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Viajar por terra era tão árduo que um dos garotos chegou a dizer que sentia falta do barco, onde ao menos podiam perambular, escalar e brincar de esconde-esconde. Como se esqueciam rápido dos maus momentos, dos temporais, das calmarias, dos enjoos... É que as trilhas da Nova Espanha eram tão desastrosas que os passageiros se viam obrigados a descer da carruagem e seguir a pé por longos trechos, às vezes vadeando um riacho, às vezes subindo ladeiras acentuadas. Os mais novos seguiam montados em mulas, de três em três, segurados por Isabel e pelos enfermeiros que caminhavam ao lado. Os expedicionários ficaram sabendo que os índios arrumavam as trilhas apenas quando algum vice-rei passava por ali e que nenhum aparecia por lá havia mais de um ano. As autoridades obrigavam-nos a abandonar as pobres choças e as famílias para repararem os trechos impraticáveis, à própria custa, o que ia contra as normais reais que tanto recomendavam o bem-estar dos indígenas. Mas uma coisa eram as leis; outra, a realidade.

Por fim, após uma subida que lhes pareceu eterna, chegaram a Jalapa, povoado grande e belo por sua frondosidade, onde não fazia frio nem calor e onde encontraram alívio no convento de São Francisco, em cujo hospital adjunto Balmis havia se recuperado da doença contraída nas selvas colombianas durante sua primeira viagem ao Novo Mundo. Agora, como na outra vez, os monges o ajudaram a melhorar. Quando lhes perguntaram se haviam sido vacinados, os frades disseram que até então ninguém se oferecera para fazê-lo.

— Mas o vice-rei não promoveu uma campanha de vacinação?

— É a primeira vez que ouvimos falar disso — respondeu o monge.

Antes de prosseguir viagem, Balmis os vacinou. Então, seguiram por uma paisagem de mato alto e colinas escuras e esbranquiçadas de origem vulcânica, onde, para a alegria dos garotos, de repente passavam manadas de potros selvagens a galope. No povoado de Perote, foram recebidos por uma delegação do Tribunal Regional e da Administração Municipal, pelos curas e, como sempre, por alguns indígenas que ofereciam flores e súchiles, espécie de rosário trançado com pequenas flores, e tocavam instrumentos. Quando Balmis se oferecia para vaciná-los, os indígenas desapareciam. Continuavam sem querer saber de procedimento que injetava o mal no corpo, supostamente a fim de curá-los. Nada havia mudado desde que fora enviado pelo bispo Núñez de Haro para conter a epidemia em Oaxaca. Sendo assim, não insistiu. Tinha pressa de chegar à Cidade do México. Para saber o porquê, em vez de protegê-los e agradecer pelos serviços prestados à expedição, as autoridades se empenhavam cruelmente em impor-lhes obstáculos.

Onze dias depois de sair de Veracruz, chegaram à pousada do santuário de Guadalupe, a meia légua de distância da capital. Como era um local pobre e desconfortável, Balmis não quis passar a noite ali. Independentemente de seu gosto pelo luxo, precisava de um mínimo de privacidade — naquele momento, defecava sangue e mal conseguia se mexer. O que ele tinha não era febre amarela, mas “a vingança de Montezuma”: fortes diarreias causadas por amebas ou salmonela. De modo que escreveu uma carta ao vice-rei, lembrando-o de que haviam se conhecido em Algeciras (omitiu a explicação de que fora em um bordel) durante o sítio de Gibraltar e anunciando que entrariam na capital ao entardecer, depois que os garotos descansassem e se asseassem. A carta terminava assim: “Espero que vossa Excelência tenhais a bondade de me informar o alojamento que nos será destinado para que possamos nos dirigir diretamente a ele”. Também pedia que, para conferir prestígio à chegada da expedição, uma delegação de magistrados e membros da Administração Municipal os recebesse.

Nesse meio-tempo, dom Benito María Moxó, bispo auxiliar de Michoacán, que estava de passagem pelo santuário, deslocou-se até a pousada quando soube da chegada da expedição. Era um homem afável, culto, conhecido por ser defensor fervoroso dos indígenas e do valor de sua antiga civilização.

— O doutor Balmis deve saber que o vice-rei Iturrigaray tentou impedir a entrada de sua expedição em Veracruz... Tentou isso com ajuda do fiscal da Fazenda real.

Os tiques de Balmis se aceleraram.

— Por quê...?

— Com o pretexto de que já não é necessária. Empreguei todo o meu zelo a dissuadi-lo. Acompanhei o desenrolar da expedição desde o início porque tenho o privilégio de conhecer Josep Salvany desde que era garoto... e também toda a família dele. Ambos somos de Cervera.

Balmis olhou assombrado para ele. Explicou-lhe a cisão da expedição e acrescentou que não tinha notícias recentes de Salvany. Então, pensando em si mesmo, perguntou:

— Por que pensais que o vice-rei se esforça tanto para fazer pouco caso de nós? Não vi nenhum rastro da vacina nas cidades por onde passamos...

Então, o bispo lhe contou como Iturrigaray e sua família (era casado com sua prima vinte anos mais nova, dona Inés de Jáuregui, filha de um antigo vice-rei do Peru) haviam chegado de Cádiz um ano antes com um séquito de vinte e cinco criados e ajudantes, recebidos com todas as honras em Veracruz, com banda de música e desfile do Exército, um gigantesco cartaz de boas-vindas, uma carruagem de tiro com seis cavalos e sua escolta pessoal, a Guarda de Alabardeiros. Não faltara uma calorosa ovação do povo.

— A carga que traziam surpreendeu: eram cento e setenta volumes que, por fazer parte de sua bagagem particular, ficavam isentas dos processos aduaneiros — continuou o prelado.

— O que havia na bagagem?

— Tecidos, tecidos de todos os tipos. Ele alegou que os levava consigo porque não tivera tempo de fazer para si as vestimentas apropriadas. Nos dias que passaram em Veracruz descansando das seis semanas de travessia, o vice-rei aproveitou para vender tecidos por meio de um testa de ferro. Com esse contrabando, ganhou cerca de cento e cinquenta mil pesos.

Balmis deu um suspiro profundo. Quando o conhecera, em Algeciras, já lhe parecera um homem de pouco valor. Mas nunca teria imaginado que atingisse esse grau de sem-vergonhice.

— A maracutaia foi descoberta e houve um grande escândalo — continuou dom Benito. — Para recuperar a confiança das pessoas, tentou demonstrar que, acima de tudo, era um governante preocupado com a felicidade do povo. Convocou o doutor Arboleya, médico do navio que os havia atendido durante a viagem, e propôs que desse baixa do cargo de médico da Marinha e fosse contratado para implantar e propagar no México a grande novidade da área da saúde, a vacina contra a varíola, da qual ficara sabendo pelo anúncio da chegada de sua expedição, doutor Balmis.

— Quis se adiantar a nós para limpar sua imagem entre o povo.

— Isso. Iturrigaray precisava, acima de tudo, do crédito político que algo tão milagroso e promissor quanto a vacina poderia lhe proporcionar. Assim, enviou Arboleya a Cuba, de onde voltou com a vacina incrustrada em fios de seda, certamente da mesma linhagem que você, doutor, propagou naquela ilha. Vacinou imediatamente seu filho de vinte meses no Patronato de Crianças Pobres da capital para impressionar o povo, é claro. Compareceram dignitários do palácio, professores dos colégios, senhores dos tribunais e grande parte da nobreza, que nunca havia pisado em um lugar tão miserável. O mais insólito da história toda é que a vacina não surtiu efeito.

— E como poderia? Não se deve vacinar em condições como essa…

Aquilo soava como o ocorrido em Porto Rico, mas em uma escala muito maior. A vacina fora utilizada com um intuito mais político que de saúde. Agora, Balmis entendia a ausência de qualquer recepção em Veracruz.

— Para que o doutor entenda com quem vai tratar, digo que, para cair nas graças do povo, assim que chegou à Cidade do México ele autorizou novamente as touradas, que haviam sido proibidas pelo vice-rei anterior. Então, foi a Guanajuato para receber um presente de mil onças de ouro, oferecido pelos mineiros daquela cidade em troca de autorização para explorar outra mina. No retorno à capital, inaugurou com grande pompa a estátua equestre de Carlos IV que havia sido encomendada pelo marquês de Branciforte, outro vice-rei conhecido por suas trampas, trapaças e falcatruas em busca de enriquecimento.

— Eles não vêm para governar, mas para roubar.

Como teria sido diferente a chegada da expedição, se os Gálvez, pai e filho, fossem os governantes locais! Ou mesmo Núñez de Haro... Porque nem todos os vice-reis eram corruptos; houve muitos que, pelo contrário, administraram a colônia de maneira eficaz. Como Revillagigedo, que mandou instalar mil seiscentos e oitenta pontos de luz no México, exterminou os cachorros de rua para conter doenças e deu ordens para que fossem punidos com cinco anos de prisão aqueles que quebrassem lâmpadas.

Balmis ficou pensativo e, por fim, disse:

— Apesar da vontade do rei de introduzi-las por aqui, as luzes têm difícil permanência em ultramar.

— É. Agora, cada um faz o que lhe dá na telha — disse o bispo. — Os mecanismos de controle falham. Madri carece de autoridade... e de meios. É o final de uma era, doutor, nada voltará a ser como antes.

Balmis, nutrido de expectativas quanto à chegada na Nova Espanha, não se deixava abater. Sem a colaboração do vice-rei, ou seja, sem a colaboração da Administração, a tarefa prometia ser dura, talvez impossível. Mas, sabendo que tinha a razão e o rei ao lado, achava possível, embora se encontrasse fisicamente muito debilitado.

Isabel, por sua vez, sentia que chegavam ao fim da aventura. Logo aqueles garotos deixariam de depender dela, que precisaria abandoná-los à própria sorte. E, como sempre ocorria em circunstâncias assim, ficava nervosa. Já não acreditava na bondade das autoridades, tampouco pensava que fossem respeitar sua parte do trato. Havia visto demasiada negligência, e os oficiais reais já não impunham o respeito de antes. A constante luta de Balmis contra a máquina administrativa servira para abrir seus olhos. Talvez por isso, dedicou-se a asseá-los e a vesti-los de forma pulcra, para que fizessem uma entrada triunfal no México. Queria que não parecessem órfãos, mas príncipes.