Durante anos, os meus pais viram-me a ir para a escola com roupas e acessório nada comuns como, por exemplo: uma boina com o pin de um dinossauro, personalizar os meus ténis vermelhos com missangas e glitter, calçar perneiras com pegadas desenhadas, usar borboletas de plástico no meu cabelo. Houve uma altura, ainda em Nova Iorque, em que durante duas semanas usei luvas vermelhas sem as pontas dos dedos. E os meus pais nunca fizeram um único comentário em relação às minhas decisões.
Mas nem eles tinham alguma vez visto nada parecido com aquilo que a Kristy fez os membros do Clube das Baby-Sitters usarem para ir para a escola na segunda-feira a seguir ao fim de semana prolongado do Dia de Ação de Graças. Até eu me sentia envergonhada. E a coitada da Mary Anne parecia que preferia mil vezes ficar presa numa ilha deserta sem forma de sair.
A Kristy tinha andado atarefada nas miniférias. Ela fez, para cada uma de nós, um daqueles cartazes para vestir que têm uma mensagem na parte da frente, na zona da nossa barriga, e outra na parte de trás, nas nossas costas. A parte da frente dizia: JUNTEM-SE AO MELHOR CLUBE DA CIDADE. E a parte de trás tinha escrito com o design que a Claudia tinha desenhado para os nossos panfletos: O CLUBE DAS BABY-SITTERS.
– Ponham isto – pediu a Kristy quando nos encontrámos na rua em frente à minha casa. Ela já trazia o dela vestido.
– Agora? – interroguei.
A Kristy acenou com a cabeça.
– Combinámos recrutar novos membros para o clube hoje, por isso, mais vale começarmos agora, a caminho da escola. Haverá imensos miúdos a ver-nos.
– É esse o meu medo – sussurrou a Claudia.
Encolhi os ombros. Depois pousei o meu caderno.
– Bom, eu estou pronta.
A Kristy ajudou-me a enfiar um dos cartazes com o anúncio pela minha cabeça e eu ajustei as alças nos meus ombros. Depois ajudámos a Claudia e a Mary Anne a vestir o delas. A pobre Mary Anne tinha as bochechas vermelhas de vergonha.
– Muito bem, vamos a isto – declarei. Acenei adeus aos meus pais, que estavam parados à frente da porta, a ver a minha figura ridícula.
Pusemo-nos a caminho da EB 2,3 de Stoneybrook. Durante todo o percurso, havia miúdos a parar e a olhar para nós.
– Espero não encontrar o Trevor – murmurou a Claudia para mim.
O Trevor Sandbourne é o pseudo-namorado da Claudia. Ele convidou-a para ser o par dele na Festa de Halloween e foram juntos ao cinema uma vez. Compreendia bem porque é que ela não queria que o Trevor a visse assim.
– Eu sei – respondi. – Também espero não ver o Pete. Ou o Sam.
– Oh, não. Oh, não! – guinchou de repente a Claudia.
– O que foi? Viste o Trevor? O Pete?
– Não. Olha. – A Claudia apontou para a estrada atrás de nós.
Virei-me. Uma carrinha da escola cheia de alunos do secundário vinha na nossa direção. Eles puseram a cabeça de fora das janelas e começaram a gritar para nós:
– Ei, ei!
– Uhhh, o Clube das Baby-Sitters.
– Ei, miúdas, dêem-me o vosso número! Eu posso precisar de uma ama!
A Kristy endireitou-se e continuou a andar, olhando sempre para a frente.
– É a minha morte. É a minha morte – sussurrei para a Claudia. Mas disse a mim mesma que parecia uma totó para o bem do clube. O clube valia a vergonha que estava a passar.
Chegámos à escola quinze minutos antes do primeiro toque.
– Muito bem, agora cada uma tem de ir para um lado – instruiu a Kristy.
– Queres dizer que vamos ter de fazer isto sozinhas? – questionou a Mary Anne incrédula.
A Kristy assentiu.
– Sim – disse de forma convicta. – Andem à volta do edifício onde os miúdos vos consigam ver assim que chegarem à escola. Se alguém vos fizer perguntas, falem-lhes sobre o clube. Certifiquem-se de que eles compreendem bem que podem ficar com o dinheiro todo que ganharem. E tentem recrutar especialmente alunos do oitavo ano. Digam-lhes que a primeira reunião a que terão de comparecer é na quarta-feira.
Separámo-nos. Eu fiquei a passarinhar à frente da entrada principal da escola. Todos os miúdos que passavam ficavam a observar-me. Alguns apontavam para o cartaz e depois viravam-se para os amigos a dizer alguma coisa. Outros riram-se de mim. Apenas três pessoas me fizeram perguntas.
– O que é o Clube das Baby-Sitters? – quiseram saber as três. Eu expliquei-lhes. Até lhes contei sobre algumas das crianças de quem tomávamos conta.
– Deves conhecer a Charlotte Johanssen – disse a uma rapariga (que, infelizmente, era do sexto ano). – É uma menina tão querida. Ela adora ler.
– Tu lês com ela? – questionou a rapariga espantada. – Meu Deus, quando eu fico a tomar conta de alguma criança, aproveito para ver televisão.
– Aproveitas? – interroguei – O que é que as crianças fazem enquanto vês televisão? Veem contigo?
Ela encolheu os ombros.
– Às vezes… Não me preocupo com o que eles fazem.
– Oh… – Ela não era aquilo que nós procurávamos para o nosso clube. Fiquei aliviada quando não me fez mais perguntas.
– Temos de ir a três reuniões por semana? Não acho que consiga encaixá-las no meu… no calendário – disse a segunda pessoa, um rapaz.
A terceira pessoa era uma rapariga do oitavo ano que odiava a Liz Lewis. Perfeito!
Falei-lhe sobre a Charlotte.
Falei-lhe sobre o David Michael.
Falei-lhe sobre o Jamie.
Falei-lhe sobre a Claire e a Margo Pike e a Nina e a Eleanor Marshall. Depois contei-lhe sobre as reuniões e o caderno do clube.
– Parece-me demasiado trabalho – afirmou e foi embora.
A campainha tocou a indicar que era hora de ir para as aulas. O Clube das Baby-Sitters entrou junto na escola enquanto eu, a Claudia e a Mary Anne tirávamos os fatos-cartazes.
A Kristy estava com um grande sorriso.
– Como correu? – perguntou ela.
– Terrivelmente mal – murmurei.
– Horrivelmente mal – disse a Claudia.
– Pessimamente mal – declarou a Mary Anne – Porque é que estás a sorrir?
– Porque tenho boas notícias! – anunciou a Kristy – Mas não vou falar delas aqui na escola. Conto-vos tudo durante a reunião de logo à tarde… E voltem a pôr os vossos cartazes. Usem-nos nos corredores e no refeitório.
– No refeitório?! Como é que é suposto comermos com estas coisas postas? – inquiriu a Claudia zangada. – Nem nos conseguimos sentar.
– Bem, pelo menos usem-nos na fila do almoço.
– Está bem – resmungou a Claudia, voltando a vestir o cartaz, tal como eu e a Mary Anne estávamos a fazer.
Parei no meu cacifo para guardar o meu almoço e tirar os meus livros para as disciplinas daquela manhã. Depois corri para a aula de inglês. No caminho cruzei-me com o Pete Black.
Quase desmaiei.
Entre a aula de matemática e a aula de francês avançado (estava na turma de francês avançado porque na escola que eu frequentava em Nova Iorque tínhamos aulas de francês logo desde o jardim infantil) voltei a passar pelo Pete.
Ele não olhou para mim. Será que não me tinha realmente visto ou teria vergonha de falar comigo por causa do cartaz?
Não importava porque à hora de almoço, quando eu cheguei à nossa mesa no refeitório, ainda a usar corajosamente o cartaz, o Pete olhou para mim e sorriu.
– Deixa-me ajudar-te a tirar essa coisa – disse ele, pegando nas alças e puxando-o para cima, pela minha cabeça.
– Envergonhado por me veres enquanto uso isto? – perguntei.
O Pete sorriu.
– Não… Bem, talvez um bocadinho. Mas é preciso coragem para fazer o que andas a fazer.
– Queres entrar no clube? Dava-nos jeito ter alguns rapazes.
O Pete engasgou-se.
– Eu? A tomar conta de crianças?
– Claro, porque não?
– Eu… Eu não saberia o que fazer.
– Bem, não faz mal. Esquece lá isso.
Concentrámo-nos nos nossos almoços. O Pete é muito sério quando se trata de comida. Já estávamos a comer há cinco minutos quando reparei que a cara dele estava a ficar vermelha.
– Ei, o que se passa? Estás bem? – Pensei que ele pudesse estar a engasgar-se.
O Pete engoliu.
– Sim, claro. Estou bem. Mas tenho de te perguntar uma coisa.
– Está bem.
– Estava a pensar se… queres ir ao Baile de Natal comigo?
– Mas isso é só em dezembro, não é?
– Nós estamos em dezembro. Hoje é dia um de dezembro.
– Oh, uau! Tens razão. – Sentia-me tão lisonjeada. Apesar de já estarmos em dezembro, faltavam quase três semanas inteiras para o baile e o Pete já me estava a convidar. – Adorava ir contigo – respondi. – Obrigada.
A Claudia sorriu para mim do outro lado da mesa. De repente, senti que já não me importava nada de andar vestida com o cartaz.
*
A Kristy estava de muito bom humor na nossa reunião dessa tarde. Mas não sabia porquê.
– Ninguém quis juntar-se ao clube – disse-lhe. Estava a relaxar na cama da Claudia, com os meus pés na cabeceira. – Parece exigir demasiado trabalho.
– Pois parece – apoiou a Claudia, que estava sentada ao meu lado e mexia na fronha da sua almofada, à procura dos doces que lá tinha escondido.
– Sim – concordou a Mary Anne sentada na cadeira de madeira, estilo realizador.
– Mas eu consegui dois novos membros – contou-nos a Kristy orgulhosa. – E são ambas do oitavo ano.
– Estás a brincar! – exclamei – Isso é ótimo!
– Como se chamam? – perguntou a Claudia.
– Janet Gates e Leslie Howard.
A Claudia franziu o sobrolho.
– Pensei que elas eram amigas da Liz – disse lentamente.
A Kristy fez um ar convencido.
– Já não são. Elas faziam parte da Agência, mas desistiram. Não gostaram.
– Traidoras.
– Já? – questionou a Mary Anne.
– Sim – respondeu a Kristy.
– Meu Deus, se os miúdos estão a desistir tão cedo é porque a Agência deve ser mesmo muito má – afirmei.
– A Leslie disse-me que elas não gostaram do facto da Liz e da Michelle ficarem com parte do dinheiro que elas ganhavam. Para além disso, a Liz dava-lhes as crianças piores para elas tomarem conta. Guardava os bonzinhos e bem comportados para ela e para a Michelle.
– Então elas vêm à próxima reunião? – quis saber a Claudia.
– Sim.
– Mas… há algo de errado em relação a isto – notou a Mary Anne. – Alguma coisa… Já sei o que é. Lembram-se de quando estávamos a fundar o clube e a decidirmos se devíamos convidar a Stacey para se juntar a nós? Não a conhecíamos, por isso, perguntámos-lhe tudo sobre o seu trabalho como baby-sitter em Nova Iorque. Queríamos um clube com boas amas. Baby-sitters dedicadas. Sabes alguma coisa sobre a Janet ou a Leslie, Kristy?
– Bem, não – admitiu ela.
– E já lhes disseste que podiam tornar-se membros do nosso clube?
– Sim…
– Meu Deus, não tenho a certeza se foi uma boa ideia.
– Parece arriscado – concordei.
A Kristy olhou para nós incomodada.
– Bem, agora é tarde de mais. Teremos de rezar pelo melhor.
A Claudia encontrou os doces que tinha escondido na fronha da almofada e distribui-os pela Kristy e a Mary Anne. Elas desembrulharam os doces e começaram a trincá-los.
– Bom, mas há um ponto positivo no meio disto tudo – pensei em voz alta.
– Qual? – quiseram saber as minhas amigas entusiasticamente.
– Se a Agência é assim tão horrível quanto a Janet e a Leslie dizem ser, talvez não dure muito tempo.
– Talvez – concordaram elas.
Ficámos as quatro sentadas em silêncio. Passado um momento percebi que estávamos as quatro a olhar para o telefone fixo.
– Pergunto-me se conseguiríamos fazer com que ele tocasse se nós as quatro nos concentrássemos com todas as forças nele – comentei. Tentámos, mas nada aconteceu.
Às seis horas, quando a reunião terminou, ainda não tínhamos recebido um único telefonema para o Clube das Baby-Sitters.