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Quando Isabel retornou a Acapulco em uma travessia longa, mas sem percalços, já tinham passado quase dois anos desde sua partida. Dois anos sem ver seu filho, sem ter notícias. Como o encontraria agora, com catorze anos de idade? Teria ficado doente? Teria passado por momentos de angústia? E Cándido, continuaria estudando? Depois de deixar os vinte e seis garotos mexicanos no Patronato da Cidade do México e deixá-los sob responsabilidade do vice-rei, com a satisfação de ter cumprido a missão com sucesso, porque havia devolvido a mesma quantidade de garotos que havia levado, viajou a Puebla. À medida que se aproximava e reconhecia a paisagem pura e austera de pinheiros e agaves, o ar tão cristalino que dava vontade de beber, aquelas cores pardas tão distintas do verde tropical, seu coração acelerava. Nunca pensou que pudesse gostar tanto do frio; acabara se fartando do calor pegajoso. Ir ao encontro de seu filho era voltar ao lar, voltar ao lugar onde havia deixado seu coração.

Foi diretamente ao Colégio Carolino e perguntou por Benito ao frade supervisor, que a fez esperar alguns minutos. “Se não me disse nada”, pensou, “é porque está bem”. Então seu pensamento oscilou. “O frade não quis dizer nada porque vai chamar um superior. Aconteceu alguma coisa com ele.” Era difícil controlar os vaivéns do coração. Até que apareceu um rapaz alto e desengonçado, vestindo uniforme, com penugem no rosto, uma ou outra espinha e o olhar escuro e profundo como o da mãe. Não apenas sua voz havia mudado, mas também sua maneira de falar. Não restavam resquícios de sua antiga e pertinaz gagueira. Ela deixara um garoto e se encontrava com um homenzinho educado.

— Mãe, mamãezinha! — disse o garoto, atirando-se nos braços de Isabel.

Depois de ter abraçado, beijado e tocado seu filho à maneira mimosa das mães espanholas, perguntou por Cándido.

— Está bem. Saiu com dom Ricardo a cavalo, eles voltam amanhã. Eu também aprendi a montar. Às vezes, dom Ricardo nos leva junto quando vai visitar as paróquias.

Então Isabel irrompeu em soluços. O filho não entendeu.

— Mãe, aconteceu alguma coisa?

— Choro porque estou muito contente... em ver você.

Também chorava de felicidade, porque de repente já não se sentia sozinha. Seu filho, dom Ricardo, Cándido... Ela fazia parte dessa harmonia, essa era sua família. Em Puebla, a vida havia transcorrido com uma normalidade emocionante para ela, que havia escapado como uma fugitiva e que vivido à beira do abismo por todo aquele tempo, tentando apagar de seu coração o que não podia ser apagado. Isabel Zendal continuava sem saber quem era, porque não se parecia com ninguém nem podia ser comparada a nenhuma outra mulher. Não era da sociedade nem do povo, nem rica nem pobre, nem culta nem ignorante. Era galega, espanhola e mexicana ao mesmo tempo. Era cuidadora de crianças, especialista em vacinação, enfermeira... Era médica sem ter estudado para ser. Também era mãe de família à sua maneira, o que naquela época não era usual. Desejava outra coisa? Casar-se, levar a vida convencional das mulheres espanholas nas Índias? A glória que lhe prometia Balmis? Não, só o que queria era trabalhar em um hospital e continuar perto de Benito e de Cándido. Queria ser o que era, uma mulher livre rodeada de afeto. Sozinha por opção, não por imposição, como havia sentido até ali.

Quando voltou a vê-lo, a cavalo com sua sotaina, soube no fundo de seu coração que ele tampouco a havia esquecido. Nem um pouquinho. Estava com Cándido, muito magro e espigado, com olhos da cor do céu e um sorriso brincalhão que o tornava irresistível. Ao reconhecer Isabel, saltou de sua égua e foi correndo abraçá-la. Ele também se tornara um bom estudante, e seus problemas de conduta haviam se amenizado, ainda que um dia, cansado de tantas aulas de latim, tenha pulado pela janela com um grito de: “É muito latim, é muito latim!”. A anedota havia circulado por toda a cidade, não só no colégio.

— Acho que a senhora é esperada com muita ansiedade no hospital, precisam da senhora — disse-lhe o bispo.

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Isabel começou sua vida nova, ou, melhor dizendo, retomou a que havia deixado. Alugou uma casa envolta por um pequeno jardim nos arredores de Puebla, contratou uma criada indígena, tirou os garotos do internato e levou-os para morar consigo. Tentava evitar o contato com dom Ricardo. Não comparecia às missas dele na catedral, preferindo a igreja do Rosário. Quando o bispo visitava o hospital, Isabel ficava na sala de vacinação. Mas quando se cruzavam na rua ou em alguma celebração pública, a emoção continuava presente, e ambos percebiam isso no brilho de seus olhares. Nada como reprimir um desejo para atiçá-lo.

Um dia, ele apareceu na casa de Isabel enquanto ela cozinhava e os garotos revisavam a lição de casa e ficou para jantar. Isabel havia preparado pimentão recheado com carne bovina previamente cozida com passas, amêndoas, maçã e pera. Mole poblano.

— Sabem de onde vem a palavra mole?

Os garotos fizeram que não com a cabeça.

— Foi uma invenção da senhora Andrea de la Asunción, do convento de Santa Rosa, aqui em Puebla. Amolecia os ingredientes com tanto afã que sua companheira, outra freira, pôs esse nome.

Falaram dos estudos dos garotos, de tudo o que haviam aprendido e feito durante sua ausência. Deixaram-na atualizada. As jantas com o bispo se tornaram um hábito celebrado duas ou três vezes por semana. Sempre com os garotos presentes, além da criada índia que ajudava na casa. Dom Ricardo ia sobretudo para ver Isabel. Embora a amasse, não ia com a intenção de ter contato mais íntimo. Só desejava falar com ela, ser seu amigo. Havia cumprido seu compromisso referente aos garotos, e ela estava tão agradecida que seus olhos resplandeciam como as velas da catedral.

Logo precisou reconhecer que não havia conseguido se livrar do poder de atração que ela exercia sobre ele, que a desejava, embora dissesse a si mesmo que era um desejo insignificante se comparado ao amor que carregava. Simplesmente gostava de estar com ela, de falar ou compartilhar silêncios, saborear os pratos que tão bem preparava, sorrir, propor ideias, escutar suas opiniões. Ainda que ambos tentassem separar a paixão carnal daquela puramente amorosa, davam-se conta de que era um exercício vão. É possível afogar o desejo na base da vontade? É possível separar a alma do corpo?

Certa noite em que ele ficou conversando até tarde, quando os garotos pegaram no sono, ele se levantou para ir embora. Ao abrir a porta e se virar para se despedir, ficou tão próximo dela que colocou as mãos sobre as bochechas de Isabel e permaneceu assim por alguns eternos segundos, mergulhando seu olhar naqueles olhos escuros de um brilho refulgente, esperando o gesto que desencadeasse um caos em que a vontade dos sentidos dominasse a de seu espírito. Então, ela ergueu os braços e o abraçou. Ele foi de encontro a sua boca, aquela que havia relegado ao âmbito das lembranças, mas que estava ali, como uma oferenda sagrada. Seus gestos femininos, a brisa de seu aroma, a luz de seu olhar, sua nuca fina como porcelana, tudo nela o extasiava. Enquanto se beijavam, ela o abraçava com toda a força, como se não suportasse separar-se dele. Como haviam desejado, e ao mesmo tempo rechaçado, aquele instante. Quanto tempo perdido flagelando-se, culpando-se, mortificando-se. Agora, o tempo havia parado. Sem saber como, viram-se despidos na cama com dossel do quarto de Isabel, entrelaçados, acariciando-se, sentindo-se não como seres distintos, mas como parte de um só, capazes de compartilhar até o último pensamento. Apoiando o queixo no ombro nacarado da mulher que amava, abandonou-se ao desejo enlouquecido do homem que luta contra seu destino. Deslizava, avançava, retrocedia, mergulhava em uma escuridão úmida e densa, até que ela sucumbia com gemidos de júbilo. Viviam um sonho e não queriam despertar. “Meu Deus, como isso pode ser um sacrilégio?”, perguntava-se ele. “Como pode ser pecado tanta ternura?” De repente, foi tomado por uma luz cegante, como uma explosão que fez seu corpo inteiro tremer. Ficou esgotado, tomado por uma sensação de vazio, e fechou os olhos. Como era fugaz o êxtase. Ela permaneceu pensativa, perguntando-se quais seriam as primeiras palavras do homem que a havia aprisionado com seu corpo. Seriam palavras de arrependimento? Teria encontrado naquele ato de amor alguma compensação por tudo o que havia renunciado em sua vida? Perceberia que era um homem, que a busca pelo divino não precisava competir com o amor? A felicidade estava ali, tão intensamente quanto ela a sentia naquele momento, mais do que nunca em sua vida.

Quando ele abriu os olhos, ela viu em seu olhar a resposta às perguntas. Era o mesmo olhar de amor, mas sem assomos de conflito, como se flutuasse por um paraíso recém-descoberto, por fim liberto de uma luta estéril, vencido, subjugado e rendido. Mas como lhe pareceu doce o sabor da derrota. O fato de que o contato com uma mulher pudesse provocar alegria tão profunda foi para ele uma revelação.

— Não quero deixá-la nunca — disse.

Então, Isabel soube que aquele era seu lugar no mundo.

Os encontros entre ambos eram ainda mais intensos por serem espaçados e inconstantes. Era tão importante quanto difícil manter o segredo, compartilhado apenas com a criada indígena, que os surpreendeu em uma ocasião no meio da noite. Mas Isabel não precisou lhe dizer nada; confiava cegamente na lealdade daquela mulher. Acostumou-se ao sobressalto e à espera e acabou aceitando a ideia de que sempre se amariam às escondidas. Para ele, era mais difícil; conciliar o trabalho pastoral com o amor proibido não deixaria de lhe causar um peso na consciência até o fim de seus dias. Mas não se via abandonando suas ovelhas. Um bom pastor não dava sua vida por elas? Havia muitos anos que estava focado em seu rebanho — reconciliava casamentos em um povoado, em outro resolvia um escândalo, em outro fortalecia o culto... Suas doações serviam para renovar igrejas e acondicionar casas de piedade, pontes e trilhas, e nunca deixava de exortar as doações dos paroquianos mais abastados. Era conhecido por ajudar os índios, a quem protegia da violência e da intriga.

Isabel não voltou a pensar em se casar nem em regressar à Espanha, tampouco em levar uma vida de doméstica. Não era para ela. Aquilo que o destino lhe reservara satisfazia-a plenamente porque, ainda que não pudesse desfrutar de seu amor como gostaria, onde mais teria encontrado um anjo protetor como dom Ricardo? Em que lugar seus filhos teriam conseguido oportunidade melhor? Além disso, podia se dedicar à sua vocação médica, que crescia com os anos.