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Balmis estava exasperado de tanto esperar por uma resposta. Mas Iturrigaray nem sequer deu sinal do recebimento dos relatórios, o que era uma maneira pouco sutil de ignorar as recomendações. Isso indicava uma atitude e um silêncio dolorosos. “Por que me vê como inimigo político, se a expedição só tem fins humanitários?”, perguntava-se Balmis ao visitar Antoñita San Martín no fim do dia.

— Você continua o mesmo ingênuo de sempre — disse-lhe a atriz. — Acha que o mundo é preto no branco, como seu trabalho: perfura a pele, a pessoa reage e é salva da varíola. Mas não, a vida não é assim. Vê se põe na cabeça que esse senhorzinho andalú que chamamos de vice-rei não tem interesse em nada que não seu próprio benefício.

Custava a Balmis aceitar que uma personalidade do nível de um vice-rei pudesse agir daquela maneira. Depois de uma pausa, disse:

— Então é inútil ficar na Cidade do México.

A mulher depositou o cigarro em um cinzeiro e aplaudiu, debochada.

— Como você é esperto, amado. Como pode ser tão esperto para algumas coisas e tão tonto para outras? Tão tapado? Às vezes, para ganhar uma guerra, é preciso perder batalhas, e essa é melhor dar por perdida. Vá para Puebla e se coloque sob proteção do bispo.

Balmis espumava de raiva. Não dormia à noite, pensando no que fazer. Tinha claro para si que o conflito com Iturrigaray não podia ficar assim. Reagiu como costumava fazer nessas situações: com as armas de que dispunha, as quais podiam ser muito eficazes. Dedicou-se a escrever longos relatos à Auditoria Real, ao Protomedicato e ao ministro do rei, José Caballero. Com sua minúcia característica, descreveu como fracasso a campanha de vacinação empreendida pelo vice-rei. Alegou que havia sido confiada a pessoas pouco ou nada instruídas e a apadrinhados para quem desejava entregar cargos, acusando-o diretamente de nepotismo. Então, passou a esmiuçar os erros cometidos, inclusive dos mais grosseiros, como a utilização de fluido ainda imaturo — erro que também havia sido cometido em Porto Rico. Depois de muitas noites em claro, Balmis teve sua desforra. Não eram cartas escritas para facilitar as relações com o vice-rei, mas pensou que, quando chegasse a admoestação, já estaria muito longe de seu alcance. Iriam a Puebla.

Isabel foi ao patronato se despedir de Cándido.

— Vamos ficar fora por uns dias…

— Por que não posso ir com vocês?

— Porque você já foi vacinado.

— Benito também…

— Sim, mas ele vai acompanhar a mãe dele.

Cándido estava aborrecido.

— Se você adotou o Benito, porque não me adota também? — perguntou.

— Se pudesse, faria isso…

— E por que não pode?

— Não teria como sustentá-lo, mas quem sabe um dia…

Quis lhe dar um fio de esperança ao qual se agarrar, mas o garoto estava enfadado; foi embora e deixou-a sozinha, sem se despedir.

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Em 18 de setembro de 1804, escoltados por tropas do Exército, chegaram a Puebla de los Ángeles, a segunda maior cidade do vice-reinado, acompanhados por Benito e outro garoto do patronato que transportava a linfa e estava vestido à moda antiga, com gibão, calça e colarinho de serralha-branca.

— Diz a lenda que foi fundada pela vontade de alguns anjos — explicaram a eles.

Isabel pensou que apenas anjos poderiam ter escolhido aquele vale nas alturas paras erguer uma esplêndida cidade, rodeada de vulcões tocados pela neve. O ar era cristalino, e a temperatura, amena e primaveril. Quando Balmis viu na entrada da cidade que eram esperados por um grupo substancioso de oficiais reais e religiosos rodeados por uma multidão de vizinhos, lembrou-se das palavras de Antoñita San Martín sobre o bispo e suspirou.

— Encontraremos aqui o que o doutor esperava na capital — disse Isabel.

O governador, que havia publicado uma proclamação anunciando a chegada da expedição, proferiu um breve discurso elogiando “a preciosa vacina” e, então, se ofereceu para acompanhá-los à catedral. Balmis e Isabel transbordavam de alegria. Tiveram a sensação de flutuar enquanto atravessavam as ruas pavimentadas e ladeadas por igrejas, monastérios e palácios construídos com pedra de cantaria cinza e tijolos vermelhos. Não podiam deixar de admirar as glicínias e as roseiras que subiam pelas fachadas, de cujas sacadas as pessoas cumprimentavam-nos balançando flores.

— Nunca vi azulejos de tantas cores — disse Balmis, que havia desenvolvido uma pequena paixão por aqueles mosaicos, talvez porque revelassem o status social de seus donos.

— Antes, vinham das Filipinas; agora, Puebla se tornou o centro de produção de cerâmica mais importante de toda a América espanhola — disse-lhe o governador.

“Filipinas…”, pensou Balmis. “Sim, estamos a caminho.” O apoio, o calor do povo, o ambiente festivo, as palavras de gratidão — não havia dinheiro no mundo capaz de rivalizar com aquela sensação de plenitude. Sentir o reconhecimento pelo trabalho bem-feito deixava-nos em estado de glória.

Chegaram à catedral, a maior do continente, mas estava tão abarrotada que tiveram dificuldade para se aproximar da capela do Rosário e ver o ouro que a recobria. A duras penas, abriram caminho até as primeiras fileiras, onde os expedicionários se sentaram. O cheiro era de incenso e dos milhares de flores que decoravam o altar. Todos ficaram em silêncio quando apareceu o bispo Ricardo María Rodriguez del Fresnillo, homem de porte aristocrático, com olhos cinza e serenos, cabelo grisalho penteado para trás, testa ampla e voz de veludo. Depois de recordar os estragos da epidemia que havia assolado Puebla em 1797, enalteceu a figura do rei e a coragem dos expedicionários. Então, desceu as escadas do altar, aproximou-se do garoto que portava a vacina e levou-o consigo até o púlpito. Balmis pensou nos noventa e sete pesos fortes que lhe havia custado o traje do garoto no estilo “espanhol antigo”.

— Valeu a pena comprar o traje — disse a Isabel.

Havia comprado as vestes para impressionar a população, para envolver a ideia da vacina em uma aura de glamour. Apontando para o garotinho, o bispo proferiu um discurso eloquente.

— Pais e mães de família, que tendes vossos deleites em vossos ternos filhos e que justamente os vedes como o báculo de vossas velhices, certificai-vos de que seja introduzido nesses objetos de vossas carícias, por meio de uma operação rápida e suave, um fluido que os tornará invulneráveis à atividade maligna da varíola, sem que experimentem o menor dano nem vós tendeis aumentos de gastos e cuidados.

Quando terminou, os trompetes do órgão entonaram um solene e majestoso te-déum em honra aos recém-chegados.