Salvany não conseguiu aproveitar a curta viagem marítima de Puerto Cabello até La Guaira nem o caminho de lá até Caracas, cidade situada em um vale a quase dois mil metros de altura cujo acesso se dava por estradas sinuosas e perfumadas por uma densa vegetação tropical. Estava de cama devido ao esforço dos últimos dias, tremendo de febre, e dois carregadores tiveram de levá-lo em uma maca, de tão fraco que se sentia. Isabel repartia seus cuidados entre ele e o pequeno Tomás Melitón, que também padecia de febre. Havia tempo que aceitara a ideia de que alguém estaria doente; o clima úmido e caloroso tinha seu preço. Na caravana de garotos, Cándido também seguia.
— Esse garoto deveria ficar aqui, no colégio de Puerto Cabello, sob cuidado dos curas — disse Salvany.
— Mas ele não quer... — disse Isabel, sabendo que aquela resposta lhe renderia uma enxurrada de críticas.
— Ele é uma criança e tem que fazer o que mandarem — argumentou o assistente Grajales. — Já fomos condescendentes demais com ele.
— Aqui terá educação e futuro — acrescentou Salvany.
— Sinto muito — concluiu Isabel —, mas não tenho coragem de abandoná-lo.
Quando Cándido ficou sabendo disso, saiu correndo para colher flores e levá-las à diretora. Foi sua maneira de agradecer pelo apoio.
Nos dias em que Isabel e Salvany ficaram sozinhos em Puerto Cabello, criaram uma intimidade que se intensificou ainda mais com o trabalho conjunto. Ela o viu atuar ao lado dos funcionários locais até tombar na cama com uma palidez anêmica, esquecendo-se de comer e sem parar um minuto sequer para recuperar o fôlego. Admirava a dedicação daquele homem que nunca se queixava, tirava forças da fraqueza e jamais deixava de cumprir com seu trabalho. Salvany tinha uma humildade natural que lhe dava um aspecto de sábio. Era o oposto de Balmis. Havia nele algo de puro que a doença havia preservado, despojando-o de tudo que não fosse essencial. Após ter sido cobiçado em Barcelona enquanto estudava medicina, precisou esquecer as bajulações das moças em busca de casamento e renunciar ao desejo de formar uma família. Paciente e médico a uma só vez, impossibilitado de levar uma vida normal, apegou-se à convicção de que a entrega aos demais, aos desfavorecidos, era a única coisa pela qual valia a pena viver. As mulheres de sua condição, as mais sedutoras, pensaram que ele tinha vocação para servir a Deus e que logo acabaria em um convento. Mas Salvany não tinha outra paixão além da medicina.
— Sempre fica algo do bem que fazemos. Do resto, não fica nada.
Isabel não queria reconhecer, mas sentia por Salvany algo mais que amizade — um sentimento proibido e semelhante ao amor. Sua alma de poeta, sua aversão ao confronto, sua absoluta dedicação à causa, sua valentia e, sobretudo, sua gentileza e sua proximidade o tornavam diferente da maioria dos homens com que convivera. Era o contrário daquele que havia sido o único amor de sua vida, o pai de seu filho Benito, vulgar e charlatão. Salvany era sério e tinha ao mesmo tempo uma humanidade alegre, com a expressão cândida que alguns homens conservam até o final de seus dias. O interesse que Isabel tinha em cuidar dele ia além do âmbito médico. Abria a camisa de seu pijama com muito tento para aliviá-lo do calor, fazia-o beber gole a gole poções para controlar a respiração pedregosa e passava um pano úmido em sua testa para limpar o suor. Os demais, enfermeiros e tripulantes zombavam daquele caso secreto de amor. Mas era um amor platônico, pois Isabel jamais se atrevera a revelar seus sentimentos.
Em Caracas, hospedaram-se no palácio do governador com o resto dos expedicionários e foram tratados como heróis. Talvez tenha sido o luxo e a comodidade daqueles aposentos, o encanto daquela pequena cidade situada em um vale dominado pelo impressionante monte Ávila, a temperatura amena, sem frio nem calor, o recebimento caloroso da população, a companhia tranquilizadora de Isabel... O fato é que Salvany não demorou para se recompor e deixou de parecer uma bela estátua da morte. Como sempre, prevaleceu sua imensa vontade de viver sem se preocupar com o futuro, buscando em sua dedicação um aturdimento contínuo, um bálsamo espiritual que lhe permitiu melhorar.
Foram três dias frenéticos, durante os quais vacinou junto com Balmis mais de duas mil pessoas. Ao término de cada sessão, a Administração Municipal organizava um espetáculo com uma orquestra composta por todos os indivíduos que tinham, ou alegavam ter, talentos musicais. As famílias de posses disputavam a chance de convidá-los para almoçar ou jantar em busca do privilégio de sentir a emoção viva daqueles médicos vindos para instruí-los com seu conhecimento e sua experiência.
Mas Balmis, além de possessivo, era extremamente sensível. Não gostava de compartilhar sua fama nem dividir o tempo de um integrante da equipe que considerava insubstituível e por quem sentia uma inegável atração. Tinha um sexto sentido para o perigo e deve ter sentido que Isabel escapava de suas mãos. O falatório dos enfermeiros e dos membros da tripulação, deixando entrever que havia algo além de “compressas para aliviar o peito” entre Salvany e Isabel, não passou despercebido.