Tendo chegado à Cidade do México, instalaram os vinte e seis novos garotos no Patronato Real da rua de la Merced. A governanta ficou alvoroçada ao ver Isabel outra vez; tinha boas notícias para dar.
— Recebemos a visita de Pedro Marcos Gutiérrez, sabe quem é?
— Não.
— Um mercador local. Ele adotou Clemente e Manuel María!
Isabel sorriu. Havia se afeiçoado àqueles dois garotos de cinco anos e boa índole. Durante a travessia, ambos demonstraram uma força impressionante para sua idade. Ficava contente por eles.
— E um médico da Escola Patriótica quer levar Jorge Nicolás de los Dolores.
Jorge Nicolás tinha quatro anos e era muito bonito. Ficara tão doente durante a viagem que Isabel chegara a temer pela vida dele.
— Tanto o mercador como o médico são pessoas de excelente reputação — acrescentou a governanta.
Pouco a pouco, as promessas do rei eram cumpridas.
— Outra boa notícia: Cándido foi detido e devolveram a nós.
— Cándido está aqui? — perguntou Isabel, sobressaltada.
— Enviamos uma carta para a senhora em Puebla, mas foi devolvida. Sim, o garoto andava precariamente nos subúrbios, vivendo com esmolas que ganhava dos bêbados em botecos de quinta categoria... Tinham-no ensinado a cantar cantigas locais, canções muito feias que insultam o rei e os curas! Esse rapazote tem a boca podre, de tantas que aprendeu!
— E onde morou esse tempo todo?
— Diz que dormia na rua. Quando sentia fome, roubava frutas e, durante o dia, se escondia das patrulhas. Até que ficou doente, como todos os espanhóis, senhora, e o dono do boteco deixou-o na porta do Hospital do Amor de Dios. Lá trataram dele e depois o mandaram para nós.
— Quero vê-lo — disse Isabel.
— Está de castigo.
— Há quanto tempo está de castigo?
— Duas semanas.
— Mas ele só tem nove anos...
— Sim, senhora, mas é mais ardiloso que um demônio... O capelão decidiu trancá-lo por um mês no quarto de castigo.
— Um mês?
— Sim, por ter fugido e por blasfemar.
Isabel achou o castigo excessivo, mas disfarçou. A mulher não deixou que o visse, de maneira que Isabel precisou falar com o capelão diretor, que tampouco queria permitir. O homem parecia sentir prazer em alardear sua autoridade diante da espanhola, utilizando o garoto como pretexto. No fim, diante da insistência obstinada de Isabel, não teve remédio senão ceder.
Cándido estava como um prisioneiro, sozinho em uma cela quase sem luz, onde o ar era espesso devido à cal viva das paredes. Levavam comida para ele e não o deixavam sair, exceto para fazer suas necessidades. Estava puro osso, com as bochechas afundadas e as pernas parecendo taquaras.
— É por causa do mal de Montezuma, que pegou vivendo na rua feito um rato; aqui ele é bem alimentado — disse a governanta para se justificar.
Tinha marcas e hematomas pelo corpo todo. Estava sujo, o cabelo estava todo desgrenhado e encardido, sem rastros de suas mechas loiras. Apenas o fulgor de seus olhos azuis permanecia intacto. Isabel se aproximou para abraçá-lo, mas ele a afugentou. Ela entendeu que o garoto se sentia traído.
— Cándido, querido, quero que você venha comigo a Puebla, uma cidade perto daqui, onde vamos morar. Benito vai estudar em um colégio... Você quer estudar também?
— Eu não gosto.
— O que você quer fazer?
— Nada.
Isabel ficou um bom tempo em silêncio.
— Não acredito que você não queira fazer nada. Você não para nunca.
Fez-se outro silêncio, que o garoto interrompeu:
— Vou fazer o que sei fazer: cantar.
— Bom, então vamos colocá-lo no coro da catedral.
— Não, eu quero cantar nos subúrbios, o povo dá mais dinheiro.
Isabel não insistiu. Sabia que não arrancaria um sim do Senhor Não.
— Experimentei pulque — disse o garoto, vangloriando-se da façanha.
— Gostou?
Cándido deu de ombros. Tanto fazia se ele havia gostado, o importante era ter feito algo proibido.
Isabel ficou de alma partida por deixá-lo naquela cela, mas tirá-lo dali exigiria tempo e a intervenção direta de Balmis. Alguém com o caráter de Cándido, capaz de entrar como clandestino no barco e sobreviver nas ruas do México, um garoto com aquela personalidade e aquele talento, não merecia ficar trancafiado feito prisioneiro. Não era um vândalo ou um desajustado, como descrevia a governanta, mas um garoto revoltado com o mundo e suas injustiças. Um rebelde que cumprimentava o capelão diretor dizendo “O raio que o parta!”, sabendo que receberia como resposta uma paulada descomunal e a ampliação de sua pena. Isabel estava convencida de que só o que precisava para se endireitar era de um adulto que acreditasse nele. E ela acreditava.
Balmis, por sua vez, tinha pressa de sair do México. Deixar passar a oportunidade de embarcar no Magallanes significaria esperar mais ou menos um ano pelo galeão seguinte. Escreveu ao vice-rei para informá-lo de que os preparativos estavam prontos e que só faltava a autorização para embarcar. Iturrigaray respondeu que no próximo galeão, o Magallanes, a preferência seria dada às tropas necessárias para defender as guarnições das ilhas. Em segundo lugar, havia um bom número de frades dominicanos, carmelitas e agostinianos espanhóis que adiaram a viagem anterior para dar espaço aos militares. Embora tivesse prometido se dedicar oportunamente a atender ao pedido, avisou que, caso não surgisse outro navio, seria impossível mandar a expedição no Magallanes. A duras penas, Balmis conteve a irritação e respondeu em uma carta: “Vós relegais a expedição a um terceiro lugar, sabendo do desejo de sua Majestade de enviar o soro, voando se fosse possível, a seus amados súditos, sem medir gastos nem esforços”. Mas, resignado, terminou a carta mansamente: “Visto que sois o vice-rei e a pessoa a quem devo obediência sob quaisquer circunstâncias, submeto-me a vossa decisão”.
Balmis se repugnava ao ser tratado com desdém, logo ele, que se considerava a expressão humana da vontade real. Ao saber que Ángel Crespo, capitão do Magallanes, encontrava-se em Puebla, decidiu procurá-lo. Se o vice-rei mantivesse aquela atitude, ele tentaria um atalho. A perspectiva de retornar a Puebla encheu Isabel de alegria. Fosse onde fosse, uma coisa era certa: seu filho ingressaria em um dos melhores colégios da Nova Espanha. Sentia-se com forças para lutar por Cándido.
— O doutor precisa me ajudar a tirar Cándido daqui — disse Isabel.
— Mas não podemos abrir exceções... — respondeu Balmis. — Agora, esses garotos estão sob o amparo do vice-rei, e tirar um deles seria considerado desmando e injustiça.
Então, Isabel contou da fuga de Cándido. Balmis lembrou-se de como o havia conhecido, de castigo no orfanato de Madri.
— Esse garoto vai acabar mal.
— Por isso é importante tirá-lo daqui. Tem bom coração, e ainda há tempo para evitar o pior. Dentro de três anos, não haverá mais nada a fazer, será tarde demais.
Contou a ele as condições em que encontrara o garoto.
— Por que o doutor não pede a intervenção do bispo de Puebla para que ele cuide disso diretamente?
Balmis estava tão indignado que não pôde conter um de seus tiques, mas reagiu:
— Está bem. Farei isso.