Em 10 de janeiro de 1805, Benito Vivero y Escaño, comandante do San Blas, enviou uma carta ao vice-rei Iturrigaray informando-o de que o capitão da fragata Concepción, que acabava de chegar de Manila, garantira a ele, com absoluta certeza, que a vacina ainda não havia chegado às ilhas Filipinas.
Era o que Balmis esperava. O vice-rei já não tinha desculpas; além disso, recebera ordens de Madri para prover Balmis com fundos suficientes para seguir viagem. A contragosto, Iturrigaray ordenou aos ministros da Fazenda real do México que entregassem dinheiro ao médico para custear a viagem a Acapulco a fim de comprar tecidos, confeccionar roupas para as crianças e bancar as passagem para Manila e que pagassem três meses de salário adiantado a cada membro da expedição. Então, Iturrigaray, que não queria nem ouvir falar em Balmis, lavou as mãos publicamente. Informou aos oficiais da Fazenda real que, a partir de então, seriam eles os encarregados de fiscalizar o desenlace da expedição, porque já não poderia dedicar mais tempo ao assunto, e pediu que o notificassem apenas a respeito daquilo que exigia sua autorização.
Em privado, urdiu sua última tramoia contra Balmis. Deu ordens a Ángel Crespo, capitão do Magallanes, para que se pusesse imediatamente a caminho de Acapulco e zarpasse apenas com os passageiros que se encontrassem no porto naquele momento. Sem esperar ninguém. Balmis teria de aguardar mais um ano e meio. Até lá, certamente a vacina já teria chegado às ilhas e a expedição não seria necessária.
Quando Balmis se inteirou de que precisava organizar os preparativos com tanta presteza, ficou desesperado. Ainda doente, escreveu ao ministro Caballero para contar sua aflição ao ver-se impossibilitado de cumprir um prazo tão exíguo: “Não há dúvidas de que o vice-rei achou ter encontrado um meio honesto para impedir minha viagem às Filipinas, que havia buscado estorvar por tantos e tão diversos caminhos”, dizia em sua carta.
Mas não podia se dar por vencido, embora estivesse abatido. O resto da equipe também sofria o desgaste de uma expedição tão duradoura, coroada por uma intensa campanha pelo interior da Nova Espanha, a qual os deixara exaustos, e muitos com problemas de saúde. Já não demonstravam o entusiasmo nem o humor que imperava na partida de La Coruña. A fadiga diante da perspectiva de empreender outra odisseia que duraria mais um período de doze a dezoito meses era um fardo pesado. Assim, Balmis voltou a escrever ao vice-rei, pedindo que Ángel Crespo lhe fornecesse um ou dois enfermeiros adicionais. Iturrigaray respondeu que não tinha autoridade para pedir isso ao capitão do Magallanes. Balmis havia sido ingênuo ao pedir ajuda ao inimigo? Na verdade, estava tão angustiado que pretendia ganhar tempo forçando o vice-rei a se envolver com seus problemas. Faltava o pilar da organização, a pessoa que, em circunstâncias semelhantes, sempre o tirara do aperto. Faltava Isabel.
Muito estimada Isabel,
Envio à senhora esta nota urgente para solicitar sua ajuda e seguir caminho. Diante da prontidão da partida, orquestrada de má-fé por nosso vice-rei, temos de preparar a roupa dos vinte e seis garotos que recrutamos, deixar os remédios prontos, encontrar um garoto a mais no Patronato Real para transportar o vírus inoculado até o porto de partida. Tenho fundos para pagá-la, mas poucas forças para iniciar sozinho esta nova etapa. Só peço à senhora que nos dê uma mão para que consigamos chegar a tempo a Acapulco, de modo que, a expedição tendo zarpado, a senhora possa regressar ao trabalho no Hospital de Puebla e cuidar de seu filho e de Cándido.
O pedido de ajuda causou uma impressão profunda em Isabel. Balmis não era exatamente um homem que gostasse de demonstrar fraqueza, pelo contrário. Leu e releu várias vezes; aquelas linhas a afetavam, tocavam em sua parte mais sensível. Desde o retorno de Xochiltepec, não vira mais o bispo, transformado em um ser irreal: já não aparecia no hospital como antes nem passava pelo convento das freiras para conversar — sinais que Isabel interpretava como uma manifestação do remorso que devia afligi-lo. Aquilo a torturava. Pensar que, por causa dela e de seu comportamento, aquele homem de Deus que tanto a havia ajudado estava sofrendo despertava nela uma culpa difícil de suportar e a fazia se lembrar de seu passado de garota vulgar, de mulher vil que tivera um filho fora do matrimônio. Por isso, não hesitou nem um segundo em aceitar a proposta de Balmis. Considerou a única saída possível do atoleiro em que se metera. Partiria para a Cidade do México o mais cedo possível, na manhã seguinte. Sem se despedir de ninguém, para que ninguém pudesse influenciá-la. Seu breve encontro com dom Ricardo havia sido de uma intensidade tal que agora ela estava consumida. Precisava de distância, de tempo para pensar, para acalmar a paixão. “Como podia amar um homem que só amava a Deus?”, perguntava-se para se convencer do absurdo daquela relação. A distância também serviria para que ele alcançasse certa serenidade. Desse ponto de vista, a petição de Balmis lhe pareceu um sinal divino, que lhes dava uma oportunidade de esfriar o ardor para que as coisas voltassem ao curso normal. E era ela quem precisava partir — ele estava na diocese, em seu território; ele não podia desaparecer.
A ideia de abandonar a vida em Puebla, onde seu filho e Cándido se instruíam e eram tão felizes quanto ela, destroçava-a. Teria dificuldade para deixar seu trabalho no hospital, constantemente desafiador e estimulante; viver sem o aroma dos pinheiros, sem a profusão de rosas, dálias e madressilvas, sem a expectativa de ver o bispo na catedral, de cruzar o olhar com aqueles olhos cinza nas reuniões da equipe de vacinação que eram realizadas periodicamente no palácio episcopal. Mas não era o momento de se lamentar nem de ficar nem de impor um peso e uma tensão que poderiam acabar com o que havia de mais importante. Antes de qualquer coisa, Isabel era mãe. Benito e Cándido tinham de permanecer no Colégio Carolino, que estava dando tão bons resultados. Ela retornaria ao motivo principal que a levara até lá, a um ambiente ao qual ainda pertencia: à expedição. Não apenas ajudaria Balmis com os preparativos, como também o acompanharia até Manila e retornaria com os garotos da Nova Espanha, se Deus quisesse. No fundo, sentia que era esse seu verdadeiro dever: acabar o que havia começado, custasse o que custasse. A expedição era o destino que Deus designara para ela, e ela devia isso a Ele. Viu a situação com a clareza das águas cristalinas que jorravam das fontes de Puebla. Quando retornasse, se é que sobreviveria à viagem, o tempo teria aparado as arestas da paixão. Talvez pela primeira vez na vida, tinha certeza do que fazer e não hesitava. Era uma decisão sua, unicamente sua.
Eminência,
O doutor Balmis reclama minha presença na Real Expedição Filantrópica da Vacina, que deve partir na próxima semana rumo às ilhas Filipinas. Por razões demasiado extensas para que eu aqui vos explique, precisa urgentemente de mim na Cidade do México. Por isso, decidi partir amanhã ao raiar do dia na diligência. Confio a vós a guarda de Benito e Cándido, que, graças a vossa magnanimidade, estão se tornando homenzinhos de letras no Colégio Carolino. Se não for abusar de vossa generosidade, eu vos rogo que, agora que não estarei em Puebla, destinais a eles um quarto no colégio, em regime de internos, para que não precisem dormir no convento. Seriam, assim, mais bem vigiados, e a companhia de seus amigos compensaria a saudade que logicamente sentirão de mim, ao menos nos primeiros dias. Se pela, vontade de Deus, eu não sobreviver a essa viagem, tenho certeza de que os garotos estarão nas melhores mãos possíveis e de que vossa Excelência sabereis guiá-los pelas sendas da virtude...
Despedia-se dele da maneira mais distanciada possível, como se fosse uma carta oficial. Não podia correr o risco de que fosse lida por algum intermediário curioso. Estava certa de que o bispo saberia ler nas entrelinhas e de que entenderia as razões que a levavam a assumir seu dever até o final. Ele também tinha suas obrigações, afinal.
Enquanto Isabel preparava sua bagagem na obscuridade do convento, tentava imaginar a reação dele ao ler a carta: estava convencida de que se sentiria liberto. Que, no fundo, ficaria agradecido. Quando o galo cantou, entrou no quarto dos garotos e, com toda a discrição, deu antes um beijo em seu filho e, então, outro em Cándido, que acordou de repente, espantado.
— O que houve? — perguntou.
— Nada, meu filho, vai dormir...
— Você vai embora, né?
Aquele garoto tinha o olfato aguçado, uma intuição especial diante do menor sinal de abandono.
— Ficarei uns dias fora, mas voltarei...
— E Benito?
— Não se preocupe, ficará com você. Como é mais velho, você precisa cuidar dele. Promete?
Assentiu com a cabeça.
— Espere — disse.
Levantou-se da cama e deu um abraço demorado em Isabel; no fundo, não queria soltá-la.
— Vamos, volte para a cama e durma.
— Você vai voltar? Jura pelo que há de mais sagrado?
Isabel fez o gesto procaz de marinheiro de que o garoto tanto gostava, cruzando os dedos e beijando-os. Enquanto Cándido voltava a dormir, foi embora, deixando com a freira torneira que estava de guarda a carta ao bispo. Caminhou pelas ruas de Puebla; fazia frio e ela tinha o coração apertado.
No alto do palácio episcopal, o bispo sofria de insônia. Mal despontavam os primeiros raios de sol, e ele, de pé junto ao vitral de seu aposento, viu a diligência deixar a cidade e subir penosamente a ladeira até chegar à estrada ampla, como acontecia todos os dias. Não imaginava que ali estava Isabel, causa de sua vigília.