O último dia do ano

Era o último dia do ano. Era um domingo, mas muito diferente de qualquer outro domingo que eu já tinha visto. Não tinha cordeiro, e não tinha ervas amargas, e não tinha encontro nem pregação. A casa estava tão fria que as coisas pareciam molhadas e ficou escuro logo depois do almoço. Fiquei sentada diante da janela da cozinha pensando que antes eu odiava os domingos, mas que este era mil vezes pior. A única coisa boa era que eu não tinha que usar o poncho da Josie, mas, quanto mais pensava, até mesmo isso me parecia ruim agora.

“O que eu posso fazer para ajudar o Pai?”, perguntei a Deus.

“Ele perdeu a fé”, Deus falou. “Não há nada que você possa fazer.”

“Ele não perdeu a fé”, rebati. “Ele só está confuso.” Mas olhei para o Pai, para seu pescoço caído, suas mãos espalmadas sobre o braço da cadeira, a caneca de chá esfriando, o colchão no chão, as cortinas meio fechadas e não tive muita certeza.

Subi para o meu quarto e me sentei diante da janela, encolhi as pernas e fiquei vendo o céu mudar do azul para o preto, pensando em como, não muito tempo antes, eu o tinha visto ficar branco e cheio de neve. As ruas e sarjetas brilhavam uma luz amarela. Tinha uma música vindo de algum lugar e, de vez em quando, eu via pessoas passando, algumas de mãos dadas, outras rindo, algumas outras balançavam e cantavam. Depois de um tempo, soltaram fogos de artifício e, nas explosões de luz, dava para ver por quilômetros e quilômetros. Os fogos de artifício ficavam parados por um segundo antes de cair. Eu tentava abrir e fechar os olhos para ver somente o raio de luz, mas nunca dava certo.

À meia-noite, as pessoas começaram a cantar em algum lugar, aquela música sobre dinheiro no bolso e saúde para dar e vender que sempre cantam no fim do ano, e então não consegui mais ficar sentada ali e me levantei.

“Eu escolhi a pedra”, falei bem alto. Respirei fundo. “Escolhi ser poderosa.” Engoli em seco. “Se eu pensar bastante por um bom tempo, vou ser capaz de pensar em alguma coisa que vai melhorar tudo. Mas não estou fazendo nada porque sempre dá errado.” Mas eu não conseguia pensar em nada para fazer. Apertei bem forte a cabeça com as minhas mãos e revirei os olhos. Mas não consegui pensar em absolutamente nada.

Eu disse: “Volte para o começo”, e fiquei me perguntando quando as coisas tinham começado a ficar ruins e concluí que, na verdade, havia sido mais ou menos no início da greve.

Eu tinha feito uma fábrica na Terra Gloriosa muito tempo atrás. Não era o tipo de coisa que costumava fazer, mas eu tinha visto as chaminés no centro da cidade e pensado em como elas pareciam rolos de papel higiênico, então fiz as chaminés e botei a escadinha de um carro de bombeiros de brinquedo subindo em um dos lados. Fiz a fábrica com uma caixa de sapatos, as chaminés de argila, janelas de papel-celofane e canudinhos no lugar dos canos. Tinha uma escada de incêndio de Lego e um estacionamento com alambrado feito da rede onde vem embaladas as laranjas. Fui até a fábrica agora, fiquei virando a caixa nas mãos. As chaminés balançaram, mas não ouvi nenhum barulho porque não tinha nada dentro. Eu havia tirado as pessoas porque precisava delas para fazer outras coisas. Aí me perguntei o que aconteceria se eu enchesse a fábrica, se fizesse um interior.

“Pode ser que funcione”, pensei — e era um pensamento tão gigantesco que não me atrevi a falar em voz alta.

E, então, eu disse: “Mas eu falei que não ia fazer mais nada”.

E, então, eu disse: “Mas o que poderia acontecer de ruim?”. Não era como fazer uma pessoa. A situação na fábrica não podia ficar pior. Mas pensei que poderia estar me enganando. Fiquei dando voltas no quarto, pensando que talvez sim, que talvez não, e tentando pensar no que mais eu poderia fazer, mas não consegui pensar em mais nada.

Fiquei muito empolgada e depois senti muito medo e aí fiquei cansada de ficar empolgada e de sentir medo e só quis que tudo acabasse logo. “Deus”, eu disse, “é possível?”

“Tudo é possível quase o tempo todo”, Deus falou.

“Mas será que consigo fazer as coisas melhorarem de verdade?”

“Sim”, Deus respondeu, “você consegue.”

“Está bem”, falei. E, pela última vez, fui até o baú e ergui a tampa.

Eu nunca tinha visto o interior da fábrica, então logo entendi que essa seria a coisa mais difícil que já tinha feito. Tudo o que eu podia fazer era imaginar como as coisas eram e torcer para dar certo.

Trabalhei a noite inteira, até ver a luz saindo de trás da montanha. Nunca tinha me sentido tão cansada e oca, que nem um bambu, apaguei a luz e fui para a cama. “Por favor, Deus”, eu disse, “faça isso dar certo.”