Poucos dias depois do encontro com Balmis, Ángel Crespo, capitão do Magallanes, voltou atrás.
— Sinto muito, não posso aceitá-los sem permissão do vice-rei.
— Como o senhor me faz uma coisa dessas? Temos um compromisso!
— Devido ao grande prejuízo que implicaria o fornecimento de víveres para a expedição caso sua viagem não se confirme.
Era uma desculpa esfarrapada, na qual Balmis enxergou o dedo do vice-rei, que continuava impondo obstáculos a seus planos, pois a capitania das Filipinas era dependente do vice-reinado do México. Poucos dias depois, recebeu uma carta comunicando-o de que o excelentíssimo dom José de Iturrigaray estava à espera do relatório de um tal Benito Vivero y Escaño, comandante do San Blas, que ficara encarregado de investigar se a vacina havia sido introduzida nas ilhas Filipinas. Ficou claro que o vice-rei procurava uma razão para dar o golpe final na expedição. Ocultando sua raiva, Balmis lhe escreveu para pedir que dissesse com antecedência qual seria a data definitiva de partida, supondo que a vacina não houvesse chegado nas ilhas, fato de que estava convencido. Disse que precisava ter tudo pronto com bastante antecedência para evitar a possibilidade de ser pego desprevenido no momento de zarpar.
Apesar de outra disenteria com sangramentos, decidiu retornar à Cidade do México.
— Não prefere esperar até estar melhor?
— Não, Isabel. Retorno ao México com a convicção de que se Deus, o rei da Espanha e a humanidade inteira estão a meu lado, conseguirei embarcar no Magallanes.
Isabel apertava as mãos, que suavam. Ela ficaria, tinha a vida resolvida. E o homem que a ajudara a obter o que mais ansiava continuava acorrentado à expedição, lutando contra moinhos de vento como dom Quixote, personagem do romance que estava lendo por recomendação dos professores de seu filho.
— Se é necessário, irei à capital ajudar o doutor a encontrar algumas mulheres para fazer a viagem com os mexicanos...
Balmis olhou para ela; por trás das fortes piscadas, Isabel pensou ter visto os olhos dele cheios de lágrimas. Balmis chorando? Achou estranho. “Talvez seja o frio da manhã”, disse a si mesma para acalmar a consciência pesada.
Na capital, Balmis ficou sabendo que haviam vazado para o vice-rei os comentários de suas cartas de protesto direcionadas às autoridades de Madri, o que explicava sua exasperação: que melhor maneira de se vingar, senão sabotar definitivamente a expedição? Estava desmoralizado pelo cansaço e também porque, embora estivesse rodeado de ajudantes, já não contava com a força e a temperança de quem ele considerava fundamental. Por hora, sem a permissão do vice-rei para prosseguir, Balmis não podia fazer nada, exceto se recuperar da disenteria, procurar uma ou duas mulheres que quisessem fazer a travessia com as crianças e esperar, esperar... Uma tortura para um homem de ação.
O bispo de Puebla também era um homem de ação. Gostava de visitar os doentes do hospital, as comunidades indígenas dos arredores e os capelães que estavam sob sua responsabilidade para avisá-los de que não toleraria qualquer desleixo em relação à vacina. Visitava com frequência as freiras do convento. O lugar cheirava a flores, os corredores altos e sombrios desprendiam uma atmosfera de serenidade interrompida apenas pelos gritos de Benito e Cándido ao voltar do colégio. Estavam felizes, pois ninguém os trancava em quartos escuros, ninguém batia neles com régua nem os obrigava a cumprir penitência de joelhos. Cándido passou até a fazer o sinal da cruz ao entrar na capela.
Isabel se sentia tão abençoada que, cada vez que encontrava o bispo, desdobrava-se em agradecimentos.
— Deve-se agradecer a Deus, não a mim — respondia o prelado.
Estava maravilhada com a humildade daquele homem, com sua maneira distinta de falar e com o tom de sua voz, ainda mais adoçado pelo sotaque mexicano. Quando ouvia seus passos no corredor, era tomada por uma sensação turbadora, e quando dom Ricardo perguntava por ela, ficava paralisada. Não que se sentisse intimidada, porque ele era bonachão e estava sempre de bom humor. Ao vê-lo sentado em um canto, a batina aberta, Isabel era tomada por uma onda de calor, uma emoção indescritível que revirava suas entranhas.
— Sabe o que me disse o cura de Xalisco?
Isabel fez que não com a cabeça. Tinha dificuldade até para falar com ele, porque a tratava de igual para igual, e isso a embasbacava. Via-o como alguém mais velho, mais sábio e infinitamente mais culto que ela.
— Quando disse que esperava que não haver indolente que se achasse sem a obrigação de vacinar, atreveu-se a dizer grosseiramente que era médico das almas, não dos corpos. Respondi que bastava de falta de caridade, pois quem, podendo salvar a vida do próximo, não o faz é como um verdadeiro homicida.
— Vós o chamastes de homicida?
— Queria garantir que não visse com leviandade a questão da vacina.
Riram com vontade. A sedução que dom Ricardo exercia sobre Isabel não estava arraigada na distância quase divina que separa os representantes de Deus do resto dos mortais, mas em sua qualidade basicamente humana.
— Nós, curas, esquecemos nossa obrigação divina de reconfortar as pessoas que sofrem, as solitárias e as desesperadas.
— Não só os curas — disse ela.
Veio de sua alma o impulso de dizer aquelas quatro palavras. Dom Ricardo observou-a com ternura. Aquela não era uma mulher como as demais, tinha boa percepção, além de coragem e integridade. Caso contrário, como teria feito o que fez?
— Há seres iluminados como a senhora, como Balmis, como Salvany...
— Fico encabulada com essas comparações — disse Isabel.
Virou-se para ele e lhe direcionou um sorriso franco, transbordando gratidão. Dom Ricardo se comoveu; olhou para o céu e pediu a Deus, de cuja existência às vezes duvidava, que não o deixasse cair em tentação.
Ignorava as razões do afeto que sentia por Isabel. O preto reluzente de seu cabelo, a cor e a forma de seus olhos e seu sorriso o fascinavam. Mas a cidade estava repleta de mulheres tão ou mais bonitas que ela, que nunca despertaram nele a mínima alteração. Isabel era de uma beleza antiga, com traços de boa proporção e a pele tão clara que transpareciam as veias. Desde o momento em que a conheceu, percebeu uma alma pura e foi atraído por sua personalidade, que parecia maleável, mas era firme como o carvalho. Uma mulher distinta, que não se queixava nunca, que tinha o dom de encarar tudo com uma quietude inquebrantável. E uma aura de certo mistério. Não havia muitas com as quais conseguisse manter uma conversa que não fosse sobre fofocas da sociedade. Cansado de seu papel, que o deixava na metade do caminho entre Deus e os homens, farto da imagem que sempre se via obrigado a demonstrar, sentia falta de alguém que tivesse os mesmos gostos e interesses em comum, ainda que fosse apenas o fascínio pela invenção da vacina.
Isabel esperava ansiosa pela hora de ir à missa, o que a surpreendia, pois nunca havia sido tão devota. Para ela, a religião tinha muito de superstição baseada no medo. Não era proteção e consolo, como um dia lhe havia dito o bispo. E missa dos domingos na catedral era a oportunidade de vê-lo. Quando aparecia atrás do altar com aquela distinção, ela o observava maravilhada. Nunca havia conhecido homem tão atraente, embora muitas vezes demonstrasse certa reserva, uma distância alternada com seu caráter bonachão. Quando Isabel distinguia a voz de Cándido no coral, aquela voz única, uma sensação de satisfação percorria seu corpo dos pés à cabeça. As crianças precisavam de alguém que acreditasse nelas, era o que sempre pensara. De repente, na catedral, uma das mais antigas da América, Isabel foi invadida por um sentimento de plenitude parecido com o que havia sentido com Salvany, e também com Benito, pai de seu filho. Algo semelhante à felicidade. Então, começou a se infiltrar, primeiro como uma cosquinha, depois como um tremor desconhecido, a ideia louca de ir até o fim, de experimentar o proibido, o mal que ninguém quer cometer, a transgressão que assusta, mas que intuía poder dar sentido a sua vida. Atreveu-se a se imaginar aconchegada ao lado do bispo, como qualquer mulher nos braços de seu homem. Sonhava que o abraçava e o apertava com força enquanto ele sussurrava palavras em seu ouvido. Fantasiava, imaginando que ele acariciava sua nuca, seu cabelo e, com a outra mão, buscava sua cintura. Quando o canto daquele coro celestial acabou, voltou a si subitamente, e o choque de realidade despertou um sentimento de culpa e, depois, de remorso por ter se deixado levar. Tinha certeza de que pensar naquilo já era pecado e se envergonhou. Não, não devia se deixar levar por pensamentos... — não encontrava a palavra — impuros, disse a si mesma. Aquilo só podia conduzir ao desastre, ao escândalo, à desonra de ambos.
Dom Ricardo, por sua vez, se surpreendia com a vontade de passar tempo com ela, de sucumbir ao encanto de sua intimidade. Custava-lhe admitir, mas Isabel compensava um vazio em sua vida, não suprido por Deus, porque ela desprendia um calor muito próximo e prazeroso. Já não lhe apetecia tanto passar tardes inteiras na biblioteca, focado na leitura. Custava-lhe se concentrar, sua mente se distraía pensando em como conseguir para ela e os garotos uma casa digna, como melhorar o plano de vacinação da província com sua ajuda e, embora se envergonhasse ao admiti-lo, como visitá-la mais vezes sem levantar suspeitas. Sonhava com a penugem de seus braços, como a de uma garota, deixava sua imaginação vagar pelas linhas brancas do cabelo que o pente havia alinhado, e então com a linha do peito... Quando tinha a impressão de perder o juízo, reagia de repente: “Impossível, sou o bispo!”. Mas, em alguns segundos, lembrava que Benito e Cándido deviam aprender a montar a cavalo, que dariam passeios pelo campo. Talvez ela também devesse aprender a andar a cavalo, não montada feito uma campesina, mas como uma amazona... Na verdade, ele sentia o peso da solidão de seu cargo, sentia falta de ter uma família e — não se atrevia a reconhecer — era atraído pelo mistério do mundo das mulheres, que nunca tivera a oportunidade de sondar.