Quando Gutiérrez recebeu a carta de Balmis, era impossível seguir o conselho de seu chefe e retornar à Europa. As tropas de Napoleão haviam invadido os reinos de Espanha, e Carlos IV precisara se exilar na França. O país estava sem líder e em guerra. Em 1808, José Bonaparte se instalou em Madri. Ao se recusar a jurar aceitação ao novo rei — como poderia, se toda a sua glória e sua vida professional haviam se dado sob o amparo de Carlos IV? –, Balmis foi proscrito dos círculos médico-científicos da capital e teve seus bens confiscados. Foi um momento de grande desamparo, que culminou quando as tropas francesas de ocupação saquearam sua casa em Madri. Nunca se esqueceria do desolamento que sentiu ao retornar ao apartamento e ver a porta arrebentada, os móveis quebrados, o chão repleto de papéis, a poltrona rachada, a cama revirada, as estantes de livros derrubadas... Todos os objetos de valor desapareceram, mas naquele instante pouco lhe importava. Só esperava que não tivessem levado o mais importante: seu diário detalhado da expedição, o documento que planejava deixar para a posteridade. Ele e seus criados procuraram muito entre os papéis, mas não o encontraram. Balmis desabou e quis morrer de tristeza. A desaparição daquele documento era pior que uma amputação, porque era tão parte dele quanto sua mão ou seu cérebro. Aquilo lhe doeu pelo resto da vida.
Fugiu para Sevilha, depois para Cádiz, seguindo a Junta Suprema Central, que assumiu o controle do país porque o rei, preso e desvalido, estava ausente. Em dezembro de 1809, por fim recebeu notícias da expedição de Salvany, uma série de breves escritos enviados de La Paz, nos quais o catalão relatava sua passagem pelos vice-reinados do Peru e de Nova Granada, assim como seu desejo de ir a Buenos Aires, ainda que tivesse dúvidas sobre a possibilidade de chegar lá algum dia, devido à falta de saúde. Nos escritos pedia algum cargo de intendente em La Paz ou em Lima, postos que então se encontravam vazios. Mas Balmis, que continuava furioso com ele, informou negativamente sobre suas petições de obter qualquer um dos cargos que solicitava. Também acusava-o de ter atrasado propositalmente o desenrolar da expedição.
— Se eu cumpri minha missão ao redor do mundo em apenas trinta e três meses, como Salvany está na metade da dele?
— Permita-me dizer que o doutor está sendo injusto com o doutor Salvany.
Quem falava nesse tom era o doutor Flores, o médico guatemalteco que havia realizado o primeiro esboço da expedição para o rei e que bem poderia ter acabado como diretor da expedição.
— Talvez o doutor não conheça bem a vastidão da América do Sul, a dificuldade do terreno andino e o trânsito penoso pelas selvas. É provável que, na Nova Espanha e nas Filipinas, o doutor não tenha suportado desafios tão brutais quanto os de Salvany.
— Há anos não recebo um relatório seu, e ele não responde a minhas mensagens — disse Balmis. — Na que enviei a Buenos Aires, dei ordens para que retornasse à Espanha sem demoras.
— Se não responde ao doutor com a prontidão desejada, talvez seja porque sua saúde não permite. Você mesmo disse que se separou da expedição quando estava mal, em Manila.
— Cheguei a cogitar algo mais grave...
— O quê?
— Que Salvany tivesse abandonado a expedição.
Balmis tinha razão. Josep Salvany finalmente deixaria a expedição... devido à morte. Por isso, não havia recebido a ordem de regressar à Europa. Depois de percorrer dezoito mil quilômetros a cavalo por selvas, desertos e montanhas agrestes, sua vida havia se apagado em Cochabamba. Havia demorado treze meses para realizar o trajeto desde La Paz. Seu entusiasmo em propagar a vacina não minguou devido às dificuldades do terreno nem por sua extenuação, ao contrário do que Balmis podia pensar. Entrou em Puno, onde vacinaram mais de mil indivíduos em apenas quarenta e oito horas, e onde Salvany voltou a demonstrar seu espírito de sacrifício: “Ele não poupou forças a fim de cumprir com o dever; foi amável com todos, mediante sua urbanidade, seu trato afável e sua honrada conduta”, observou a Administração Municipal daquela cidade, propondo ao rei que o tornasse regente honorário da corporação. Então, passou por Potosí e Oruro, onde teve de permanecer duas semanas em repouso absoluto. A duras penas, conseguiu ficar de pé e fez um grande esforço para chegar a Cochabamba, onde o clima era seco e temperado. Pensou que aquela bela cidade colonial, situada no vale do Tunari, seria um bom lugar para se aposentar. Mas já era tarde demais para cultivar sonhos. O bom clima não bastou para que recuperasse as forças, e seus problemas de saúde se agravaram de repente. Antes de lançar seu último vômito de sangue, escreveu ao rei da Espanha rogando que premiasse seus três companheiros: Manuel Grajales e Rafael Lozano, com as honrarias de cirurgiões de câmara, e Basílio Bolaños, zelador do Palácio Real. O pedido mais importante era o último: rogava ao rei que criasse um posto de supervisor ou diretor-geral de vacinação, que velaria pelo estrito cumprimento das normas, evitando assim que a varíola voltasse a se espalhar pelos domínios espanhóis no Novo Mundo. Mas não obteve resposta a seus pedidos.
Em 21 de julho de 1810, começou a agonizar. O criado que cuidava dele correu para chamar o médico, o doutor Melchor, e o cura, que ouviu sua confissão.
— Ave Maria puríssima...
— Sem pecado... — disse Salvany, com a voz por um fio. — Padre... pequei por ambição e soberba, achei que era mais forte do que jamais pude ser, e se não posso terminar a mi...
Foi interrompido por um violento ataque de tosse. O médico o ajudou a se recompor e fez uma compressa com azeite de eucalipto.
— Tranquilize-se, irmão — disse-lhe o cura —, não é necessário falar; para se arrepender não é preciso falar.
— Melhor? — perguntou o médico.
Assentiu. Então, começou a falar, em um tom quase inaudível.
— Dizia Santo Agostinho que o amor não desaparece nunca, não é, padre? Que a morte não é nada, que o que fomos uns para os outros seremos para sempre.
— Sim, meu filho.
— Reze por mim, padre.
Fechou os olhos, e seu rosto adquiriu a suave placidez da morte.
Foi enterrado em um pequeno cemitério atrás do templo do convento de Cochabamba, sem que ninguém se preocupasse em recuperar seu cadáver nem em prestar-lhe as honras que merecia. Depois de ter inoculado o soro contra a varíola em mais de duzentas e cinquenta mil pessoas, o doutor Josep Salvany morreu, como disse o cura em seu responso, só e com a idade de Cristo. Como ninguém nunca se aproximava para deixar flores em sua tumba, o próprio cura adquiriu o hábito de fazê-lo, ano após ano, no Dia de Todos os Santos.
— Ninguém me escreveu perguntando sobre seus últimos dias, ninguém demonstrou curiosidade em saber onde está enterrado — confessou o cura, muitos anos depois, a um viajante espanhol.