhado cumprindo a penitência. Quando Isabel retornou com Salvany, ambos exaustos, o garoto continuava rezando. Olhou para ela com apreensão.

— Você vai morar aqui no colégio de frades.

— Não, por favor...

— Não me venha chorar nem implorar, você perdeu todas as oportunidades.

Ela se fazia de durona, mas no fundo dizer aquilo a deixava de coração partido. Queria que Cándido entendesse que era um intruso naquela expedição e, se estavam tolerando isso, o mínimo que precisava fazer era se comportar bem. O garoto olhou para ela com seu ar angelical de sempre, que não era fingimento, mas uma maneira de expressar que não era capaz de se controlar. Aquele olhar representava seu ponto forte, pois era difícil resistir à piedade que inspirava.

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Em Caracas, salvas de artilharia em meio a aplausos, música e fogos de artifício receberam Balmis e os expedicionários de maneira triunfal. Na Administração Municipal, o capitão-general e governador Guevara Vasconcelos agradeceu-lhe pela visita e lembrou-o de como Caracas fora castigada pela última epidemia, que causara oito mil baixas em uma população de trinta mil pessoas.

— Os jovens já não frequentavam a escola, e o comércio parou — disse o governador. — A única arma que tínhamos para nos defender eram os versos do médico Francisco Gil: “Saída imediata, remota distância e muito longa ausência”.

Balmis, por sua vez, agradeceu pela recepção calorosa.

— Vocês não precisam mais fugir — disse. — Eu trouxe a solução definitiva.

Então, apresentou os garotos portadores do fluido, os pardos de Puerto Cabello, penteados e incômodos em uniformes, que receberam uma ovação ressonante, a primeira e provavelmente a única da vida deles.

Em seguida, Balmis anunciou a criação de uma equipe de vacinação, um órgão pioneiro de saúde pública composto pelas personalidades civis e eclesiásticas mais importantes, de maneira que sua atividade fosse mantida mesmo após sua partida. O mais urgente agora era conter a epidemia que se estendia por Maracay, Montalbán e Valência e que teria chegado a Caracas, não fosse essa visita.

No dia seguinte, 30 de março, Sexta-feira Santa, em meio a uma cerimônia religiosa cheia de pompa na catedral de Caracas, com música sacra e a presença de oficiais reais e grandes fazendeiros de cacau vestidos com trajes de gala, Balmis vacinou sessenta e quatro pessoas. Registrou-se na história o nome de Luis Blanco como sendo o da primeira criança de Caracas a receber a vacina. O governador Guevara Vasconcelos emitiu um ofício que dava total apoio à expedição, exemplo que foi seguido em outras regiões da capitania-geral da Venezuela.

O que estava acontecendo lá era o sonho dos expedicionários transformado em realidade. A vacina começou a se difundir rapidamente pelas mãos de médicos e praticantes locais, que levaram crianças recém-vacinadas para suas aldeias a fim de transportar e conservar o fluido. Assim, o procedimento chegou em 15 de abril a Maracaibo, onde o governador Fernando Millares mandou por decreto que todos os habitantes da província fossem vacinados. O poeta Andrés Bello dedicou estes versos ao diretor da expedição:

E a ti, Balmis, a ti que, abandonando

O clima pátrio chega como gênio

Tutelando de saúde e aos teus passos

Uma vital semente difundindo...

Balmis, que alguns dias antes se encontrava no abismo do desespero, suspirava de prazer. Finalmente reconheciam seus méritos. O episódio de Porto Rico não havia sido mais que um parêntese. Agora, estava confiante de que encontraria a mesma acolhida no resto do império. Tinha razões para se sentir orgulhoso. O doutor Josef Domingo Díaz, eminente cientista venezuelano sugerido por Balmis para ser secretário da primeira Junta de Vacinação Central, que serviu de modelo para outros assentamentos da América, levou o fluido da vacina a cento e sete cidades, vilas e povoados e chegou a vacinar mais de cem mil pessoas. Era um resultado melhor do que qualquer um poderia esperar. Sobretudo, era a prova — tão necessária, agora que Balmis havia perdido a confiança em si mesmo — de que suas ideias eram bem fundamentadas e de que seu plano tinha sustentação.