O Magallanes não era uma embarcação especialmente fretada para a expedição, como a María Pita, mas um barco de passageiros. Estava abarrotado de militares, comerciantes, setenta e cinco frades, Balmis e seus seis assistentes, além dos vinte e seis garotos e da tripulação. Nos porões, amontoava-se uma quantidade heteróclita de objetos, sobretudo prata procedente da venda de produtos orientais e mais prata para garantir o pagamento dos salários dos oficiais das ilhas, lingotes de ouro, pesos cunhados, tatus procedentes de Oaxaca, cacau, café, baunilha, açúcar, agulhas de ponto, sabão, baralhos e chapéus. A carga era tão copiosa que havia sido reduzido o espaço para os viajantes.
— As crianças não podem continuar dormindo aqui — disse Isabel.
— Vai ser preciso, pois não há mais lugar. Ordens do capitão.
Era outra reviravolta nos maus-tratos dispensados aos expedicionários mais vulneráveis. Os jovens eram obrigados a dormir no chão do navio, ao lado do paiol, o extremo da popa da primeira área coberta do navio, destinado principalmente ao armazenamento de apetrechos do contramestre. O lugar estava imundo. Não havia catres nem camas, e Isabel acomodou as crianças como pôde no chão, onde dormiam amontoadas, virando e se batendo umas contra as outras devido ao sacolejo contínuo da embarcação. De vez em quando, um garoto acordava gritando, aterrorizado, porque havia visto um rato enorme deambulando em busca de resto de comida.
— Deram aos garotos carne de vacas mortas por doença — protestou Isabel com Balmis.
— Não só para os garotos — disse Balmis —, temo que para nós também. Mas também dão feijão, lentilha e um pouco de doce, não?
— Eles estão aguentando porque são muito dóceis e, não raro, porque a piedade de alguns passageiros lava-os a doar-lhes biscoitos.
— Nossa comida não é muito melhor.
— E o doutor não fará nada?
— Sim, claro... — balbuciou Balmis, surpreso com o tom agressivo de Isabel.
A verdade era que Balmis estava cansado de lidar com figuras como o vice-rei ou Crespo, de dar murros em ponta de faca. Ele também se sentia desgastado. Mas Isabel estava indignada e sabia como incitá-lo.
— Sabe quanto pagaram os passageiros que ocupam as cabines do castelo de popa, as melhores?
— Mais do que nós.
— O doutor se equivoca. Menos que nós. Pagaram duzentos pesos para viajar em condições melhores que a sua, que pagou quinhentos pelos adultos, sem falar nos garotos, trezentos pesos para viver com os ratos! Pois é...
Isabel não encontrava palavras. Estava furiosa como poucas vezes Balmis havia visto.
— Quem disse isso à senhora?
— Os monges capuchinhos. Em um barco, ficamos sabendo de tudo.
— Falarei com Crespo.
Agora Balmis também estava enraivecido. Tinha pavio curto e estava exasperado porque não conseguia se livrar das longas garras do vice-rei, que, pelo que intuía, estava de conchavo com Crespo. O médico caminhou pela área coberta até o posto do piloto, onde Crespo conversava com alguns marinheiros. Balmis o interrompeu e puxou-o em sua direção para que os demais não escutassem. Em seguida, encarou o homem.
— O capitão exigiu a soma exorbitante de onze mil e trezentos pesos pela manutenção da expedição, e nos trata pior que os animais.
— O doutor não poderia queixar-se de sua cabine...
— Me refiro aos garotos. Havíamos combinado que...
— Doutor, todos puderam embarcar graças a minha intervenção junto ao vice-rei, que não queria sobrecarregar a embarcação. Deveria ficar agradecido por isso, não cuspir reprimendas contra minha pessoa. O vice-rei já me avisou de sua arrogância e de seus maus modos, mas saiba que aqui quem manda sou eu — disse, apontando para um trabuco que carregava no cinto.
Crespo, acostumado a lidar com piratas, não cogitava se deixar intimidar por alguém como Balmis, que não teve outro remédio senão baixar a cabeça e munir-se de paciência.
As crianças foram deixando de ser dóceis; o confinamento prolongado despertava um lado selvagem. Quando não estavam assistindo às aulas ministradas por Isabel, enfiavam-se onde não deviam e interferiam nas tarefas dos marinheiros. Era impossível manter vinte e seis garotos quietos durante o dia todo. Quando chegava a hora de dormir, recusavam-se a entrar na área coberta — e com razão. Diziam que os ratos estavam desprezando os restos de comida.
— Agora mordem nossos pés quando estamos dormindo — queixou-se um deles.
Como não podiam ficar do lado de fora, Isabel precisava usar seus dotes de persuasão para convencê-los a ir dormir. Chegou a ter mais dificuldade com eles do que tivera com os galegos, pois esses garotos não haviam sido criados por ela e não a conheciam tanto. Ela não se queixava. Pensava em seu filho, na sorte que fora poupá-lo daquela experiência. Um dia, Isabel se deu conta de que haviam ocorrido vacinações artificiais; os garotos recém-vacinados estavam contagiando os demais. Adaptou sua cabine para que os dois garotos portadores pudessem dormir com ela, protegendo, assim, os demais do contágio. Disse isso a Balmis, que explodiu outra vez.
— Com o vaivém do barco, sete garotos foram contagiados acidentalmente! — gritou para Crespo no convés. — É um percalço que pode acabar com a missão! Querer os garotos bem alojados, em um lugar ventilado, não era capricho, era necessidade!
— Então troque com eles, dê a eles sua cabine e peça aos médicos e aos enfermeiros que façam o mesmo, porque não há mais lugares.
— Pedirei que obriguem o capitão a nos restituir o preço excessivo que exigiu de nós.
Mas Crespo já não estava escutando. Havia dado meia-volta e dava ordens a seus marinheiros:
— Preparem-se para guinada a bombordo. Soltem as escotas!
Balmis se reuniu com Isabel, não sabia como aliviar sua indignação.
— Como sempre, os garotos são os mais prejudicados — disse ela.
— Se sofrermos algum percalço e a navegação se estender, ficaremos sem fluido... é um desastre.
— Não antecipe os acontecimentos. Mas sinto a falta de Pedro del Barco. Ele era um cavalheiro, não esse miserável.
Novamente, Balmis escreveu ao ministro Caballero, relatando todos os acontecimentos, contando que teriam morrido de fome se os passageiros não houvessem compartilhado a comida que levavam consigo. Continuava com o pedido de que lhe restituíssem o preço excessivo que Crespo havia exigido “por uma acomodação indecente e miserável”. Planejava dar uma cópia da carta ao governador de Manila assim que chegasse.
Mas o governador Rafael María Aguilar y Ponce de León não foi recebê-lo em 15 de abril de 1805, quando o Magallanes ancorou na baía de Manila após uma travessia que durou menos que o previsto graças aos ventos favoráveis. O governador era subordinado a Iturrigaray e havia sido prevenido quanto ao caráter explosivo do médico alicantino, cuja fama o precedia... e o prejudicava. Balmis teve de procurá-lo em seu palácio. A primeira coisa que fez foi pedir-lhe que intercedesse para que o capitão lhe devolvesse os oito mil e seiscentos pesos, que era o que havia cobrado a mais. Mas o governador desconversou, não tinha intenção de se envolver naquele assunto, não queria ter problemas com os grandes comerciantes nem com todos os interesses que orbitavam o Galeão de Manila. O que fez foi autorizar que as vacinações começassem no dia seguinte, primeiro no palácio, depois na cidade.