Com uma longa série de colunas de arenito na fachada, o museu de arte fica do lado norte da praça principal de Estrella. Seguindo as instruções, eles passam na frente da entrada principal e vão para uma porta estreita de uma rua que fica ao lado, sobre a qual há uma placa em floreados caracteres dourados: Academia de la Danza e uma flecha indicando uma escada. Sobem ao segundo andar, passam por portas de vaivém, e de repente estão em um grande estúdio bem iluminado, vazio, exceto por um piano de armário num canto.
Entra uma mulher, alta, magra, toda vestida de preto. “Pois não?”, ela pergunta.
“Gostaria de falar com alguém para matricular meu filho”, diz Inés.
“Matricular seu filho em…?”
“Matricular na sua Academia. Acho que a señora Valentina conversou com o seu diretor. Davíd é o nome do meu filho. Ela nos garantiu que as crianças matriculadas na sua Academia recebem educação geral. Quer dizer, não só de dança.” Ela pronuncia a palavra dança com certo desdém. “É na educação geral que estamos interessados, nem tanto na dança.”
“A señora Valentina realmente falou conosco sobre o seu filho. Mas deixei bem claro para ela e devo deixar bem claro para a senhora: esta não é uma escola regular, nem substitui uma escola regular. É uma academia dedicada ao treinamento da alma através da música e da dança. Se está procurando educação regular para seu filho, seria mais bem servida pelo sistema de escolas públicas.”
O treinamento da alma. Ele toca o braço de Inés. “Se me permite”, ele diz, dirigindo-se àquela moça pálida, tão pálida que parece sem sangue (alabastro é a palavra que ocorre a ele), mas bonita mesmo assim, muito bonita; talvez isso é que tenha provocado a hostilidade de Inés, a beleza, como de uma estátua que ganhou vida e vaga pelo museu, “se me permite… Somos estrangeiros em Estrella, recém-chegados. Estávamos trabalhando na fazenda da señora Valentina e de suas irmãs temporariamente, enquanto nos instalávamos aqui. As irmãs, com muita gentileza, se interessaram por Davíd e ofereceram assistência financeira a ele para frequentar sua Academia. Falam muito bem da Academia. Dizem que são famosos por fornecer excelente educação geral, que seu diretor, o señor Arroyo, é um respeitado educador. Podemos marcar uma hora para falar com o señor Arroyo?”
“O señor Arroyo, meu marido, não está disponível. Não estamos trabalhando esta semana. As aulas recomeçam na segunda-feira, depois da pausa. Mas se quiserem discutir questões práticas podem falar comigo. Antes de tudo: seu filho virá como aluno interno?”
“Interno? Ninguém nos disse que havia internato.”
“Temos um número limitado para internos.”
“Não, Davíd vai morar conosco, não é, Inés?”
Inés faz que sim.
“Muito bem. Em seguida, calçado. Seu filho tem sapatilhas de dança? Não? Ele vai precisar de sapatilhas de dança. Vou anotar o endereço de uma loja onde vocês podem comprar. E também roupa mais leve, mais confortável. É importante que o corpo esteja solto.”
“Sapatilhas de dança. Vamos cuidar disso. A senhora falou agora há pouco da alma, do treinamento da alma. Em que direção vocês treinam a alma?”
“Na direção do bem. Da obediência ao bem. Por que pergunta?”
“Por nada. E o resto do currículo, além da dança? Precisamos comprar algum livro?”
Há algo inquietante na aparência da mulher, algo que ele não consegue identificar. Então ele reconhece o que é. Ela não tem sobrancelhas. Depilou ou raspou as sobrancelhas; ou talvez nunca tenham crescido. Sob o cabelo claro, bastante escasso, puxado para trás rente à cabeça, há uma extensão de testa nua tão larga quanto a mão dele. Os olhos, de um azul mais escuro que o azul do céu, encontram o olhar dele com calma, com segurança. Ela enxerga através de mim, ele pensa, através de toda essa conversa. Ela não é tão jovem como ele pensou de início. Trinta? Trinta e cinco?
“Livros?” Ela abana a mão, descartando a ideia. “Livros vêm depois. Cada coisa a seu tempo.”
“E as salas de aula”, diz Inés. “Posso ver as salas de aula?”
“Esta é a nossa única sala de aula.” Ela abrange o estúdio com o olhar. “Aqui é onde as crianças dançam.” Ela dá um passo, se aproxima, pega a mão de Inés. “Señora, tem de entender que isto é uma academia de dança. Primeiro vem a dança. Todo o resto é secundário. Todo o resto vem depois.”
Ao toque dela, Inés visivelmente enrijece. Ele sabe muito bem como Inés resiste, recua mesmo, ao toque humano.
A señora Arroyo se volta para o menino. “Davíd. Esse é o seu nome?”
Ele espera o desafio de sempre, a negativa usual (“Não é meu nome de verdade”). Mas não: o menino ergue o rosto para ela como uma flor se abrindo.
“Bem-vindo à nossa Academia, Davíd. Tenho certeza de que você vai gostar. Eu sou a señora Arroyo e vou cuidar de você. Agora, você ouviu o que eu disse aos seus pais sobre sapatilhas de dança e não usar roupa apertada?”
“Ouvi.”
“Bom. Então vou esperar você na segunda-feira de manhã, às oito horas em ponto. É quando começa o nosso trimestre. Venha cá. Sinta o chão. Uma delícia, não é? Foi feito especialmente para dançar, com tábuas cortadas de cedro que cresceu no alto das montanhas, por carpinteiros, verdadeiros artesãos, que deixaram o piso o mais liso possível. A gente encera toda semana até ficar brilhando e todo dia polimos de novo com os pés dos estudantes. Tão liso e quente! Está sentindo o calor?”
O menino faz que sim. Nunca ele o viu tão receptivo antes: receptivo, confiante, infantil.
“Bom, então até logo, Davíd. A gente se vê na segunda-feira, com sapatilhas novas. Até logo, señora. Até logo, señor.” As portas de vaivém se fecham atrás deles.
“Ela é alta, não é?, a señora Arroyo”, ele pergunta ao menino. “Alta e graciosa também, como uma verdadeira bailarina. Você gosta dela?”
“Gosto.”
“Então está decidido? Você vai para a escola dela?”
“Vou.”
“E podemos contar para a Roberta e as três irmãs que nossa busca deu certo?”
“Podemos.”
“O que você diz, Inés: nossa busca deu certo?”
“Eu digo o que penso quando tiver visto o tipo de educação que eles dão.”
Bloqueando a saída para a rua há um homem de costas para eles. Usa uma farda cinzenta amassada, o boné empurrado para trás da cabeça; está fumando um cigarro.
“Com licença”, ele (Simón) diz.
O homem, evidentemente perdido numa divagação, se sobressalta, depois se recupera e com um extravagante gesto de braço indica que passem: “Señora y señores…”. Ao passar por ele, são envolvidos por fumaça de tabaco e cheiro de roupa suja.
Na rua, como eles hesitam, procurando se localizar, o homem de cinza diz: “Señor, está procurando o museu?”.
Ele se vira para olhar para o homem. “Não. Nosso assunto era com a Academia de Dança.”
“Ah, a Academia de Ana Magdalena!” A voz dele é profunda, a voz de um verdadeiro baixo. Ele joga o cigarro de lado e se aproxima. “Então deixe eu adivinhar: você vai se matricular na Academia, rapazinho, e virar um famoso bailarino! Espero que algum dia encontre tempo de dançar para mim.” Ele mostra os dentes amarelados num grande sorriso envolvente. “Bem-vindo! Se vai frequentar a Academia, vai me ver bastante, então deixe eu me apresentar. Meu nome é Dmitri. Eu trabalho no museu, onde sou o assistente principal. Esse é o meu título, um título grandioso! O que faz um assistente principal? Bom, é dever do assistente principal tomar conta dos quadros e esculturas do museu, proteger tudo da poeira e de inimigos naturais, trancar tudo com segurança à noite e soltar de manhã. Como assistente principal estou aqui todos os dias, menos sábados, então naturalmente eu encontro toda a meninada da Academia, eles e os pais deles.” Ele se volta para Simón. “O que achou da estimable Ana Magdalena? Ficou impressionado com ela?”
Ele troca um olhar com Inés. “Falamos com a señora Arroyo, mas ainda não está nada resolvido”, ele diz. “Vamos ter de pesar nossas opções.”
Dmitri, o libertador de estátuas e pinturas, franze a testa. “Não precisa disso. Não precisa pesar nada. Seria idiotice recusar a Academia. Iriam lamentar pelo resto da vida. O señor Arroyo é um mestre, um verdadeiro mestre. Não existe outra palavra para ele. É uma honra ele viver aqui entre nós em Estrella, que nunca foi uma grande cidade, ensinando para nossas crianças a arte da dança. Se eu estivesse no lugar do filho de vocês, ia pedir noite e dia para ser aceito na Academia dele. Podem esquecer as outras opções, sejam quais forem.”
Ele não tem certeza se gosta desse Dmitri, com sua roupa malcheirosa e seu cabelo oleoso. Certamente não gosta de ouvir sermão em público (estão no meio da manhã, as ruas cheias de gente). “Bom”, ele diz, “isso nós é que temos de decidir, não é, Inés? E agora temos de ir. Até logo.” Ele pega a mão do menino, vão embora.
No carro, o menino fala pela primeira vez. “Por que você não gosta dele?”
“Do guarda do museu? Não é uma questão de gostar ou não gostar. Ele é um estranho. Não conhece a gente, não sabe das nossas condições. Não devia meter o nariz onde não foi chamado.”
“Eu não gosto dele porque ele tem barba.”
“Que bobagem.”
“Ele não tem barba”, diz Inés. “É diferente você usar uma barba bonita, tratada e não cuidar da aparência. Esse homem não faz a barba, não toma banho, não usa roupa limpa. Não é um bom exemplo para as crianças.”
“Quem é um bom exemplo para as crianças? O Simón é um bom exemplo?”
Há um silêncio.
“Você é um bom exemplo, Simón?”, o menino pressiona.
Como Inés não vai ficar do seu lado, ele tem de se defender sozinho. “Eu tento”, ele diz. “Tento ser um bom exemplo. Se não consigo, não é por falta de tentar. Espero ter sido, no geral, um bom exemplo. Mas você é que tem de julgar isso.”
“Você não é meu pai.”
“Não, não sou. Mas isso não me desqualifica de ser um bom exemplo, não é?”
O menino não responde. De fato, perde o interesse, desliga, olha distraído pela janela (estão passando pelo mais feio dos bairros, quarteirão após quarteirão de casinhas como caixas). Cai um longo silêncio.
“Dmitri tem som de cimitarra”, o menino diz de repente. “Pra cortar sua cabeça.” Uma pausa. “Eu gosto dele, mesmo vocês não gostando. Eu quero ir pra Academia.”
“O Dmitri não tem nada a ver com a Academia”, diz Inés. “Ele é apenas um porteiro. Se você quer ir para a Academia, se já resolveu mesmo, pode ir. Mas assim que eles começarem a reclamar que você é esperto demais e quiserem mandá-lo para psicólogos e psiquiatras, eu tiro você na mesma hora.”
“Não precisa ser inteligente pra dançar”, diz o menino. “Quando nós vamos comprar minha sapatilha de dança?”
“Vamos comprar agora. Simón vai nos levar na loja de sapatos agora mesmo, naquele endereço que a professora deu.”
“Você odeia ela também?”, o menino pergunta.
Agora é a vez de Inés olhar pela janela.
“Eu gosto dela”, diz o menino. “Ela é bonita. Mais bonita que você.”
“Você tem de aprender a julgar as pessoas pelas qualidades interiores”, diz ele, Simón. “Não por serem bonitas ou não. Ou se têm barba ou não.”
“O que são qualidades interiores?”
“Qualidades interiores são qualidades como bondade, honestidade e senso de justiça. Você com certeza leu sobre isso no Dom Quixote. Existe uma porção de qualidades interiores, mais do que consigo dizer assim de cabeça, teria de ser filósofo para saber a lista inteira, mas beleza não é uma qualidade interior. Sua mãe é tão bonita quanto a señora Arroyo, só que de um jeito diferente.”
“A señora Arroyo é boa.”
“É, concordo, ela parece ser boa. E parece ter gostado de você.”
“Então ela tem qualidades interiores.”
“É, Davíd, ela é boa além de ser bonita. Mas beleza e bondade não estão ligadas. Ser bonita é um acidente, uma questão de sorte. Nós podemos nascer bonitos e podemos nascer comuns, não temos como escolher. Enquanto ser bom não é um acidente. Nós não nascemos bons. Nós aprendemos a ser bons. Nós ficamos bons. Essa é a diferença.”
“O Dmitri tem qualidades interiores também.”
“O Dmitri pode muito bem ter qualidades interiores, eu posso ter sido apressado no meu julgamento, concordo. Simplesmente não observei nenhuma qualidade interior nele, não hoje. Não estavam visíveis.”
“O Dmitri é bom. O que quer dizer estimable? Por que ele falou a estimable Ana Magdalena?”
“Estimável. Você com certeza deve ter encontrado essa palavra no Dom Quixote. Estimar alguém é respeitar e honrar a pessoa. Mas o Dmitri estava usando a palavra ironicamente. Estava fazendo uma espécie de piada. Estimable é uma palavra que se usa geralmente para gente mais velha, não para alguém da idade da señora Arroyo. Por exemplo, se eu chamasse você de estimable jovem Davíd ficaria engraçado.”
“Estimable velho Simón. É engraçado também.”
“Se você acha...”
As sapatilhas de dança, afinal, só existiam em duas cores, ouro e prata. O menino recusou ambas.
“É para a Academia do señor Arroyo?”, o vendedor perguntou.
“É.”
“Todas as crianças da Academia são equipadas com as nossas sapatilhas”, diz o vendedor. “Todos eles usam ou ouro ou prata, sem exceção. Se você aparecer usando sapatilhas pretas ou brancas, rapazinho, com certeza vai receber olhares bem estranhos.”
O vendedor é um homem alto, curvado, com um bigode tão fino que podia ser desenhado a carvão em cima do lábio.
“Está ouvindo o cavalheiro, Davíd?”, diz ele, Simón. “É ouro ou prata, ou dançar de meia. Qual vai ser?”
“Ouro”, diz o menino.
“Ouro então”, ele diz ao vendedor. “Quanto é?”
“Quarenta e nove reales”, diz o vendedor. “Deixe ele experimentar este par para ver o tamanho.”
Ele olha para Inés. Inés balança a cabeça. “Quarenta e nove reales para uma sapatilha de criança”, ela diz. “Como o senhor pode cobrar um preço desses?”
“São feitas de pelica. Não são sapatilhas comuns. Desenhadas para bailarinos. Tem um suporte para o arco embutido.”
“Quarenta reales”, diz Inés.
O homem balança a cabeça. “Muito bem, quarenta e nove”, ele, Simón, diz.
O homem põe o menino sentado, tira seus sapatos, desliza as sapatilhas de dança em seus pés. Elas servem perfeitamente. Ele paga ao homem quarenta e nove reales. O homem embrulha as sapatilhas com a caixa e a entrega a Inés. Em silêncio, saem da loja.
“Posso levar?”, o menino pergunta. “Custou muito dinheiro?”
“Muito dinheiro para um par de sapatilhas”, diz Inés.
“Mas é muito dinheiro?”
Ele espera Inés responder, porém ela se cala. “Não existe uma coisa como muito dinheiro em si mesmo”, ele diz pacientemente. “Quarenta e nove reales é muito dinheiro para um par de sapatilhas. Por outro lado, quarenta e nove reales não seria muito dinheiro para um carro ou uma casa. A água não custa quase nada aqui em Estrella, enquanto no deserto, se você está morrendo de sede, dá tudo o que tem por um gole de água.”
“Por quê?”, o menino pergunta.
“Por quê? Porque ficar vivo é mais importante que qualquer outra coisa.”
“Por que ficar vivo é mais importante que qualquer outra coisa?”
Ele está quase respondendo, uma resposta correta, paciente, educativa, quando alguma outra coisa cresce dentro dele. Raiva? Não. Irritação? Não: mais que isso. Desespero? Talvez: uma forma menor de desespero. Por quê? Porque ele gostaria de acreditar que está orientando o menino pelo labirinto da vida moral quando responde correta, pacientemente, suas incessantes perguntas de por quê. Mas onde está a prova de que o menino absorve sua orientação ou mesmo dá ouvidos ao que ele diz?
Ele para onde está na calçada movimentada. Inés e o menino param também e olham para ele, intrigados. “Pense o seguinte”, ele diz. “Estamos andando pelo deserto, você, Inés e eu. Você me diz que está com sede e eu ofereço um copo de água. Em vez de beber a água, você despeja na areia. Você diz que está com sede de respostas. Por que isto? Por que aquilo? Eu, como sou paciente, como te amo, dou uma resposta a cada pergunta, respostas que você despeja na areia. Hoje, pelo menos, estou cansado de te oferecer água. Por que ficar vivo é importante? Se a vida não parece importante para você, tudo bem.”
Inés leva a mão à boca, em desalento. Quanto ao menino, seu rosto se contrai numa carranca. “Você diz que me ama, mas você não me ama”, ele diz. “Você só finge.”
“Eu te dou as melhores respostas que tenho. E você joga fora como uma criança. Não fique surpreso se eu perder a paciência com você de vez em quando.”
“Você está sempre dizendo isso. Está sempre dizendo que eu sou criança.”
“Você é criança, e uma criança boba também, às vezes.”
Uma mulher de meia-idade, com cesta de compras no braço, parou para ouvir. Ela sussurra alguma coisa para Inés que ele não capta. Inés balança a cabeça apressadamente.
“Venha, vamos”, diz Inés, “antes que venha a polícia e leve a gente embora.”
“Por que a polícia vai levar a gente embora?”, pergunta o menino.
“Porque o Simón está se portando como louco e nós ficamos aqui parados ouvindo bobagem. Porque ele está perturbando a ordem pública.”