Pede-me para prefaciar sua bela obra, para minha imensa alegria e honra sem-fim, esse jovem – mas já tão destacado – valor das letras e do pensamento jurídico contemporâneo, Flávio Tartuce.
É ele como um filho para mim, e se houvesse a possibilidade de se dizer sobre filiação academicamente afetiva, ele estaria nesta minha relação de parentalidade, indubitavelmente. Trata-se de um jovem expoente do pensamento jurídico transformador – se assim quisermos chamar o percurso epistemológico, associado ao perfil inovador, vivenciado pelo direito como um todo, especialmente pelo Direito Civil – que me tem honrado muito com a possibilidade de tê-lo sempre por perto, em meu grupo de estudos e na lida acadêmica, mormente na docência da disciplina, vista agora por esse novo e tão corajoso perfil.
Flávio Tartuce personifica aquilo que se poderia enunciar como a mais prodigiosa estirpe franciscana (referindo-me à Faculdade de Direito do Largo São Francisco – USP), revelada pelos atávicos dons da docência e da literatura jurídica. Representa, hoje, o que tantos outros juristas já representaram no nosso glorioso passado e ao tempo de suas brilhantes mocidades, e certamente será, no futuro, o que esses mesmos juristas foram e nos deixaram em registro, visando à reconstrução eterna e indispensável das matrizes fundamentais da nossa ciência, a ciência do justo.
O autor tem talento natural para a docência em Direito; nasceu assim. Foi orientado, em suas primeiras investidas na área da pós-graduação, pela Professora Maria Helena Diniz, no seu mestrado na PUC/SP, e foi orientado por mim mesma em seu doutorado na USP. É Doutor, neste momento, mas com os olhos postos no prosseguimento de sua carreira docente. É professor-coordenador da área de Direito Civil da Escola Paulista de Direito – EPD, em São Paulo, na qual igualmente ministro aulas e coordeno a área, há mais de dez anos. Mais recentemente tornou-se professor titular permanente do programa de mestrado e doutorado da FADISP, onde também sou coordenadora-geral.
Flávio tende para o justo, ainda que em prejuízo do seguro, pois sente dentro de si que a magnitude própria do Direito se prefere justa à segura, se houver necessidade de separação entre um e outro dos essenciais atributos desta nossa ciência. Por que assim deve ser, segundo tenho pessoalmente tanto pensado. E assim penso porque verifico, como resultado de minhas reflexões (as quais compartilho – com muito sucesso e grande lucro para mim mesma – com esse jovem autor desta obra cujo prefácio escrevo), que tem ocorrido, hodiernamente, uma profunda alteração axiológica na concepção do Direito, transformação esta que passa pela crise do sujeito de direito em favor de uma melhor e mais consentânea consagração da pessoa humana e sua dignidade, tudo sob o matiz dos direitos sociais embutidos na nossa atual Carta Constitucional.
Um olhar atento, atualmente, demonstra-nos que está havendo uma funcionalização de todos os institutos privados, na busca de adequá-los ao prisma novo. Em termos de Direito de Família – mote e linha fundamentais desta bela obra –, a travessia do século nos leva, obrigatoriamente, a repensar as suas matrizes e os seus matizes, refazendo um discurso outrora puramente patrimonializado, para reescrevê-lo agora centrado no afeto, nos laços de amor, nos liames de família, preocupando-se essencialmente com o projeto pessoal de felicidade de cada um dos membros que compõem o núcleo familiar.
Não há mais, propriamente, um espaço reservado e exclusivo para a propriedade, ou um outro espaço reservado e exclusivo para o contrato, e estes espaços impregnando as relações de família. E, assim, urge que se leve a efeito a reorganização das categorias específicas do Direito de Família – como se faz tão bem nesta obra – realizando uma releitura que tenha relação estreita com a visão constitucional acerca da dignidade humana. E é sob esta reflexiva amplitude de visões que Flávio Tartuce escreveu esta obra que se denomina Direito civil – Direito de família, v. 5, publicada pela excelente casa editorial das letras jurídicas, a Editora Método.
No primeiro capítulo, e à guisa de introdução, o autor já estrutura o novo conceito de Direito de Família, os novos princípios do Direito de Família e a concepção constitucional de família. Procura mostrar a nova visão desse segmento da ciência do direito e do direito privado, abordando a influência que a transformação recebe das reflexões que são levadas a cabo, contemporaneamente, especialmente pelo Instituto Brasileiro de Direito de Família (IBDFAM), destacando a preocupação com a ética e com o apreço pelo social.
No segundo capítulo, o autor explora as questões técnicas relacionadas com o conceito de casamento, os princípios do casamento, a incapacidade matrimonial, os impedimentos matrimoniais, as causas suspensivas, a invalidade do casamento, os seus deveres, a sua prova e a responsabilidade pré-casamentária. Esse capítulo tem um perfil mais técnico que principiológico, propriamente dito, e o seu tratamento dispensado é suficientemente aprofundado.
O terceiro capítulo vai cuidar do regime de bens que rege o casamento, cuidando das principais questões patrimoniais, depois de passar pelo exame dos princípios, das regras, do conceito, do pacto antenupcial. Segue pelo exame minucioso das regras especiais acerca dos quatro regimes e da possibilidade de alterá-los, no curso do matrimônio, inclusive no que diz respeito a casamentos anteriores à vigência da lei nova.
No capítulo subsequente, o quarto, o autor analisa muito bem a dissolução do casamento e da sociedade conjugal, trabalhando o assunto de modo interessante, aprofundado e de agradável leitura. Trata de questões intrincadas, como a que se refere à mitigação da culpa, bem como da mediação como forma de solução de controvérsias. Cuidou também, com especial atenção, das questões controvertidas quanto ao divórcio e à guarda dos filhos, especialmente tendo em vista a emergência da Emenda Constitucional do Divórcio (EC 66/2010).
A união estável foi abordada no quinto capítulo, com forte influência do magistério de Álvaro Villaça Azevedo, o precursor do tratamento doutrinário da questão, entre nós. Os autor desta obra também avança para a análise cuidadosa e corajosa do tema sobre a união homoafetiva, e o estado da arte de seu trato doutrinário e jurisprudencial, no Brasil.
O capítulo subsequente, o sexto, é o mais longo de todos os capítulos e revela o cuidado extremo que teve o autor com o tratamento das relações familiares na órbita da parentalidade, com análise pontual e profunda sobre a filiação, o reconhecimento de filhos, a adoção e o poder familiar. Analisou também – e de modo muito instigante e atual – o importantíssimo tema da parentalidade socioafetiva, enfrentando com bom resultado a questão intrincada da relativização da coisa julgada.
O sétimo capítulo foi dedicado ao exame completo acerca dos alimentos, elevando a análise para além do direito material e enfrentando questões processuais.
O bem de família e a atualíssima questão sobre a discussão da possibilidade de penhora do imóvel do fiador – se for bem de família – foram os assuntos que habitaram, em competentes letras, o oitavo capítulo da obra.
No capítulo nono, o direito assistencial – tutela, curatela e guarda, inclusive sob às luzes do Estatuto da Criança e do Adolescente – foi muito bem esmiuçado pelo autor, fechando com chave de ouro a boa obra que se dedicou a escrever, para sorte da comunidade jurídica profissional e para deleite dos estudiosos em geral.
Revelo-me encantada com o resultado final obtido pelo esforço deste jovem e promissor jurista, registrando que este bom livro está presente em minhas indicações bibliográficas e referências literárias.
Por tudo isso, sinto-me à vontade para indicar à comunidade de estudiosos e de aplicadores do direito esta obra, de perfil inovador e transformador, que é exatamente o seu traço fundamental.
Giselda Maria Fernandes Novaes Hironaka
Professora Titular da Faculdade de Direito da USP.
Diretora Nacional da Região Sudeste do Instituto Brasileiro de
Direito de Família – IBDFAM.