Inés está determinada a comemorar devidamente o aniversário do menino. Foram convidados para a festa todos os colegas da antiga Academia que ela conseguiu localizar e também os meninos do prédio com quem ele joga futebol. Na pastelería, ela encomenda um bolo em forma de bola de futebol; trouxe para casa uma piñata pintada de cores alegres na forma de macaco e emprestou de sua amiga Claudia os remos com que as crianças vão despedaçá-la; contratou um mágico para apresentar um show. Não revelou a ele, Simón, qual será o presente de aniversário, mas ele sabe que ela gastou muito dinheiro nele.
Seu primeiro impulso é igualar a prodigalidade de Inés, mas ele controla o impulso: como sua posição de pai tem menos importância, seu presente deve ser menor. Na sala dos fundos de uma loja de antiguidades, ele encontra o presente perfeito: uma miniatura de navio muito parecida com o navio em que vieram, com chaminé, motor, uma ponte de capitão e pequenos passageiros esculpidos em madeira debruçados nos peitoris ou passeando no convés superior.
Enquanto está explorando as lojas do bairro velho de Estrella, ele procura o livro que Mercedes mencionou, o livro de Arroyo sobre música. Não encontra. Nenhuma livraria jamais ouviu falar do livro. “Fui a alguns recitais dele”, diz um vendedor. “É um pianista incrível, um verdadeiro virtuose. Não fazia ideia de que escrevia livros também. Tem certeza?”
Por um arranjo com Inés, o menino passa a noite anterior à festa com ele no quarto alugado para que ela possa deixar tudo pronto no apartamento.
“Sua última noite de menino pequeno”, ele observa. “A partir de amanhã você vai ter sete anos, e sete anos é um menino grande.”
“Sete é um número nobre”, diz o menino. “Eu sei todos os números nobres. Quer que eu recite?”
“Hoje não, obrigado. Quais outros ramos da numerologia você estudou além dos números nobres? Estudou frações ou frações estão fora do limite? Não conhece o termo numerologia? Numerologia é a ciência que o señor Arroyo pratica na Academia. Numerólogos são pessoas que acreditam que os números têm existência independente de nós. Eles acreditam que mesmo que venha uma grande enchente e afogue todos os seres vivos, os números vão sobreviver.”
“Se a enchente for grande mesmo, até o céu, os números também vão se afogar. Aí não vai sobrar nada, só as estrelas escuras e os números escuros.”
“Estrelas escuras? O que é isso?”
“As estrelas que ficam entre as estrelas brilhantes. Não dá para ver porque elas são escuras.”
“Estrelas escuras devem ser uma das suas descobertas. Não existe nenhuma menção a estrelas escuras ou números escuros em numerologia, pelo que sei. Além disso, segundo os numerólogos, números não se afogam, por mais alta que seja a enchente. Eles não podem se afogar porque não respiram, nem comem, nem bebem. Eles apenas existem. Nós, seres humanos, podemos ir e vir, viajar desta vida para a outra, mas os números ficam sempre os mesmos para todo o sempre. É isso que pessoas como o señor Arroyo escrevem em seus livros.”
“Eu descobri um jeito de voltar da outra vida. Quer que eu conte? É brilhante. Você amarra uma corda numa árvore, uma corda muito, muito comprida, então quando você chega na outra vida, amarra a outra ponta da corda numa árvore, outra árvore. Então quando quer voltar da outra vida é só seguir a corda. Igual o homem no laberinto.”
“Laberinto. É um plano muito inteligente, muito engenhoso. Infelizmente, eu vejo uma falha nele. A falha é que, enquanto você está nadando de volta para esta vida, segurando a corda, as ondas sobem e levam as suas lembranças. Então quando chega deste lado, você não lembra nada do que viu do outro lado. Vai ser como se você nunca tivesse visitado o outro lado. Vai ser como se você tivesse dormido sem sonhar.”
“Por quê?”
“Porque, como eu disse, você vai estar mergulhado nas águas do esquecimento.”
“Mas por quê? Por que eu tenho que esquecer?”
“Porque essa é a regra. Você não pode voltar da outra vida e contar o que viu lá.”
“Por que a regra é essa?”
“Uma regra é só uma regra. Regras não precisam de justificativas. Elas apenas existem. Como os números. Não existe um porquê para os números. Este universo é um universo de regras. Não existe um porquê para o universo.”
“Por quê?”
“Agora você está sendo bobo.”
Mais tarde, quando Davíd adormece no sofá e ele está deitado na cama ouvindo os passos de camundongos no teto, ele se pergunta como vai ser a lembrança do menino dessas conversas deles. Ele, Simón, se considera uma pessoa sadia, racional, que oferece ao menino uma elucidação sadia, racional de por que as coisas são como são. Mas será que as necessidades da alma de uma criança são mais bem servidas por suas pequenas homilias secas do que pelo fantástico cardápio oferecido pela Academia? Por que não deixar que ele passe esses anos preciosos dançando os números, comungando com as estrelas na companhia de Alyosha e do señor Arroyo, e esperar que a sanidade e a razão cheguem a seu tempo?
Uma corda de terra a terra: ele devia contar isso a Arroyo, mandar uma nota. “Meu filho, aquele que diz que você sabe o nome verdadeiro dele, criou um plano para nossa salvação em geral: uma ponte de corda de costa a costa; almas se impulsionando mão após mão pelo oceano, algumas para uma nova vida, algumas de volta à vida antiga. Se existisse tal ponte, diz meu filho, significaria o fim do esquecimento. Nós todos saberíamos quem somos e nos rejubilaríamos.”
Ele realmente devia escrever a Arroyo. Não apenas uma nota, mas algo mais longo e profundo que evidenciasse o que ele podia ter dito se não tivesse saído intempestivamente do encontro deles. Se não estivesse tão sonolento, tão letárgico, ele acenderia a luz e faria isso. “Estimado Juan Sebastián, desculpe minha demonstração de petulância esta manhã. Estou passando por um momento perturbado, embora, claro, o fardo que carrego seja muito mais leve que o seu. Especificamente, eu me vejo boiando (para usar uma metáfora comum), me afastando cada vez mais da terra firme. Como assim? Permita que seja franco. Apesar dos extenuantes esforços do intelecto, não consigo acreditar nos números, os números superiores, os números no alto, como o senhor e todos os que são ligados à sua Academia parecem ser, inclusive meu filho Davíd. Não entendo nada de números, não faço a mínima ideia, do começo ao fim. Sua fé neles ajudou o senhor (suponho) a atravessar esse momento difícil, enquanto eu, que não compartilho essa fé, sou irritável, irascível, dado a explosões (como o senhor pôde testemunhar essa manhã), estou de fato me tornando difícil de aguentar, não apenas para os que me rodeiam, mas para mim mesmo.
“A resposta virá quando menos você esperar. Ou não. Tenho uma aversão por paradoxos, Juan Sebastián, que o senhor não parece ter. É isso que preciso adquirir para obter paz de espírito: engolir paradoxos à medida que aparecem? E já que estamos no assunto, me ajude a entender por que uma criança educada pelo senhor, ao ser interrogada sobre os números, deve responder que eles não podem ser explicados, podem apenas ser dançados. A mesma criança, antes de estudar em sua Academia, tinha medo de passar de uma pedra do calçamento para outra, temendo cair no espaço entre elas e desaparecer no nada. No entanto, ele agora dança através dos espaços sem hesitar. Que poder mágico tem a dança?”
Ele devia fazer isso. Devia escrever a nota. Mas será que Juan Sebastián responderia? Juan Sebastián não lhe parece o tipo de homem que se levanta da cama no meio da noite para atirar uma corda para um homem que, se não está se afogando, está pelo menos se debatendo.
Quando vai baixando o sono lhe vem uma imagem dos jogos de futebol no parque: o menino, cabeça baixa, punhos cerrados, correndo, correndo como uma força irresistível. Por quê, por quê, por quê, quando ele é tão cheio de vida, desta vida, esta vida presente, ele está tão interessado na próxima?
Os primeiros a chegar na festa são dois meninos de um dos apartamentos abaixo, irmãos, pouco à vontade em suas camisas e shorts elegantes, com o cabelo molhado e penteado. Eles se apressam em oferecer seu presente embrulhado em papel colorido, que Davíd coloca no espaço que reservou num canto: “Esta é a minha pilha de presentes”, anuncia. “Não vou abrir meus presentes até todo mundo ir embora.”
A pilha de presentes já contém as marionetes das irmãs da fazenda e o dele, Simón, o navio, embalado numa caixa de papelão e amarrado com uma fita.
Toca a campainha; Davíd corre para saudar os novos convidados e aceita mais presentes.
Como Diego se encarregou da tarefa de servir refrescos, sobra muito pouco para ele fazer. Ele desconfia que a maior parte dos convidados tome Diego pelo pai do menino e ele, Simón, por um avô ou mesmo um parente mais distante.
A festa corre bem, embora o punhado de crianças da Academia se ressinta das crianças mais agitadas dos apartamentos e se junte num grupo, cochichando entre elas. Inés, o cabelo ondulado com elegância, usando um vestido chique branco e preto, uma mãe de quem um menino pode se orgulhar, sob todos os aspectos, parece contente com o desenrolar da festa.
“Lindo vestido”, ele observa. “Cai bem em você.”
“Obrigada”, diz ela. “Está na hora do bolo. Você pode trazer?”
Então é privilégio dele levar à mesa o gigantesco bolo de bola de futebol, pousado num leito de marzipã verde, e sorrir, benevolente, quando, com um único whuush, Davíd assopra todas as sete velas.
“Viva!”, exclama Inés. “Agora faça um pedido.”
“Eu já fiz meu pedido”, diz o menino. “É segredo. Não vou contar pra ninguém.”
“Nem para mim?”, Diego pergunta. “Nem no meu ouvido?” E ele inclina a cabeça, íntimo.
“Não”, diz o menino.
Ocorre um acidente com o corte do bolo: quando a faca afunda, a casca de chocolate racha e o bolo se quebra em duas partes desiguais, uma das quais rola para fora do tabuleiro e cai em fragmentos sobre a mesa, derrubando um copo de limonada.
Com um grito de triunfo, Davíd brande a faca acima da cabeça: “É um terremoto!”.
Inés limpa a bagunça, apressadamente. “Cuidado com essa faca”, ela diz. “Pode machucar alguém.”
“É meu aniversário, eu posso fazer o que eu quiser.”
O telefone toca. É o mágico. Ele está atrasado, vai demorar mais quarenta e cinco minutos, talvez uma hora. Inés bate o telefone com fúria. “Isso não é jeito de exercer uma profissão!”, ela exclama.
Há crianças demais no apartamento. Diego torceu um balão na forma de um manequim com orelhas enormes; isso passa a ser objeto de caça entre os meninos. Eles correm pelos quartos, derrubando a mobília. Bolívar se levanta e sai de seu covil na cozinha. As crianças recuam, alarmadas. Resta a ele, Simón, segurar o cachorro pela coleira.
“O nome dele é Bolívar”, Davíd anuncia. “Ele não morde, só morde gente ruim.”
“Posso fazer carinho nele?”, pergunta uma menina.
“O Bolívar não está muito simpático agora”, ele, Simón, responde. “Está acostumado a dormir de tarde. É uma criatura muito metódica.” Ele amarra Bolívar na cozinha.
Por sorte, Diego convence os meninos mais agitados, Davíd entre eles, a ir jogar uma partida de futebol no parque. Ele e Inés ficam para entreter os mais tímidos. Depois, os jogadores de futebol voltam correndo para devorar o resto do bolo e os biscoitos.
Batem na porta. O mágico está parado ali, um homenzinho de aspecto nervoso com faces rosadas, usando cartola e fraque, com um cesto na mão. Inés não lhe dá chance de falar. “Tarde demais!”, ela exclama. “Que jeito é esse de tratar os clientes. Vá embora! Não vai receber nem um tostão de nós!”
Os convidados vão embora. Armado com uma tesoura, Davíd começa a abrir os presentes. Desembrulha o presente de Inés e Diego. “É um violão!”, ele diz.
“É um uquelele”, diz Diego. “Tem um manual também que ensina como tocar.”
O menino dedilha o uquelele, produzindo um acorde dissonante.
“Primeiro precisa afinar”, diz Diego. “Deixe eu mostrar como faz.”
“Agora não”, diz o menino. Abre o presente dele, Simón. “Brilhante!”, exclama. “A gente pode levar pro parque e pôr na água?”
“É uma miniatura”, ele responde. “Não tenho certeza se vai flutuar sem virar. Podemos experimentar na banheira.”
Enchem a banheira. O navio flutua alegremente na superfície, sem nenhum sinal de virar. “Brilhante!”, o menino repete. “Meu melhor presente.”
“Quando você aprender a tocar, o uquelele vai virar o seu melhor presente”, ele diz. “O uquelele não é só uma miniatura, é uma coisa de verdade, um instrumento musical de verdade. Já agradeceu a Inés e Diego?”
“O Juan Pablo disse que a Academia é uma escola de mariquinha. Disse que só maricas vai para a Academia.”
Ele sabe quem é Juan Pablo: é um dos meninos do prédio, mais velho e maior que Davíd.
“O Juan Pablo nunca entrou na Academia. Ele não faz ideia do que acontece lá dentro. Se você fosse mariquinha, acha que o Bolívar ia deixar você mandar nele? O Bolívar, que na outra vida vai ser um lobo?”
Inés o alcança quando ele está na porta, saindo, e enfia em suas mãos alguns papéis. “Tem uma carta aqui da Academia, e o jornal de ontem, as páginas de Professores Disponíveis. Temos de decidir sobre um tutor para o Davíd. Marquei os prováveis. Não podemos esperar mais.”
A carta, dirigida a Inés e ele, não é da Academia de Arroyo, mas da Academia de Canto. Devido ao nível excepcionalmente alto de candidatos para o semestre seguinte, informa que lamentavelmente não há vaga para Davíd. Agradecem pelo interesse.
Na manhã seguinte, com a carta na mão, ele volta à Academia de Dança.
Rígido, senta-se à mesa do refeitório. “Diga ao señor Arroyo que estou aqui”, instrui a Alyosha. “Diga que não vou embora enquanto não falar com ele.”
Minutos depois o próprio mestre aparece. “Señor Simón! Está de volta!”
“É, estou de volta. Como é um homem ocupado, señor Arroyo, serei breve. Da última vez, mencionei que tínhamos feito a inscrição do Davíd a uma vaga na Academia de Canto. A inscrição acaba de ser negada. Só nos resta a escolha entre a escola pública e um tutor particular.
“Não revelei certos fatos que acredito que deva saber. Quando minha companheira Inés e eu saímos de Novilla e viemos para Estrella, estávamos fugindo da lei. Não porque sejamos pessoas ruins, mas porque as autoridades de Novilla queriam tirar Davíd de nós, por razões que não vou revelar, e colocar o menino numa instituição. Nós resistimos. Então, somos praticamente dois fora da lei, Inés e eu.
“Trouxemos o Davíd para cá e encontramos um lar para ele em sua Academia, um lar temporário, como acabou se revelando. Agora chego ao ponto. Se matricularmos o Davíd numa escola pública, temos razões para esperar que ele seja identificado e mandado de volta a Novilla. Então estamos evitando as escolas públicas. O recenseamento, que vai acontecer daqui a menos de um mês, é uma complicação a mais. Vamos precisar esconder todos os traços dele dos recenseadores.”
“Eu também vou esconder meus filhos. Davíd pode ficar com eles. Temos muitos cantos escuros neste prédio.”
“Por que precisa esconder seus filhos?”
“Eles não foram registrados no último recenseamento, portanto não têm número, portanto não existem. São fantasmas. Mas continue. Estava me dizendo que vão evitar as escolas públicas.”
“É. Inés é a favor de um tutor particular para o Davíd. Tentamos um tutor antes. Não foi exatamente um sucesso. O menino tem uma personalidade forte. Está acostumado a conseguir tudo o que quer. Precisa se tornar um animal mais social. Precisa estar numa classe com outras crianças, com a mão guia de um professor que ele respeite.
“Tenho consciência de que seus meios são restritos, señor Arroyo. Se estiver certo de reabrir a Academia, e se Davíd puder voltar, ofereço minha ajuda, sem remuneração. Posso trabalhar como bedel, varrer, limpar, carregar lenha etc. Posso ajudar com os internos. Não sou alheio a trabalho físico. Em Novilla, fui estivador.
“Posso não ser o pai de Davíd, mas ainda sou guardião e protetor dele. Infelizmente, ele parece estar perdendo o respeito que tinha por mim. Isso faz parte da sua rebeldia do momento. Ele me ridiculariza como o velho que vai atrás dele sacudindo o dedo e o recriminando. Mas ele respeita o señor Arroyo e sua falecida esposa.
“Se reabrir suas portas, seus antigos alunos vão voltar, tenho certeza disso. Davíd será o primeiro. Não finjo entender sua filosofia, mas estar debaixo de sua asa faz bem ao menino, posso perceber.
“O que me diz?”
O señor Arroyo ouviu com grande atenção, sem interrompê-lo nem uma vez. Então, ele fala.
“Señor Simón, já que foi franco comigo, vou ser franco também. Disse que seu filho ridiculariza o senhor. De fato, isso não é verdade. Ele tem amor e admiração pelo senhor, mesmo que nem sempre o obedeça. Ele me conta com orgulho como, quando era estivador, carregava os volumes mais pesados, mais pesados que qualquer camarada mais jovem. O que ele tem contra sua pessoa é que, embora aja como pai, o senhor não sabe quem ele é. O senhor tem consciência disso. Já discutimos antes.”
“Não é que simplesmente ele tenha isso contra mim, señor Arroyo, ele joga isso na minha cara.”
“Ele joga na sua cara e isso o perturba, como deveria. Deixe eu colocar de outra forma o que lhe disse em nosso último encontro e talvez possa lhe dar alguma segurança.
“Nós temos, cada um de nós, a experiência de chegar a uma nova terra e nos atribuírem uma nova identidade. Vivemos, cada um de nós, com um nome que não é o nosso. Mas logo nos acostumamos a isso, a essa vida nova, inventada.
“Seu filho é uma exceção. Ele sente com intensidade fora do comum a falsidade de sua nova vida. Ele não cedeu à pressão para esquecer. Eu não sei dizer do que ele se lembra, mas inclui, certamente, o que ele acredita ser seu nome verdadeiro. Qual é esse nome? Mais uma vez, não sei dizer. Ele se recusa a revelar qual é ou é incapaz de revelar qual é, não sei qual das duas coisas. Talvez seja melhor, no geral, que seu segredo continue um segredo. Que diferença faz, como o senhor disse outro dia, se ele é conhecido por nós como Davíd ou Tomás, como sessenta e seis ou noventa e nove, como Alfa ou Ômega? A terra iria tremer sob nossos pés se o nome verdadeiro dele fosse revelado, as estrelas iriam cair do céu? Claro que não.
“Portanto, conforme-se. Não é o primeiro pai a ser renegado, nem será o último.
“Quanto à outra questão. A oferta de trabalhar como voluntário na Academia. Obrigado. Minha tendência é aceitar, com gratidão. A irmã de minha falecida esposa também se oferece gentilmente para ajudar. Ela é, não sei se lhe contou, uma professora notável, embora de outra escola. E meu desejo de reabrir a Academia recebeu apoio de outros lados também. Tudo isso me leva a acreditar que podemos superar nossas dificuldades atuais. Porém, me dê um pouco mais de tempo para chegar a uma decisão.”
A discussão termina aí. Ele se retira. Nossas dificuldades atuais: a expressão deixa um gosto ruim. Será que Arroyo faz alguma ideia das dificuldades dele? Quanto tempo mais ele pode ser protegido da verdade acerca de Ana Magdalena? Quanto mais tempo Dmitri passar no hospital, matando o tempo, mais provável é que ele comece a se gabar para os amigos da gélida esposa do maestro que não conseguia tirar as mãos de cima dele. A história vai se espalhar como uma queimada. As pessoas vão rir pelas costas de Arroyo; de figura trágica, ele vai se tornar alvo de zombaria. Ele, Simón, já devia ter encontrado um jeito de alertá-lo para que, quando começarem as fofocas, ele esteja preparado.
E as cartas, as cartas incriminadoras! Ele devia tê-las queimado há muito tempo. Te quiero apasionadamente. Pela milésima vez, ele se amaldiçoa por ter se envolvido nos problemas de Dmitri.