O secretário instalou-os em uma casa na rua Echevarría, mais central, propriedade da marquesa de Casa Nevada, a poucas quadras da praça de Armas. Como todos os casarios nobres do México, esse tinha uma “sala do trono”, sempre arrumada para receber uma eventual visita dos reis da Espanha. Era o único cômodo que havia sido concluído e estava luxuosamente decorado. Dispunha de um trono real de damasco com galeras e franjas de ouro e de um cobre-leito de veludo carmesim que devia ter uns cinquenta metros de comprimento. À espera de uma visita tão extraordinária quanto improvável, os nobres utilizavam aquela sala para receber pessoas distintas, inclusive o vice-rei, mostrando assim fidelidade ao monarca ausente e distante. Mas o resto da casa estava em obras, e faltavam móveis.
— Peço desculpas aos senhores, mas não encontramos nada melhor.
Mais uma vez, o secretário precisou escutar amargas reprimendas.
— Desculpas? — gritou Balmis. — Desculpas? Parece que isso você sabe fazer muito bem. Mas eu preferia que obedecesse às ordens de sua Majestade, o rei da Espanha.
O secretário, contrariado, fez uma careta e optou por ficar calado. Ninguém falava com ele naquele tom. “Quem esse europeu convencido acha que é?”, pensou. Ele dava satisfações ao vice-rei, a ninguém mais, gostasse ou não disso aquele galego aborrecido.
— Ficaremos bem acomodados — disse Isabel para acalmar o clima. — É um alojamento muito melhor que o de ontem...
O secretário respirou fundo, mais receptivo ao tom conciliador de Isabel que ao temperamento de Balmis.
— Os senhores me digam do que precisam, e eu providenciarei.
Passaram os primeiros dias no patronato, porque Balmis logo quis começar a vacinar e Isabel queria ficar com os garotos — eles precisavam disso. O pequeno Cándido os esperava desde cedo, apoiado na janela do primeiro andar, tamanha era sua ansiedade para vê-los. Apesar de ter plena consciência de sua orfandade, considerava Balmis, Isabel e Benito a sua família e não entendia por que estavam longe. Mantinha a esperança de que o levariam consigo a qualquer momento. Todos tinham dificuldades para se acostumar com o confinamento do orfanato, que lhes parecia muito mais lúgubre e angustiante que o do barco. Tampouco gostavam do trato severo dos professores ou de ser obrigados, como em Madri, a recitar tantas orações e rosários. Além disso, precisavam conviver com o assédio de garotos criollos, como antes haviam assediado os mestiços e todos os novatos que se juntavam à expedição. Os criollos debochavam de seu aspecto, de seus uniformes surrados e de seu jeito de falar. Gonzalo, o garoto que havia esfregado um pedaço de estopa no rosto do tamborzinho cubano, foi agora objeto de escárnio dos órfãos do patronato, que riam de seu sotaque galego.
— Cara de leite! Vamos escangalhar você!
— Bastardo!
— Cándido, me ajuda!
Cándido, que o perdoara por ter sido injustamente castigado em seu lugar quando Gonzalo fizera aquela selvageria no barco, não tinha medo de enfrentar os mexicanos, que também o chamavam de “cara de leite”.
— Se encostar um dedo nele, você vai amanhecer com os peixes, fiadaspu!
A fúria que carregava dentro de si o ajudava a impor respeito.
Balmis e Isabel vacinaram os órfãos enquanto esperavam que as pessoas chegassem, mas apareceram apenas sete no primeiro dia e nove no segundo. No terceiro dia, não apareceu ninguém. Diante dessa indiferença desconsoladora, Balmis teve mais uma vez o medo de perder o fluido e quebrar a cadeia de vacinações quando a reação nas crianças alcançasse o ponto culminante.
Solicitou mais uma vez uma entrevista urgente com o vice-rei, dessa vez por meio do bispo Benito María Moxó, a quem relatou a situação precária em que se encontravam as crianças do patronato. Se o vice-rei não cumprisse com o compromisso, Balmis pediria ajuda à Igreja, e era melhor já preparar o terreno.
Dessa vez, Iturrigaray recebeu Balmis. Foi em seu gabinete, no segundo andar do palácio vice-real, o mesmo onde Bernardo de Gálvez havia recebido o médico em diversas ocasiões, sempre com afeto e diligência. Balmis não conseguia deixar de pensar naquele herói destruído por sua própria honra e integridade. Agora, o mundo estava nas mãos dos mesmos aproveitadores e ladrões de galinhas que haviam aniquilado Gálvez por causa da inveja.
José de Iturrigaray vestia um traje de seda bordada com rendas no peitilho, uma peruca branca e deslumbrantes chinelos de verniz. Balmis chegou com o cabelo revolto, a barba por fazer e vestindo um gibão e um casaco sujos de pó. Não se viam havia dezoito anos.
— Peço ao doutor mil desculpas pelos inconvenientes de vossa chegada — começou o vice-rei. — O doutor nos pegou desprevenidos...
— Não exatamente, Excelência — pontuou Balmis.
O vice-rei ignorou a réplica de Balmis e continuou falando:
— Lembro do doutor em Algeciras, sempre com testes e experimentos... Fico contente de ver-vos transformado em um grande médico, embora estejais um pouco pálido e magro.
— A vingança de Montezuma, sabe...
O vice-rei soltou uma gargalhada.
— Que sacana esse Montezuma...!
— Eu me lembro de vossas piadas... Vosso repertório era único.
O vice-rei sorriu. Era simples e claro no trato, sem muita cerimônia. Passava a impressão de ser compreensivo, indulgente e piedoso. Tinha fama de conceder todos os indultos que lhe pediam e de fazê-lo de imediato e de boa vontade. Tudo com o objetivo de agradar.
Balmis disse, com uma pontada de ironia:
— Agora vós sois o rei em outras partes.
Era uma frase de um antigo vice-rei do Peru, outro governante astuto que aproveitava bem o poder do cargo. O vice-rei era o homem mais poderoso do vasto Império Espanhol em territórios da América. Seu superior imediato, o rei da Espanha, morava a sete mil quilômetros de distância, e a probabilidade de que fosse visitar os territórios de além-mar era nula. Iturrigaray respondeu:
— Digamos que Deus está no céu; o rei, na Espanha; e aqui estou eu.
E riu da própria piada.
— E eu venho suplicar ajuda — disse Balmis.
— É para isso que estou aqui.
— Em primeiro lugar, preciso urgentemente de alguns indivíduos para vacinar e preservar o fluido que trouxemos da Espanha. Em segundo, preciso que vos encarregueis dos garotos que transportaram a vacina, conforme as solicitações reais, para que não fiquem misturados com o resto da miserável população do patronato...
Foi a maneira mais diplomática que achou para dizer a ele que devia tratá-los conforme o combinado com a Coroa. O vice-rei escutava com o cenho franzido. Balmis prosseguiu:
— Em terceiro lugar, que forneçais o necessário para facilitar nossa viagem às Filipinas depois que terminarmos nosso trabalho no México.
O vice-rei pigarreou.
— Falarei com a Administração Municipal para que arranjem esses indivíduos para a vacinação. Mas deve saber que a vacina já foi introduzida na Nova Espanha, doutor Balmis. Dediquei-me a isso assim que cheguei, com a colaboração de médicos locais.
— Mas era sabido que a expedição estava a caminho, com todas as condições necessárias para introduzir o fluido de qualidade que trouxemos com sumo cuidado desde a Europa.
— Sim, claro que sabia, mas... e se os senhores se atrasassem indefinidamente ou o barco naufragasse, por exemplo? Além disso, conhecendo as finanças do império, eu duvidava que a expedição fosse financiada. De modo que não quis perder tempo. Para um governante, a felicidade do povo vem antes de tudo, como o doutor bem sabe.
Tanto cinismo provocou em Balmis uma enxurrada de tiques.
— Nisso, o doutor não mudou. Está igual ao que era quando jovem! — disse Iturrigaray, entregando a ele sete pastas cheias de papéis. — Aqui estão todos os documentos da campanha que realizamos na Nova Espanha.
O médico olhou rapidamente os documentos enquanto o vice-rei alisava as costeletas, observando-se no reflexo de seus chinelos de verniz. Continuava tão orgulhoso quanto antes. Balmis viu o ofício de 5 de maio enviado pelo vice-rei ao fiscal da Fazenda real para impedir a chegada da expedição a Veracruz, confirmando o que o bispo Benito María Moxó lhe havia contado. Preferiu não dizer nada e continuou folheando.
— Vede, esse documento diz que só foram imunizadas quatrocentas e setenta e nove pessoas na capital... Excelência, restam trinta mil residentes suscetíveis à contaminação pela varíola. Não podeis ignorá-los.
— Existe uma resistência popular à vacina, não há dúvidas.
— Eu imploro que useis vossa influência sobre o povo para que aproveitem o precioso fluido. Estamos vacinando há vários dias no patronato, e quase ninguém apareceu para ser inoculado.
— Sob nenhuma circunstância eu aprovaria vacinações forçadas. O que posso fazer é ordenar que sejam publicados cartazes anunciando a expedição.
— Eu agradeço muito, mas não é o suficiente. Assim como fizemos na Venezuela, precisaria que convocásseis corporações, agremiações e sociedades de amigos para respaldar nosso trabalho.
Contou a ele como lá haviam mobilizado a população, organizado as juntas de vacinação, falou do altíssimo número de vacinados, mas o vice-rei se mostrava indiferente.
— Eu também mobilizei as autoridades locais. Vacinei meu filho em um ato público para dar o exemplo.
— Mas a vacina não funcionou, pois o material não era eficaz. Sem dúvidas, perdeu as propriedades medicinais durante o traslado.
O vice-rei mordeu os lábios, pois aquele insignificante Balmis ficara sabendo de tudo. Para o médico, estava claro que o vice-rei não tinha tanto interesse em dar exemplo e ser imunizado contra a doença quanto tinha em dar visibilidade à própria conduta a fim de conquistar a admiração da Corte e apagar a má impressão inicial.
— Com todo o respeito... Se falta entusiasmo popular — atreveu-se a dizer Balmis —, é devido aos maus resultados obtidos até agora.
— Não afirme isso antes de ler os documento que lhe entreguei, doutor.
— Não encontramos vestígios da vacina em nenhuma das cidades por onde passamos. O povo não está ciente de sua importância. Não basta inocular-lhes o fluido que, trazido de Cuba em vidrinhos, perdeu toda ou parte da eficácia. Não basta vacinar os filhos dos nobres, é preciso vacinar todo o povo — mestiços, índios e negros e, depois, os recém-nascidos. É preciso fazer isso de forma sistemática, não a trancos e barrancos.
— Então, apresente-me um plano para vencer a resistência do público. Conseguimos impor a lei de Cristo em missas, procissões e festas dos padroeiros, mas não nas almas, essa é a verdade.
— Apresentar-vos-ei até o fim deste mês. Será um plano no qual, se vós me permitis, explicarei as medidas que precisam ser tomadas. Serão necessárias celebrações públicas, missas solenes e vacinações cerimoniais para despertar na população o desejo de se vacinar.
— Quanto aos garotos — disse o vice-rei —, podemos inscrevê-los na Escola Patriótica. Ali aprenderão um ofício e terão melhores condições. Os padres betleemitas também possuem bons colégios, o doutor chegou a ver?
Balmis fez que não com a cabeça.
— Se os aceitarem, deixariam de ser um peso para o maltratado Erário real.
— Bem, assim farei.
Fez-se um silêncio, como se Iturrigaray considerasse que a conversa havia chegado ao fim. Pelos silêncios e pelo olhar, era possível ver que Balmis o exasperava. O vice-rei continuava olhando para seus chinelos; era um homem vaidoso.
— E as Filipinas? — disse o médico. — Poderíamos aproveitar a próxima viagem do Galeão de Manila e partir de Acapulco. Eu precisaria saber a data exata de partida e deixar os preparativos em dia. Vossa Excelência poderia dar ordens ao capitão do galeão para que providenciasse acomodação para algo entre quarenta e quarenta e seis pessoas...
Iturrigaray assoviou e desviou o olhar. Balmis fixou o olhar em seu nariz aquilino e sua mandíbula de predador.
— Quanta gente! — exclamou Iturrigaray. — É uma empreitada custosa, doutor, e talvez desnecessária para o Tesouro público neste momento.
— Desnecessária?
— Se a vacina já foi difundida nas ilhas, totalmente desnecessária.
— Mas segundo a Cédula Real...
— Sim, eu sei, mas na Corte nem sempre se tem consciência do estado de nossas finanças — interrompeu o vice-rei, dando a entender que seria feito o que ele decidira.
Balmis estava tão indignado que suas mãos suavam. Iturrigaray era um lobo em pele de cordeiro.
— Ainda que a vacina tenha chegado às ilhas, a expedição continua necessária para instruir médicos e criar equipes de vacinação e clínicas, segundo as instruções de sua Majestade.
— O doutor está autorizado a proceder com os preparativos — disse o vice-rei. — Mas, se eu ficar sabendo que a vacina já foi levada às Filipinas, reservo-me o direito de rescindir a permissão da viagem. Já disse ao doutor: nossos cofres estão vazios.
Balmis lutava para conter sua ira. Aquele homem, que todos sabiam ter enriquecido à custa do Erário, acreditava mesmo que era o rei encarnado, capaz de fazer pouco das ordens de Madri. Jurou que deixaria o rei à parte do comportamento de Iturrigaray — não por orgulho ferido, mas pelos milhares de mortos devido à varíola em consequência de seus atos.