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O vice-rei não fez nada do que se comprometera a fazer, exceto pendurar alguns cartazes que não surtiram efeito, porque a maioria da população não sabia ler. Balmis pediu ajuda ao alcaide do bairro, um homem resoluto, que conseguiu levar vinte índias ao sanatório para que vacinassem seus filhos. Como gritavam aquelas mulheres! As crianças que lá moravam estavam assustadas. Não havia maneira de convencê-las, apesar dos esforços persuasivos de Isabel e dos enfermeiros. Inocular o mal em seus rebentos lhes causava medo e repugnância. Balmis tentou lhes dar algum dinheiro, mas elas não apenas se negaram a aceitá-lo, como pegaram o próprio dinheiro e o ofereceram a Balmis para que poupasse seus filhos. Teria sido uma situação cômica, não fosse pelo pavor das mulheres.

— Não há como vacinar nessas condições — disse Balmis.

— Deixe comigo, doutor! Sei lidar com essa gente. É preciso forçá-las — disse o administrador.

— Não, não podemos fazer isso — disse Isabel.

— É para o seu bem, para o bem de seus filhos.

O administrador arrancou um garoto dos braços de sua mãe e amarrou-o a uma cadeira enquanto as mulheres berravam no corredor, como se estivessem chorando por alguém morto.

— Não, assim não vale a pena vacinar — disse Balmis diante do olhar de incompreensão do alcaide. — Não é questão de forçar as pessoas, mas de convencê-las. Se não, é como se déssemos o peixe sem ensinar a pescar.

O alcaide não entendia por que não obrigar os índios a fazer o que fosse mister, sem maiores ponderações.

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No fim do mês, Balmis apresentou ao vice-rei os relatórios acerca dos meios necessários para manter e perpetuar a vacina na Nova Espanha e de como implantar uma casa de vacinação pública em um edifício central, que tivesse quartos limpos e cômodos convenientes ao procedimento. Seu plano contemplava a revacinação de todos os que haviam sido inoculados; caso necessário, em troca de uma pequena recompensa econômica. Havia dedicado longas horas à preparação daquele projeto, e o diretor da expedição estava confiante de que o fato de ter elaborado tudo de maneira coerente e lógica faria o vice-rei refletir e mudar de atitude.

À espera de resposta, foi com Isabel visitar o convento dos padres betleemitas na rua Tacuba, tal como havia sugerido o próprio Iturrigaray. Foram recebidos na entrada de um edifício majestoso pelo frade Rodrigo, homem alto e enxuto com grandes olhos azuis e brilhantes, que vestia o típico hábito pardo da ordem preso na cintura por um cinto de couro, calçava sandálias e ostentava uma barba hirsuta que chegava ao umbigo. Balmis pensou naqueles santos cujos retratos assinados por Murillo ou El Greco estavam pendurados nas igrejas da Espanha. Em volta do pescoço, tinha o medalhão da ordem, com a cena do nascimento de Jesus num curral em Belém. Como membros da primeira ordem religiosa nascida na América com a finalidade de servir aos pobres, eram reconhecíveis em todo o continente, pois mais pareciam mendigos ou vagabundos. Sua imagem dava a entender que seguiam à risca o voto de pobreza.

— Claro que cuidaremos de seus galegos. Contamos com mais de vinte hospitais e uma dezena de escolas em toda a Nova Espanha.

Isabel respirou aliviada. Frei Rodrigo prosseguiu:

— Vou lhes mostrar a escola, que fica ao lado do claustro. Ali damos comida para os pobres e lecionamos.

Para chegar à escola, era preciso atravessar o hospital beneficente, do outro lado de um claustro belamente decorado com azulejos e fontes de pedra lavrada. Mas assim que entrou, Isabel, tomada por ânsia de vômito, precisou retroceder com a mão na frente do rosto. O cheiro era insuportável. Balmis também precisou conter sua vontade de vomitar, pois nunca havia visto antes um hospital tão abarrotado, tão pobre, tão desprovido de tudo. Era óbvio que não conseguiam manter a higiene mínima, tamanha a superlotação: variolosos, tísicos, sifilíticos, feridos, presidiários recém-libertos, alguns caídos em colchões, outros sobre panos ou pedaços de couro no chão. Também havia loucos que esgrimiam gestos ameaçadores ou vulgares ou que repetiam algum tipo de mantra enquanto socavam a parede. A ordem dos betleemitas havia sido a primeira a abordar a loucura. Frei Rodrigo explicou assim:

— Na quinta lei de nosso estatuto, consta a obrigação de acolher todos os tipos de doentes, mesmo casos contagiosos. Somos obrigados a levá-los aos hospitais em nossos próprios ombros. O mesmo vale para os infiéis. Aos loucos, damos abrigo. Hoje ingressaram duas mulheres que foram curadas da melancolia involutiva.

Isabel as viu catando piolho tranquilamente, sentadas no parapeito de uma janela. O mais estranho daquele lugar nauseabundo e cheio de todas as formas de sofrimento humano era que, depois de acostumar o olfato, percebia-se uma rara serenidade. Frei Rodrigo se virou para Isabel e disse:

— Aqui deixamos os loucos mansos soltos; para os furiosos, temos quatro solitárias no segundo pátio.

Então, abrindo um de seus grandes olhos azuis, acrescentou:

— O delírio, senhora, causa grande tristeza se acompanhado da solidão.

Aquele padre era o mais próximo de um santo que Isabel já havia conhecido. Como devia ser difícil a santidade! Eles, os expedicionários, tão orgulhosos de sua dedicação para salvar o mundo, deparavam com homens muito mais entregues, de uma humildade admirável, que, com baixíssimo orçamento, levavam a cabo uma tarefa elogiável.

— Espanta-me o contraste entre seus poucos meios e a riqueza do edifício. Esses azulejos, por exemplo, ou as próprias fontes do pátio...

— Doutor Balmis, é mais fácil conseguir fundos para abrir novas sedes que para dar conta dos gastos diários... — disse-lhe o frei Rodrigo. — Esse é o cotidiano aqui, e nos adaptamos a ele confiando que o Todo-Poderoso sempre nos oferecerá soluções.

A escola padecia dos mesmos problemas de superlotação e falta de higiene que o hospital: jovens de todas as idades se amontoavam em um espaço reduzido, malvestidos e, a julgar pela sopa rala que lhes foi servida, subalimentados. A diferença era que ali não existiam medidas coercitivas nem castigos. Era paz e pobreza. Isabel e Balmis concordaram que não era o lugar apropriado para deixarem os galegos: em primeiro lugar, não havia espaço, embora frei Rodrigo insistisse no contrário; em segundo, aquilo estava ainda mais distante das condições prometidas pela Coroa. Isabel e Balmis, que acreditavam já ter visto o pior no Patronato de Pobres, precisaram aceitar que a escola dos padres betleemitas tampouco era a solução.

Isabel retornou ao patronato com a resolução firme de convencer o diretor a transferir os sete garotos com idades entre três e quatro anos para a ala feminina, porque, segundo ela, os menores precisavam de um ambiente física e moralmente mais saudável. Ao menos lá eles seriam mais bem-cuidados e vigiados. Por ora, era tudo o que podia fazer por eles.

Restava a Escola Patriótica, estabelecida graças à generosa doação do capitão Francisco Zúñiga, um rico proprietário de minas que destinou duzentos mil pesos à formação profissional de órfãos de ambos os sexos, mas eles ficaram sabendo que o edifício estava em construção e ainda não havia vagas. Nenhuma das soluções propostas pelo vice-rei era factível.