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Na manhã seguinte, o secretário compareceu à casa em que os membros da expedição estavam hospedados. Chegava com ordens para transferir os garotos a uma nova residência, o Patronato Real de Pobres. Três carruagens os esperavam. Os garotos estavam maravilhados. Finalmente, conheceriam seu novo lar. Balmis demorou para se levantar e se vestir. Quase não havia dormido, pois ficara conversando com Antoñita até de madrugada. Sentou-se na carroça ao lado do secretário.

— A vacinação será feita no patronato... — disse o informante.

— Não é um bom lugar, fica afastado e as pessoas não costumam ir a lugares públicos — replicou Balmis.

— É onde costumam ser feitos os procedimentos desde que o próprio vice-rei mandou vacinar o filho lá... Você devia ter visto como as pessoas se amontoavam nas ruas para ver o cortejo de carruagens adornadas passando...!

— Sim, imagino...

O Patronato Real de Pobres ocupava um grande edifício na rua de la Merced. Embora o regulamento e o funcionamento fossem emprestados do orfanato de Madri, era uma instituição enorme, com mais de quatrocentas crianças abandonadas que pululavam em salas com paredes sujas e rachadas. A maioria era de negros, mestiços e índios, mas também havia um bom número de filhos ilegítimos brancos. Foram recebidos pelo capelão e diretor e pela governanta, uma mestiça gorda com cara redonda e duas tranças pretas, que informou aos recém-chegados que ali a divisão era diferente: aqueles que tinham de zero a três anos eram considerados infantes; de três a sete anos, jovens ou crianças; a partir dos sete, moços ou mancebos. Cada categoria tinha responsabilidades específicas. A transgressão mais grave que uma criança ou um jovem poderia cometer eram erros nas aulas de catecismo, o que era castigado com açoites. Outros castigos eram deixá-los de joelho para que segurassem nas mãos alguns pesos por um tempo determinado, prendê-los em uma armadilha com buracos suficientes para crianças das mais diversas estaturas e, o mais temido de todos, vesti-los com um traje preso ao pescoço e, em seguida, pendurá-los no teto por duas cordas, à vista de todos.

— Para os mancebos — disse, no tom asséptico que apenas uma oficial mal paga é capaz de emitir —, temos uma cela isolada, onde os trancamos pelo tempo que os professores ou o capelão decidirem.

Diante da expressão de pavor dos garotos, acrescentou:

— Mas essa cela quase nunca é utilizada.

Tomás Melitón, que havia completado quatro anos, começou a chorar. Outros o imitaram. Os mais velhos se contiveram, mas ficaram com o semblante retorcido. Cándido já tentava descobrir como escapar. Benito tinha a expressão de quem por pouco se salvou de uma execução. O desconcerto e a decepção podiam ser vistos em todos os rostos, inclusive no de Balmis, dos ajudantes e de Isabel.

No mais, a vida naquele patronato não era muito diferente da vida no orfanato de Madri. Durante o período da manhã, havia aulas de escrita, embora o mais recomendado, como disse o capelão, fossem as orações, os rosários e outras devoções. Os ofícios dos jovens eram repartidos por semanas: roupeiros, varredores, coroinhas, auxiliares de cozinha, leitores e zeladores. Uma vez explicado o funcionamento, os garotos precisaram fazer os trâmites de entrada. O capelão identificou um por um, anotou os dados pertinentes, como sinais particulares, vestimentas e idade, e então lhes indicou o caminho até a governanta, que os recebia e fazia sua higiene. Isabel precisou entregar seus “infantes”, os garotos galegos mais jovens, que agora tinham mais ou menos a idade de Tomás Melitón, a outra funcionária, que os conduziu até um quarto onde teriam de compartilhar colchões de palha.

— Não vá embora! — gritava Tomás para Isabel.

— Eu vou, mas voltarei para vê-los todos os dias — respondeu ela, com um nó na garganta.

— Nããããão...! Nããããão...!

Choraram até escorrer ranho do nariz e estendiam os braços na direção dela. De repente, aquilo se transformou em uma cacofonia de prantos e gritos de garotos que se sentiam novamente abandonados. Isabel sabia que era melhor partir que ficar para consolá-los. Planejava voltar todos os dias, até que se acostumassem com a nova vida. Ao descer as escadas, encontrou Cándido, que já havia feito os trâmites de ingresso.

— Por que não posso ficar com Benito e com você?

Isabel gaguejou. Não sabia o que responder ao garoto, que olhava para ela com uma expressão desconsolada. A vida não era fácil, as crianças não podiam ser adotadas assim de qualquer jeito, era preciso seguir regras...

— Não faça nenhuma bobagem — disse ela. — Faremos todo o possível para tirá-los daqui.

— O doutor Balmis sempre disse que somos heróis... Então, por que nos castiga nos deixando aqui?

Ela tampouco soube o que responder.

— Não é um castigo, ninguém está fazendo isso com vocês.

— Ele nos disse que moraríamos com famílias...

— Sim, sim, a governanta me assegurou que muita gente vem adotar crianças aqui...

Buscavam facilitar as adoções, havia assegurado ela. Mas a maioria dos adotantes eram artesãos que levavam crianças já mais velhas para transformá-las em aprendizes. Esses tinham a vida garantida, assim como as garotas contratadas para servir nas casas... Os mais novos eram entregues às famílias das mulheres que lhes haviam dado de mamar, caso ela houvesse se apegado ao bebê e assim pedisse. Os demais, que tinham a idade de Cándido, era mais difícil encaminhar.

— Mais cedo ou mais tarde — disse a governanta —, um terço dos garotos é adotado.

Isabel se lembraria daquela manhã como a pior de sua vida. Preferia uma tempestade em alto-mar, uma sobrecarga de trabalho ou vacinar milhares de pessoas, qualquer coisa que não fosse abandonar suas crianças naquele lugar. Qualquer coisa que não escutar os prantos e as súplicas dos mais novos e dos mais velhos, ter de tirar mãozinhas que seguravam sua blusa, encarar olhares de decepção, sair com a sensação de ter participado de uma mentira generalizada, de ser cúmplice dos que os usaram, de não estar à altura, de ter quebrado a promessa de lhes dar uma vida melhor. Desde a partida de La Coruña, foram nove meses de convivência intensa, aventuras compartilhadas, angústias e alegrias, brincadeiras e descobertas. Nove meses de atenção a cada um deles.

Deixou-se desabar na carroça, que arrancou logo em seguida.

— Tchau, Benito!

Era Cándido, que gritava da janela do primeiro andar, balançando o braço por entre as grades. Benito ergueu a vista e fez um gesto com a mão.

— Venha me visitar! — disse Cándido.

Benito assentiu com a cabeça.

— Que sorte você tem de ficar com sua mãe, seu pau de virar tripa!

— Ladrão de galinhas!

— Bocaberta!

— Cabeça de ovo!

— Malassombro!

A carroça virou a esquina e encerrou a despedida dos garotos.

Isabel estava desolada.

— Tanta viagem, tantos perigos para as crianças, tanto sacrifício... para acabarem aqui? É assim que a monarquia agradece pelo serviço prestado? Nós os trouxemos de um orfanato pobre para um patronato miserável, que bela mudança! O doutor não havia fechado um acordo com a Coroa sobre o futuro dessas crianças?

Balmis estava pálido. Os garotos também haviam se agarrado a seu gibão e, aos prantos, lhe suplicado ajuda. Ele também estava com a consciência pesada.

— Não foi esse o trato que eu fiz. A Coroa se comprometeu a realocá-los oportunamente em famílias da Nova Espanha, conforme sua classe e suas aptidões.

— Então, o caso é que o vice-rei não dá ouvidos ao rei.

— Sim, é o ponto a que chegamos neste império que está desmoronando. Na Cédula Real, ordenou-se ao vice-rei que os amparasse e educasse com os fundos do Tesouro, até que pudessem se manter por conta própria. Nunca pensei que ele os deixaria nesse patronato. Há outras instituições, colégios, academias...

Mais uma vez, Balmis deparava com seu grande desafio: o descaso dos que não eram leais ao monarca. Estava claro que nem o vice-rei nem as autoridades locais queriam se encarregar dos garotos vaciníferos, devido à responsabilidade e ao gasto de alimentá-los, educá-los e cuidar deles, apesar das ordens explícitas para que recebessem tratamento especial.