As semanas foram passando, mas não a agitação das almas. Dom Ricardo vivia em uma oscilação constante entre a obsessão de estar com Isabel e seu instinto de cura que, embora o induzisse ao consolo espiritual, também o impelia ao desapego. Seu coração doía. Vivia em uma contradição constante, lutando contra a ideia de sentir-se imprescindível a outro ser humano e que outro ser humano lhe fosse insubstituível. Lembrava dos tempos em que, tendo acabado de sair do seminário e sendo cura de um povoado de Zacatecas, ouvia as confissões de mulheres jovens que ousavam lhe contar suas fantasias de luxúria, que inventavam relações sexuais com párocos, confessavam adultério e lhe relatavam os detalhes mais escabrosos a fim de seduzi-lo. Mas ele sempre as escutava com distanciamento, sem acreditar de todo. Ao tentar excitá-lo sem conseguir, colocavam em dúvida sua virilidade, mas isso nunca o preocupou. Sabia que era cura antes de ser homem e impôs a ela penitências cada vez mais duras para desestimular seu retorno ao confessionário. A visão que a Igreja tinha das mulheres era de seres irracionais que se deixavam guiar pela paixão e pela transgressão, e justificava sua posição subordinada aos homens pela sua fragilidade, sua necessidade de serem controladas. Mas Isabel era diferente, era independente, havia demonstrado ter resiliência e valor. Não podia ser um instrumento do diabo, como pensavam abertamente das mulheres muitos curas e sacerdotes. Dom Ricardo a via antes como um instrumento de Deus.
Por isso, quando se via sozinho com ela no hospital ou ao retornar de um povoado em que haviam estado vacinando, perguntava-se se poderia lutar contra a própria condição que Deus lhe dera ao nascer, a de ser homem. “Que valor tem o voto de castidade diante do desejo de amor puro que se sente por uma mulher?”, chegou a se perguntar. Toda a sua vida, havia lutado para conter o impulso sexual, e acreditava ter conseguido apaziguá-lo de todo. Mas agora, quando escutava o voo da risada daquela mulher que podia ser sua filha, quando seus olhares se cruzavam casualmente, quando cada gesto trivial atiçava o desejo, a incerteza invadia seu coração... Havia seguido bem demais os conselhos de seu anjo da guarda com respeito às mulheres. Evitara-as tanto que nunca chegara a conhecê-las. De volta ao palácio episcopal, atormentado, saía na varanda e erguia o olhar ao céu estrelado, como se buscasse um sinal da eternidade. Não tinha nenhuma dúvida da existência de Deus diante da visão do firmamento ponteado de luzes. Respirava fundo o cheiro de pinho e de flores selvagens que emanava do vale e, uma vez sossegado e em paz consigo mesmo, voltava a se trancar em seus aposentos até que a imagem de Isabel o assaltasse de novo, como uma amável intrusa. Começava a ter dificuldade para imaginar a vida sem ela, e pensar nisso o aterrorizava, pois sentia oscilar o próprio fundamento de seu ser.
Ela também vivia a opressão de seu segredo, atormentada pelo fantasma da culpa, mas incapaz de controlar suas fantasias, que provocavam nela um prazer idílico quando em sua mente se deixava abraçar, cheia de curiosidade por ele, pelos prazeres de um amor que via como um pecado, como uma fraqueza perversa. Apavorada, percebia que desejava-o não como havia desejado Salvany ou Benito, mas como se deseja um salvador, um homem resoluto capaz de infundir nela segurança e de fazê-la sentir que era uma mulher e que não estava sozinha no mundo. Precisava conhecer sensações, sentir as emoções à flor da pele como um vento forte e cálido. Envergonhava-se por não ter respondido a carta de Salvany. Mas o que poderia ter respondido? Que sim, que se veriam no fim de tudo, que se encontrariam em algum lugar, que o amava... Sim, amava-o como se ama uma bela lembrança, mas, no fim das contas, aquele amor não era mais que uma miragem. Com as pancadas e tropeços, Isabel havia se tornado prática, havia aprendido que na vida havia muitas pretensões, muitos sonhos e poucas realidades, e tinha marcada na memória a lembrança da longuíssima espera e da infrutífera busca por Benito, o pai de seu filho, quando este desapareceu do mapa. Na realidade, Salvany havia se tornado uma sombra em sua memória, uma grata lembrança que o tempo estava conseguindo dissipar. Começou a lhe escrever: “O que éramos um para o outro continuamos sendo sempre”, mas ao reler a frase achou-a demasiado solene, e não de todo verdadeira, e rasgou a carta. Começou de novo, tentando contar-lhe a verdade sobre seus sentimentos, explicar que estava cansada de fraquejar; então pedia o seu perdão e sua bênção com a maior humildade. Mas acabava não se convencendo com o resultado e rasgava rascunho após rascunho. Aquelas não eram as palavras justas nem as frases adequadas, dizia a si mesma. Queria dizer a ele que a amizade nunca morre, mas o amor se transforma... Queria mesmo dizer-lhe aquilo? Para que atormentá-lo ainda mais, além de tudo o que já devia estar suportando? Para que falar de sentimentos, se seu coração de mulher já estava preso em uma jaula divina de onde não queria sair nunca mais, encapsulada feito uma mariposa na casula púrpura de seu salvador?
A escuridão era tanta que, depois de cavalgar durante sete horas antes de chegar a Xochiltepec, os membros da Junta de Vacinação de Puebla, a mais ativa do país, desorientados naquela noite sem luar, acabaram se dispersando no campo. As luzinhas do povoado que apareciam e desapareciam ao longe conforme o relevo acidentado dos morros eram o único tipo de localização a que se aferrar. Mas Isabel parou de vê-las e esporeou seu animal, que arrancou em um trote. “Por aqui”, ouviu gritarem. Puxou o bridão e guiou o cavalo na direção da voz. “Estamos vadeando o rio!”, escutou ao longe. Voltou a puxar as rédeas até o lado oposto. O cavalo relinchou e obedeceu sem vontade. As vozes chegavam cada vez mais longínquas, levadas por um vento suave enquanto ela avançava a passo firme em meio a pinheiros e azinheiras. O resfolegar do cavalo e o roçar do tecido de seu vestido contra a cela marcavam a cadência. Não via sinal do povoado: as únicas luzes eram da abóbada celeste. Mas não se atemorizou, não estava sozinha. Fazia parte de um grupo numeroso de médicos e praticantes e pensou que seus companheiros não estariam muito longe. Após um tempo, gritou “Arrêêê!”, e a única resposta que obteve foi um relincho distante. Então, fez-se um ruído como uma martelada surda e remota, que foi se transformando em estrondos de tambores, até que ela se deu conta de que era um cavalo a galope. Alarmou-se tanto que, em dado momento, não soube se era um cavalo de verdade ou se era o galope de seu coração. Apareceu entre os pinheiros centenários um corcel cinza que parecia de prata devido ao brilho do suor. Vinha montando o bispo, com a batina presa à cintura, a cruz de madeira saltando sobre o peito e um solidéu violeta na cabeça que cobria a coroa. Agora se aproximava em um galope curto e compassado.
— Escutei seu cavalo relinchar, Isabel, e pensei que a senhora estava perdida.
— Sim... não enxergo o povoado.
— Siga-me.
Foi um passeio que não queriam que terminasse jamais, a marcha lenta de dois seres que tudo separava e que, no entanto, sabiam estar unidos por um vínculo tão firme quanto invisível. Não abriram a boca, qualquer palavra seria demais. Eram eles, seus cavalos e a escuridão da colina acariciada pela brisa. Nada mais existia. Ao chegar aos arredores do povoado, o prelado encontrou um lugar onde amarrar os cavalos, um prado com grama alta e macia em meio a pinheiros e arbustos. Desmontou antes, atou seu animal e ajudou Isabel. Ao descer, ela tremia como uma vara, como aqueles animais com um sexto sentido do que vai acontecer, seja um terremoto, uma maré gigantesca, seja um dilúvio, algo imenso, potente e transformador contra o que sabem ser impossível lutar. Mais por acaso que por intenção, o rosto de Isabel roçou contra o do bispo e seus olhares se encontraram. De frente um para outro, percebia-se apenas a fragrância de sabão de Isabel e o som da respiração agitada do prelado. Então ela deu um passo, aproximou seu rosto até ficar à distância de meio palmo, devagarinho, consciente de que, ao fazê-lo, estava forçando a porta de seu destino. Roçou os lábios contra os dele, muito de leve, e o beijou. O reflexo imediato do bispo foi se afastar. Isabel quis morrer, mas ele reagiu apertando a mão dela. Olhou para a direita e para a esquerda a fim de confirmar que estavam sozinhos. Braseiros cintilavam no povoado adormecido, e ouvia-se o murmúrio distante das conversas entre o grupos de companheiros que procuravam onde atar os cavalos. Ele aproximou o rosto do dela e devolveu o beijo. Em seguida, tentou balbuciar algumas palavras, mas Isabel o calou com seus lábios, passou os braços ao redor de seu pescoço e os dois acabaram se fundindo em um abraço que durou uma eternidade. O fato de os devaneios que teve durante as missas da catedral se tornarem realidade lhe causava pavor, mas sentir o homem que idolatrava segurando-a fortemente, notar as mãos dele acariciando suas costas e sentir o cheiro dele despertou nela calafrios de prazer. Quando parou de beijá-la, continuou segurando-a pelo pulso, como se não quisesse deixá-la ir. Isabel dava pequenos puxões para se soltar, embora quisesse continuar apertada contra ele, sentir o calor que irradiava de seu corpo. Quando ele a soltou, ela tentou recompor o coque com as mãos tremendo.
— Precisamos ir — disse ele.
— O que fizemos não é certo — disse ela.
— Não é, não é — respondeu ele, cabisbaixo.
Caminhando em direção ao povoado, instalou-se entre eles uma tensão. Não sabiam o que dizer. Seus olhares se estranhavam; davam sorrisos forçados. Isabel sentia vergonha. Eram dois estranhos perdidos na noite.
— Você é muito bonita, sabia? — disse ele, quando se separaram.
Então Isabel o encarou. Nunca soube, e continuaria se perguntando até o final de sua vida, como se atreveu a abraçá-lo de novo naquele momento. Ao fazê-lo, caiu no chão o solidéu do bispo, a touca em forma de calota, símbolo da dedicação exclusiva a Deus. Ele atraiu-a até as ruínas próximas a um curral. Ali, em meio a bananeiras, glicínias, malvas, madressilvas com flores brancas, capim-marfim e ramas, entregaram-se um ao outro com um medo surdo, exacerbado pelos murmúrios e sussurros produzidos pelo vento que descia a serra e por seus próprios suspiros de êxtase e seus gemidos abafados, além dos risos distantes dos homens do povoado. Isabel voltava a ser uma garota do campo, uma camponesa que se excitava na grama, onde a vegetação adquiria uma aparência confusa e onde o cheiro de musgo e flor era dominado pelos odores humanos, o aroma do amor que reconheciam quando se beijavam no pescoço, quando ele colocava o rosto na cabeleira reluzente dela e se sentia inebriado pelo odor de mulher apaixonada. Isabel já não era a garota tímida e pacata que se havia deixado deflorar nos destroços de um barco próximo à Torre de Hércules. Era uma mulher que decidira viver sua paixão até o final, embora soubesse que era um amor perigoso e maldito, que a vida não dá nada de graça e que muito provavelmente pagaria por aquilo.
Sozinha no quarto do convento de freiras de Xochiltepec, naquela noite Isabel teve um pesadelo de amores estranhos, em meio a cavalos, no qual dom Ricardo aparecia, emanando um ardor que a abrasava. Ao despertar, teve outro ataque de pânico. Transgredir as leis da Igreja não a condenaria ao inferno eterno? No que estava se metendo? Como havia se deixado cair em tentação dessa maneira? Deu-se conta de que era tarde demais para combater o desejo que a empurrava em direção a ele. Aquele deslize surgira subitamente, como reflexo de seu coração machucado por seus amores tristes e também de seus sentidos adormecidos pela falta de amor. Sentia que, assim como Deus era o rei do céu, o bispo era o de seu coração. Parecia-lhe injusto que a religião fosse o obstáculo a separá-los, condenando-os a vidas solitárias. Por isso, deixava-se levar pelas fantasias e sonhava acordada que ele não era bispo nem cura nem sequer religioso, que era um homem normal, e se perguntava: “Nesse caso, teria me escolhido?”. Eram perguntas sem resposta, que serviam para se esquivar da diligente realidade de não saber como tirá-lo da cabeça nem do coração.
Como sempre, voltando-se para o trabalho, conseguia evitar os pensamentos e, portanto, não ficava obcecada por atos escusos. Organizando as vacinações em Xochiltepec, atenuou o remorso da véspera, falando com um aqui, outro ali, coletando dados, manipulando frascos do fluido, examinando crianças... Assim, conseguiu converter sua angústia em um ligeiro torpor, em uma leve opressão que a fez esquecer que era jovem e que mal pudera desfrutar do amor, exceto em brevíssimos instantes.
Dom Ricardo, envolto por sua batina e pela casula bordada com fios de prata, parecia uma sombra de si mesmo. Seu corpo estava presente na Junta Local de Vacinação reunida na Administração Municipal, mas sua mente estava muito distante, em um recanto da memória onde havia professado seus votos, que se supunham sagrados e irrevogáveis. Não havia jurado diante de Deus que apenas a morte poderia separá-los? Sua conduta lhe parecia indigna, e ele se repreendia por isso. Depreciava-se por ter sido fraco demais no domínio de seus instintos e passou a maior parte do dia ajoelhado sobre os ladrilhos de pedra fria da igreja. Repetia a si mesmo que era um cura, um sacerdote, um homem de Deus que nunca havia cedido à tentação da carne... até o dia anterior. “Rogo a ti o perdão, meu Deus”, repetia, apertando fortemente o solidéu encarquilhado entre seus dedos porque não havia se atrevido a colocá-lo desde que o recolhera do chão. Um muro de pedras enormes, feito de muitos anos de obstinação, havia desmoronado no momento em que sentiu o rosto de Isabel roçar o seu. E não tinha ninguém com quem compartilhar sua inquietação, ninguém para enxugar suas lágrimas, ninguém para dizer a ele que um deslize não significava uma mudança substancial, que no fundo ele era vítima da solidão, da falta do carinho que não havia sentido desde jovem. Não podia compartilhar suas confidências com nenhuma das seis freiras que estavam a seu serviço. Necessitava de ajuda para recuperar as forças necessárias a fim de que seu espírito se impusesse sobre a paixão, não o contrário. Dividido entre seu ardor por Isabel e o compromisso com a Igreja, não via luz no fim do túnel.