Cándido parecia não acreditar em sua libertação. Lá estavam Balmis, Isabel e Benito para tirá-lo dali e levá-lo com eles, enquanto os vinte e seis novos mexicanos permaneceriam no patronato. Era um sonho que se tornava realidade, embora o pequeno Cándido estivesse com pé atrás, olhando com desconfiança para seus protetores. Não haviam quebrado a promessa de deixá-lo sob os cuidados de uma família? O garoto não entendia que o principal inconveniente era sua idade e sua atitude. Que diretor de orfanato recomendaria um garoto tão difícil quanto ele?
— O raio que o parta...! — disse ao capelão diretor ao se despedir, sabendo que dessa vez o homem não poderia castigá-lo.
Benito deu uma gargalhada. Havia reencontrado seu amigo, seu companheiro de travessuras. A primeira coisa que Cándido fez foi contar a ele os novos insultos que havia aprendido nas ruas: verdugo, agiota, cachorro e ladrão. Mas Isabel foi clara:
— Se não quer voltar para o orfanato, precisa falar direito e obedecer.
O garoto deu de ombros, como se não se importasse com o que escutava.
— Entendeu bem?
Como Cándido não respondia, Isabel mandou que o cocheiro desse meia-volta.
— Vamos de volta para o orfanato.
— Nããããão! Está bem, está bem, eu vou me comportar.
— Promete?
Cruzou os dedos e os beijou, em um gesto procaz que havia aprendido com os marinheiros.
Em Puebla, alojaram-se na residência que o bispo havia cedido a eles na viagem anterior, uma casa ampla e próxima do palácio. Em seguida, Balmis entrou em contato com Ángel Crespo, capitão do Magallanes, que lhe assegurou que, apesar do grande número de passageiros que já haviam se alistado para viajar a Manila, haveria espaço para os membros da expedição.
— Eu garanto uma alimentação adequada e camarotes especialmente preparados para os garotos — acrescentou.
Com essa informação, Balmis enviou uma carta a Godoy pedindo que contasse ao rei como haviam difundido a vacina em todo o território da Nova Espanha e informando-o de que, sem levar em conta a opinião do vice-rei, negociara com o capitão do Galeão de Manila.
Isabel, por sua vez, apresentou-se ao bispo com os dois garotos.
— Eminência, acreditei em vossa palavra, mas, em vez de apenas um garoto, trouxe dois para ver se há a possibilidade de que estudem no Colégio Carolino e se tornem homens trabalhadores.
— Você é Benito?
— Sim — disse o garoto.
— E você?
— Cándido de la Caridad.
— Sim... O doutor Balmis me mandou uma carta para que o tirasse do orfanato. Você gosta de estudar?
O garoto ia responder quando deparou com o olhar severo de Isabel. Então, se virou para o bispo.
— Sim, muito.
— E tem boa voz, Eminência. Precisais escutá-lo.
— Vejamos, cante alguma coisa...
Cándido começou a cantar Ave-Maria, de Bach, à capela. Tinha aprendido em Madri. Sua voz deixou o bispo maravilhado e atraiu a atenção de outros frades, que se aproximaram para escutá-lo. Cándido se transformava ao cantar e também transformava aqueles que o escutavam. Sua voz era clara como cristal, potente como a de um barítono. O bispo estava deslumbrado.
— Vai cantar na catedral, tem um autêntico dom divino. Agora, cante para nós uma canção...
Cándido olhou para Isabel, como se pedisse permissão. Isabel fez um gesto para que prosseguisse. O garoto arriscou uma cantiga:
— Quando os cegos entram em uma casa / para testar as cadeiras / testam as empregadas.
Isabel mordeu a língua, mas as risadas do bispo relaxaram o ambiente.
— Onde você aprendeu isso?
— Na pulquería onde eu cantava.
— Ah, é? Cantava em uma pulquería?
— É que fugi e fiquei morando na rua... — contou o garoto, cada vez mais animado. — Sei mais uma, essa é um jarabe: Açoite, mordaça e freio / tem a nossa Santa Fé / pra aquele que disser / que renegar a Deus é bom...
— Deu, deu, já basta — disse Isabel, enrubescida.
O garoto olhou para ela com ar contrito. O bispo sorria, embora aquelas letras pudessem causar intervenção da Inquisição, que havia relaxado seus costumes, mas seguia vigente — e assim continuaria até 1821.
— Esse aprendizado dos tugúrios! — disse o bispo. — Agora você aprenderá outras coisas, coisas interessantes, coisas do mundo, dos homens, de Deus. Darei instruções para que ingresse no Colégio Carolino.
Isabel suspirou e fechou os olhos; não sabia como agradecer. Os garotos não entendiam se aquilo que o bispo propunha era bom ou ruim, de modo que permaneceram impassíveis.
— E a senhora, Isabel, teria vontade de trabalhar no hospital?
O Hospital de San Pedro, que existia desde a fundação da própria cidade, em 1545, e que no início se ocupara apenas de brancos pobres, tinha dois andares e ocupava um quarteirão inteiro. Agora dispunha de duzentos e cinquenta leitos e uma equipe numerosa, com hierarquias e funções definidas. Além de médicos, praticantes, enfermeiros e sangradores, havia um unguidor e uma unguidora, vinte e três chichiguas, ou amas de leite, o primeiro e o segundo roupeiros, um colchoneiro e uma lavandeira, cozinheiros, distribuidores de pão, um sepultador e um carroceiro para os cadáveres. Médicos e cirurgiões visitavam os doentes acompanhados pelos funcionários que realizavam tarefas de enfermaria, e do boticário, que registrava os remédios prescritos. Também ofereciam seus serviços aos doentes sangradores, barbeiros e articuladores de ossos. Isabel ficou encarregada da sala de vacinação; sua missão era conservar o fluido fresco na cidade e nas subunidades administrativas da municipalidade por meio de operações periódicas. A cada nove dias, que era o número proporcional aos nascimentos anuais, devia vacinar quinze garotos. O bispo forneceu cartilhas aos encarregados de vacinar.
Os garotos se adaptaram bem ao colégio; tinham de memorizar os preceitos de Cícero, acompanhar as aulas de latim e ler durante meia hora ao fim da manhã. Almoçavam no refeitório ao som da voz comedida de um leitor que glosava a vida São Luís Gonzaga, que ainda não era santo, mas, segundo diziam os padres, não demoraria a se tornar um. Como estavam atrasados em relação aos colegas, repreendiam-nos com suavidade, estimulavam-nos com exemplos e recompensavam-nos com prêmios. No intervalo, era-lhes permitido jogar dominó e bolinha de gude e tirar uma siesta de meia hora depois de comer. À noite, reuniam-se com Isabel no convento das freiras enquanto esperavam uma casa definitiva onde se instalar. Enfim, levavam uma vida normal. Isabel havia chegado ao fim do caminho — ao menos era o que achava.