O fim de semana prolongado do Dia de Ação de Graças não foi muito divertido naquele ano. Chegou apenas dois dias depois do Clube das Baby-Sitters ter decidido recrutar mais membros. Eu não me importava nada de perguntar a outras pessoas se queriam junta-se ao nosso clube – calculei que seria uma boa oportunidade para fazer amigos –, mas não gostava da razão pelo qual o estávamos a fazer. Estava furiosa com a Liz e com a Michelle por estarem a dar cabo do nosso clube.
Era tudo em que eu conseguia pensar na quinta-feira, na sexta-feira e no fim de semana do Dia de Ação de Graças. Tivemos um fim de semana de quatro dias e passei metade dele chateada com a Agência de Baby-Sitters.
E passei a segunda metade zangada com os meus pais.
Para começar, eles tinham prometido no verão que podíamos ir passar o Dia de Ação de Graças a Nova Iorque, mas no fim de semana anterior mudaram de ideias.
– Pensámos que seria mais engraçado celebrar o nosso primeiro Dia de Ação de Graças em Connecticut da forma tradicional – disse a mãe. – Eu vou cozinhar uma refeição que tu possas comer – franzi as sobrancelhas com esta afirmação – e o pai irá acender a lareira. Vamos passar o dia só os três e aproveitarmos para estarmos juntos aconchegados na nossa nova casa.
A ideia não era má de todo. Para ser sincera, eu gostei do nosso dia. Até nevou um bocadinho. Foi no fim da tarde do dia seguinte, quando os meus pais me disseram o verdadeiro motivo por não termos ido a Nova Iorque, que eu fiquei zangada com eles.
Tinham-me levado ao Centro Comercial de Washington, que ficava a meia hora de Stoneybrook. Por alguma razão, o dia seguinte ao Dia de Ação de Graças é o melhor dia da época para fazer as compras de Natal. Não sei porquê. Mas adoro ir às compras, por isso, pensei que seria uma ótima maneira de tirar a Agência de Baby-Sitters da cabeça. A Kristy tinha-me falado do Centro Comercial de Washington. É o maior aqui da zona, com cinco pisos de lojas, milhares de restaurantes e bancas de comida, quatro salas de cinema, uma sala com jogos de arcada, um espaço com animais com que podíamos interagir e várias exposições.
Tirei algum dinheiro que tinha ganho como baby-sitter do meu mealheiro e, quando lá chegámos, afastei-me dos meus pais para ir explorar o centro comercial por mim. Comprei dois presentes: umas perneiras com padrão zebra para oferecer à Claudia e um livro sobre Nova Iorque para oferecer à Mary Anne. Também comprei um pin em forma de dinossauro para mim. Planeava colocá-lo na minha boina.
À uma em ponto, encontrei-me com a minha mãe e com o meu pai e almoçámos os três numa casa de sanduíches. A seguir ao almoço, fomos ver um filme. Duas horas depois, enquanto saímos da sala de cinema, o pai perguntou alegremente:
– Que tal fazermos mais uma paragem antes de irmos para casa? Podíamos ir àquele café francês que há no último piso.
– Parece bem – declarei.
Quando estávamos sentados e servidos – o pai com uma caneca de café, a mãe com um copo de vinho e eu com um Ginger Ale Light – a minha mãe disse:
– Agora, querido?
– O quê? – interroguei, suspeitando logo que algo se passava.
– Temos umas novidades para te contar.
– O que é?
Ambos trocaram um olhar, como se não conseguissem decidir quem devia contar-me as novidades. Sabia que devia ser algo muito importante. E tinha a sensação de que o que quer que fosse eu não ia gostar nem um bocadinho.
– Não nos vamos mudar outra vez, pois não? – questionei.
– Não, Deus me livre – declarou a mãe. – Não são, propriamente, más notícias...
– Estás grávida? – gritei. – Descobriste que afinal podes ter outro bebé!
– Shhhh! – fez o pai. – As pessoas estão a começar a olhar para nós.
– Então, o que é?
A mãe aclarou a garganta.
– É que nós marcámos os exames com aquele novo médico de quem eu te falei há umas semanas, lembras-te?
– Como é que eu me poderia esquecer?
– Stacey – chamou-me a atenção o pai, elevando a voz na última sílaba.
– Desculpem.
– Vão ser este mês mas um bocadinho mais tarde do que pensávamos.
– Próximo do Natal? – inquirir consternada.
– Partimos na sexta, dia doze, e provavelmente voltamos na quarta, dia dezassete.
– Mas… Mas isso são cinco dias! – protestei. – Vocês disseram que seriam apenas três.
– Bem, irás perder só três dias de aulas na mesma – afirmou o meu pai. – Quando percebemos que os exames iriam demorar mais do que aquilo que achávamos, marcámo-los de modo a apanhar um fim de semana. Foi por isso que não fomos passar o Dia de Ação de Graças a Nova Iorque. Dois fins de semana grandes assim tão próximos passados naquela cidade são demais.
– Vou ter de ficar no hospital os cinco dias? – Ter de ficar no hospital quando nos sentimos bem é a maior seca do mundo.
– Vais passar muito tempo na clínica deste médico – informou a mãe –, mas não terás de passar lá a noite… O que achas de irmos passear durante as tardes. E teremos o domingo livre. Podemos ir visitar os teus primos e fazer compras de Natal…
– E – interrompeu-a o pai com um sorriso –, eu consegui bilhetes para a sessão de domingo à noite para irmos ver A Magia de Paris.
– A Magia de Paris! – exclamei, esquecendo momentaneamente de todos os médicos e clínicas. – Estás a brincar! Não acredito! Oh, obrigada! – A Magia de Paris era um musical que eu andava a morrer por ver.
– Também podemos ir ao Rockefeller Center ver a árvore de natal – continuou a minha mãe. – Pensa nisso, Stacey. Vamos a Nova Iorque na altura do Natal. Tu sempre adoraste a cidade nesta altura do ano.
– Está bem – respondi, voltando à realidade. Bilhetes para A Magia de Paris não compensavam o que os meus pais me estavam a fazer. – Então, o que é que a doutora Werner pensa do… como é que se chama o novo médico?
– Doutor Barnes – disse o pai.
– O que é que a doutora Werner pensa do doutor Barnes?
– Ela ainda não sabe do doutor Barnes – afirmou a mãe.
– Mas, mãe, eu gostava de falar primeiro com a doutora Werner.
– Stacey, não és tu quem manda aqui. Eu e a tua mãe é que tomamos as decisões – afirmou o meu pai.
– Decisões sobre mim e o meu corpo.
– É isso que os pais fazem – retorquiu ironicamente.
– Então, o que é que o doutor Barnes tem de tão especial? – questionei. – Porque é que o temos de ir ver?
– Ele pratica medicina holística.
– Um médico que cura pela fé? – guinchei. – Vão levar-me a uma pessoa religiosa à espera de um milagre? – Os meus pais tinham feito coisas bastantes desesperadas ao longo dos meses, mas nada comparado com isto.
– Stacey, pelo amor de Deus, claro que não – disse o meu pai. – Acalma-te. Medicina holística lida com o paciente como um todo, não só com a parte física, mas também a parte mental, emotiva, social, nutricional…
– Já percebi, já percebi – sussurrei envergonhada.
O pai bebeu o resto do seu café, a mãe deu um gole no seu vinho e eu mexi o meu sumo com a palhinha.
– Bom – disse o pai –, nós apenas queremos que saibas ao que vais e que mantenhas esses dias livres para a nossa viagem.
– E a matéria da escola que vou perder? – interroguei.
– Iremos falar com os teus professores antes de partirmos. Talvez possas levar os trabalhos de casa e fazê-los na clínica – declarou a mãe. – Assim, quando voltarmos, não estarás tão atrasada em relação aos teus colegas.
Assenti.
– Acho isto muito injusto – afirmei calmamente.
Ambos os meus pais suspiraram.
– Bem, lamentamos que penses isso, querida – retorquiu a minha mãe. – Mas é assim que as coisas são.
***
No sábado à tarde, fui tomar conta da Charlotte Johanssen. Já tinha trabalho há uma semana. Sabia que os pais dela contratavam a Agência durante a semana, porque assim não tinham de se preocupar em chegar cedo a casa. Não via a Charlotte desde a Festa para Irmãos Mais Velhos. Como lhe tinha prometido, levei comigo o Kit Infantil e começámos a ler O Grilo em Nova Iorque.
Quando os Johanssen chegaram a casa, esperei até a mãe da Charlotte me ter pago para, finalmente, lhe fazer uma pergunta.
– Posso falar consigo, por favor? – questionei.
– Claro que sim, Stacey – respondeu a doutora Johanssen. – Vamos até ao escritório. – Atravessámos o hall e a doutora Johanssen fechou a porta. – O que se passa? Estás a sentir-te bem? – interrogou.
– Esse é o problema. Eu sinto-me bem. Mas a minha mãe e o meu pai querem que eu seja vista por um novo médico em Nova Iorque. Ele vai fazer-me novos exames na clínica dele. Teremos de estar fora durante cinco dias.
A doutora Johanssen abanou a cabeça num gesto de simpatia pela minha situação.
– Ele pratica medicina holística. O meu pai explicou-me o que isso significa – continuei rindo. – Eu achava que ele era alguém que curava pela fé.
No entanto a mãe da Charlotte não se riu. Apenas olhou para mim com um olhar duro.
– Holística. Uma clínica? Sabes como é que esse médico se chama?
– Doutor Barnes.
A doutora Johanssen suspirou.
– Não estás assim tão errada, Stacey. O doutor Barnes intitula aquilo que faz como medicina holística, mas, na verdade, ele cura pela sua fé. Sinceramente, não acho que ele seja mais do que um charlatão. Acontece apenas que está a conseguir ter muita publicidade. E está a dar cabo da reputação de muitos bons médicos que praticam a verdadeira medicina holística. Não o conheço pessoalmente, mas foi o que ouvi dizer em relação à sua pessoa – acrescentou ela.
– Eu sabia, eu sabia – murmurei.
– Mas não te preocupes. Tanto quanto sei, o doutor Barnes não te vai fazer mal. Ele não irá mexer na tua insulina e, se mudar a tua dieta, não serão grandes mudanças. O que ele vai fazer, posso garantir-te com quase toda a certeza, é recomendar todos os tipos de programas caros e terapias que irão fazer a tua vida mais saudável e alegre possível. Irá dizer aos teus pais que irão ajudar o teu corpo a livrar-se da doença.
– Que tipo de terapias? – perguntei.
– Oh, todas e mais alguma. Ele vai dizer aos teus pais para te levar a um psicólogo ou a um psiquiatra, vai dar-te uma série de exercícios e pôr-te a seguir uma terapia recreativa. Talvez recomende que mudes de escola para que possas ter um ensino adaptado a ti e às tuas necessidades.
– Não! – exclamei.
– Não há nada de errado com nenhuma destas coisas. É só que, bem, eu não acredito que haja um programa especial que possa curar a diabetes.
Levantei-me.
– Claro que não há! Eles enlouqueceram? Como é que um psiquiatra vai alterar a minha glicemia? A doutora Johanssen tem de me ajudar. Ajude-me a fazer os meus pais ver que não vale a pena ir.
– Stacey, eu gostava muito, mas acho que não devo interferir. Mal conheço os teus pais.
– Mas, conhece-me a mim e é médica.
– Sim, mas não sou a tua médica.
– Por favor?
A doutora Johanssen também se pôs de pé e colocou um braço à minha volta.
– Deixa-me pensar como o fazer, querida. Não posso intervir diretamente, mas antes de ires para Nova Iorque eu… – Ela fez uma pausa. – Prometo que não te vou deixar ir para Nova Iorque sem fazer alguma coisa. Só preciso de pensar. Pode ser?
Assenti.
– Obrigada.
Nessa tarde, quando estava a caminho de casa, prometi a mim mesma que não deixaria o doutor Barnes pôr-me em nenhum programa. Mas tinha apenas duas semanas para pensar como o impediria de o fazer.
2 Holy significa santo ou sagrado em inglês. (N. da T.)