Nerezza não apareceu naquela noite, nem na seguinte. Não enviou criaturas cruéis para os atacar enquanto mergulhavam nas águas frias do Atlântico para procurar.
Nada se escondia na floresta, nem pairava no céu.
Sasha não teve visões.
Riley usou o tempo em proveito próprio. Treinou, praticou, exercitou-se até o corpo começar a voltar à normalidade. Passou horas com livros, computadores, anotações.
E mais horas com Doyle na cama. Ou no chão.
Foi até Dublin com Sawyer, usando como desculpa uma viagem para compra de provisões e deixando para trás uma amuada Annika. Já que lá estavam, aproveitou para substituir a sweatshirt arruinada.
E já que lá estavam, aproveitou também para arrastar um atordoado Sawyer até um pub para beberem uma cerveja.
— Se calhar, devia ter comprado um já feito.
— Assim tem mais significado.
— Sim, mas… assim já estaria resolvido.
Riley recostou-se para apreciar a sua Guinness, pois, na sua opinião, não havia nada que se comparasse a uma Guinness bem tirada, lentamente saboreada num pub irlandês parcamente iluminado.
Se se acrescentasse um prato com batatas fritas, ainda quentes da fritura e salpicadas com sal e vinagre? Então era a perfeição.
— Estás a ficar com medo?
— Não. Não, é que… — Sawyer bebeu um trago rápido de cerveja. — Eu vou ficar noivo… com anel e tudo. É um momento importante.
Feliz por brindar ao facto, Riley levantou a sua caneca. — Ao momento.
— Pois. — Sawyer tocou com a caneca na dela e olhou em volta como se se tivesse esquecido de onde estavam. — É estranho estar aqui, com esta gente toda, simplesmente a beber uma cerveja. Ninguém sabe o que raio se passa, Riley, excetuando nós os dois.
Riley deu uma dentada numa batata frita e olhou também em volta, reparando no burburinho das conversas, na energia e nas cores.
A luz era ténue, num dia em que o Sol aparecia timidamente por entre as nuvens e o ar cheirava a cerveja, a batatas fritas e a puré de vegetais.
Vozes em alemão, japonês, italiano. Sotaques americano, canadiano, britânico e irlandês.
Sempre havia considerado um bom bar europeu uma espécie de Nações Unidas em ponto pequeno.
— Sentia falta de pessoas, — constatou ela, — e geralmente não sou assim. Mas sentia falta do barulho e da energia. Dos rostos e das vozes de desconhecidos. É bom que não saibam que raio se passa. Não podem fazer nada. E estarmos aqui sentados como pessoas normais, a beber uma cerveja normal num pub normal é também um momento importante.
— Tens razão. Tens razão. No fundo, é por isto que lutamos.
— Um mundo em que qualquer um possa tomar uma cerveja às quatro da tarde de uma terça-feira.
— Ou ficar noivo de uma sereia.
— Isso talvez seja um bocadinho difícil para quase todos neste pub ou em Dublin, exceto tu. Mas, sim, posso brindar a isso. — Olhou para a empregada de mesa, uma jovem de rosto alegre e cabelos de um intenso tom roxo. — Estamos bem, obrigada.
— Quando eu terminar, e este mundo estiver mergulhado em escuridão, beberei o vosso sangue.
A rapariga tinha um sorriso fácil e uma bonita entoação na voz. E o seu olhar era vazio e louco. Riley enfiou a mão debaixo do casaco e abriu o coldre.
— Não — sussurrou Sawyer, com os olhos fixos no rosto da empregada de mesa. — Ela é inocente.
— Vocês são fracos. Achavam que podiam destruir-me? Estou cada dia mais forte.
Enquanto a observavam, o cabelo roxo cresceu e tornou-se cinzento-escuro com madeixas pretas. Os seus olhos azuis enegreceram quando fitaram Riley. — Talvez faça de ti animal de estimação e te ofereça ao Malmon.
Embora mantivesse uma mão sobre a arma, Riley agarrou na cerveja. — Que maçadora… — disse ela, e bebeu.
A mesa tremeu; as cadeiras abanaram. E, sem dar por nada, os restantes clientes continuaram a beber e a falar.
Sawyer levantou um dedo e girou-o. — Eh, se queres fazer papel de empregada de mesa, coisa que te assenta muito bem, talvez pudesses ir buscar-nos uns frutos secos para acompanhar as cervejas e as batatas fritas.
A raiva tingiu de rosa a clara pele irlandesa. — Arranco-te a carne dos ossos e dou-a de comer aos meus cães.
— Pois, pois. Frutos secos?
— A tempestade aproxima-se.
A empregada de mesa pestanejou e ajeitou os cabelos roxos com ar desorientado. — Desculpem, estava distraída. Desejam mais alguma coisa?
— Não, obrigada. — Riley bebeu um longo gole e esperou que a rapariga se afastasse. — Foi divertido.
— Ficámos sem os frutos secos.
Riley soltou uma gargalhada e levantou um punho para chocar com o de Sawyer. — Tens as pedras, Sawyer. E eu diria que é melhor voltarmos para casa e contarmos o que se passou. A Nerezza está a recuperar e vai querer caçar-nos.
Enquanto se levantavam, Sawyer suspirou. — Agora temos de lhes dizer que estivemos em Dublin.
— Não há como evitar — concordou Riley. — Deixa-me tratar eu disso.
— Com todo o prazer.
Dada a situação, Sawyer não viu nenhum problema em deixar Riley assumir o comando. Assim que chegaram, encaminharam-se para a cozinha e ele limitou-se a enfiar as mãos nos bolsos, onde havia guardado as bolsas da joalharia, e a manter a boca fechada.
Sasha estava sozinha, a moldar massa de pão em baguetes. — Eh, já voltaram!
— Sim, e cheira aqui muito bem.
— Estou a fazer o molho para a lasanha e a ver como me saio a fazer pão italiano. É divertido. Espero que tenham arranjado a ricota e a mozarela.
— Oh. — Merda. Riley enfiou também as mãos nos bolsos. — Acerca disso…
— Precisam de ajuda para trazer os sacos das compras? A Annika está lá em cima com o Bran e… não sei onde está o Doyle. — Sasha escolheu uma faca e fez cortes diagonais nos pães. — Deixem-me só deixar isto a levedar e já vos ajudo.
— Nós não trouxemos propriamente provisões.
— O quê? Porquê? Onde estiveram?
— A Annika está na torre, certo? O Sawyer queria arranjar umas pedras para um anel de noivado, por isso…
— Sawyer! — Sasha largou o pano de cozinha e correu a abraçá-lo. — Isto é tão… Pedras? Não um anel?
— É que eu estava a pensar que podias ajudar-me a desenhar um, e depois talvez o Bran…
— Oh! Que ideia maravilhosa! — Abraçou-o outra vez. — Ela vai adorar. Mal posso esperar para começar. Diz-me o que tens em mente.
— Na verdade, precisamos de adiar isso um bocadinho. Certo? — perguntou ele a Riley.
— Certo. Quando estivemos em Dublin…
— Dublin? — Sasha ficou boquiaberta e deu um leve empurrão a Sawyer. — Vocês foram a Dublin.
— Bem, resumindo… Eu tinha um contacto, por isso demos um salto até lá para ir buscar as pedras, e estávamos a beber um copo quando…
Quando Sasha levantou um dedo, Riley calou-se. — Vocês foram até Dublin… a rapidez da viagem é irrelevante — disse Sasha, interrompendo eficazmente o principal argumento de Riley. — Não disseram nada a ninguém. E pararam para beber um copo?
— Talvez tivesses de estar lá. E, certo, comprei uma sweatshirt. Precisava de uma sweatshirt. Não andámos propriamente a passear por Grafton Street.
— Qualquer um que deixe a propriedade tem de deixar claro onde está. É óbvio que aconteceu alguma coisa. Vou chamar os outros e depois bem podem explicar-se.
Enquanto Sasha tapava cuidadosamente os pães com o pano, Sawyer arrastou constrangidamente os pés. — Podemos omitir a razão da viagem? Pelo menos quando a Annika estiver aqui?
Sasha fitou-o friamente. — Vocês só precisavam de me ter avisado, ou então o Bran, ou o Doyle. Nós sabemos guardar segredos. Vou chamá-los.
A sós com Sawyer, Riley soltou um longo suspiro. — A mamã está muito dececionada connosco.
— Sinto-me um idiota. Como é que ela conseguiu fazer-me sentir um idiota sem sequer levantar a voz?
— É um dom. Vou abrir um vinho. Não acabámos aquela cerveja e tenho a sensação de que vamos precisar de bebidas de adulto.
— E também não comprámos as provisões. Como é que nos esquecemos das provisões?
— Estávamos com um bocadinho de pressa para regressar — recordou-lhe Riley. Abriu uma garrafa de vinho tinto, tirou copos e preparou-se para enfrentar as consequências.
Annika desceu alegremente a escada das traseiras, pois há muito que havia esquecido o amuo, enquanto Doyle entrava pela porta do jardim.
— Vamos beber vinho? O Bran e eu temos estado a trabalhar muito. Vinho é bom. — Annika abraçou Sawyer e aconchegou-se nele. — E tu também és.
Sawyer afagou-lhe os cabelos e dirigiu um sorriso amarelo a Riley.
— Mostra alguma solidariedade — disse Riley a Doyle, antes de ele ir buscar uma cerveja. Ela serviu seis copos.
Antes de agarrar num, Doyle estudou-lhe o rosto. — O que se passa?
— Tudo de uma vez, todos de uma vez. — E pela expressão no rosto de Bran, que entrava com Sasha, concluiu que ele já havia sido parcialmente informado.
— Bem, é o seguinte. — Para ganhar coragem, Riley bebeu um gole. — O Sawyer e eu deslocámo-nos a Dublin.
— O que é Dublin? — perguntou Annika.
— É a capital da Irlanda. — O olhar de Doyle endureceu. — Fica na costa leste do país.
— Isso é muito longe para ir comprar comida. É uma cidade? — continuou Annika, afastando-se de Sawyer. — Mas não me levaste?
— Não, eu… Bem, nós…
— Ele precisou de ir lá para fazer uma coisa para ti. Uma surpresa para ti.
Nada comovida, Annika olhou para Riley de sobrolho franzido. — Uma surpresa para mim? O que é?
— Anni, uma surpresa implica que não saibas ainda o que é. Eu quero ajudá-lo a fazê-la.
— Mesmo assim — interrompeu Bran, num tom tão reprovador como o de Sasha havia sido. — Viajar até tão longe, por que motivo for, sem avisar os restantes, é completamente contrário a tudo o que temos feito e nos tornámos.
— A culpa é minha… — começou Sawyer, mas Riley interrompeu-o.
— Não, estamos juntos nisto. E tens razão. Direi que me deixei levar pelo entusiasmo e vamos ficar por aqui. O Sawyer pode desculpar-se depois.
— Eh.
— Eu só acho que és melhor nisso do que eu. Podemos continuar a falar sobre o quão estúpidos, ou irresponsáveis, ou o que raio fomos… ou podemos contar-vos o que aconteceu e que é muitíssimo mais importante.
— És péssima a desculpar-te — resmungou Sawyer.
— Eu disse-te.
— Nerezza. Foi a Nerezza. — Sasha avançou. — Consigo sentir agora.
— Ao vivo e em pessoa. Ou na pessoa de uma empregada de mesa, num pub perto de Grafton.
— Foram beber cerveja? — perguntou Doyle, irritado.
— Oh, como se tu não fizesses a mesma coisa. Concluímos o nosso… negócio e fomos beber uma cerveja antes de regressarmos. E eu mal tinha começado a saborear a minha Guinness, quando a empregada se aproximou. De início, com a própria cara, o próprio corpo e a própria voz. O que é que ela disse? — Riley fechou os olhos por um momento para conseguir recordar-se. — Ela disse: «Quando eu terminar, e este mundo estiver mergulhado em escuridão, beberei o vosso sangue.» — Olhou para o vinho tinto que tinha na mão, refletiu brevemente e bebeu quase por despeito. — E se acham que não é assustador ouvir isto da boca de uma jovem e bonita empregada de mesa com sotaque irlandês, estão enganados.
— As pessoas estavam na sua — acrescentou Sawyer. — Não podíamos atacá-la. Ela era apenas uma miúda. A Nerezza estava a usá-la, por isso não podíamos propriamente dar-lhe uma tareia.
— Nem dar-lhe um tiro, como o Sawyer me alertou. Ela disse que éramos fracos e que estava a ficar mais forte.
— Para provar isso, mostrou-nos. A rapariga mudou e ela apareceu no meio do pub cheio de gente. Os cabelos dela já não são só cinzentos; têm madeixas pretas. E ela está um bocado envelhecida, mas não como quando a agarrei em Capri.
— Está a sarar — murmurou Sasha. — A recuperar a sua força e o seu poder.
— A Riley insultou-a. Disse-lhe que era maçadora.
— Willow má. Alusão à Buffy.
Doyle deu um ligeiro empurrão a Riley. — Importas-te?
— Olhem, visto que, na realidade, era apenas uma miúda inocente, insultá-la era a única coisa que eu podia fazer. Tudo o que podíamos fazer.
— Ela disse que talvez fizesse da Riley animal de estimação e a oferecesse ao Malmon.
— Pois sim…
— Não descartes a hipótese — retorquiu Sawyer. — Por algum motivo, és o alvo dela neste momento. Quando ela se irritou com a Riley, o pub tremeu. Garrafas e copos abanaram. Ninguém deu por nada.
— Então, o Sawyer resolveu provocá-la e disse que ela bem podia ir buscar-nos uns frutos secos. Ela ficou ainda mais irritada e começou a dizer que nos arrancava a pele e a dava de comer aos cães. Como não podíamos atacá-la, resolvemos ignorar. A última coisa que ela disse foi: «A tempestade aproxima-se.» Depois a empregada de mesa regressou com um ar aturdido e confuso.
— Ela não tentou fazer-vos mal. — Bran anuiu com a cabeça, agarrou finalmente no seu vinho e passou um copo a Sasha. — Estava diante de dois apenas, num espaço público fechado, onde vocês hesitariam usar força ou violência, mas não vos atacou.
— Porque não podia — concluiu Sasha. — Ela ainda não está suficientemente forte para isso. Para ilusões, para usar outros meios… mas não para atacar pessoalmente.
— Ela não estava realmente lá. Entendi bem? — perguntou Doyle, virando-se para Bran. — Era apenas a sua imagem.
— Penso que seria isso, sim.
— Se ela estivesse mais forte, não estaríamos lá convosco. — Annika aproximou-se de Sasha, afastando-se de Sawyer. — Não saberíamos que estavam tão longe. E se tivessem sido levados, ou feridos, não saberíamos.
— Mas não fomos. — Sawyer sentiu necessidade de salientar o facto. — Desculpem, foi mal avaliado, mas não fomos levados nem feridos. E todos nós estamos sozinhos ou apenas com parte da equipa o tempo todo.
— Não sozinhos ou com parte em Dublin — ripostou Doyle.
— Daí a má avaliação. Fizemos a coisa da maneira errada, mas conseguimos algumas informações. Podem continuar a censurar-nos pela má avaliação, ou podemos usar a informação que conseguimos.
— Também és péssimo a desculpar-te — comentou Riley.
— Parece que sim. Olhem, o que eu fui lá fazer era realmente importante para mim. Fi-lo de maneira errada e lamento isso. Mea culpa ao quadrado, sinceramente. E é isto.
— Talvez seja melhor esfriarmos todos um bocadinho, para depois podermos discutir isto de maneira mais sensata. — Sasha afastou-se para ir mexer o molho. — E continuamos a precisar de provisões.
— Não compraram as malditas provisões — disse Doyle.
— Distraímo-nos um bocadinho — ripostou Riley. — Vamos agora comprar as malditas provisões.
— Não, vou eu e a Annika.
— Sim. — Annika deu o braço a Doyle. — Vamos e eu vou esfriar para podermos falar outra vez. — Estendeu a mão, de palma para cima, a Sawyer. — Tens a lista do que precisamos de comprar.
Sawyer tirou-a do bolso traseiro e entregou-lha.
— Droga — disse ele quando ela saiu com Doyle.
— Aquilo passa-lhe. Vai ter de passar a todos — disse Riley. — Fizemos o que fizemos e sofremos as consequências. Se vão continuar a repreender-nos, eu quero mais vinho.
Sasha olhou para trás. — Correram um risco desnecessário.
— Não senti isso. — Riley encolheu os ombros.
— Nem quando estavas à espera que a deusa das trevas te levasse frutos secos? — perguntou Bran.
— Nem aí. Ela queria só intimidar-nos, irlandês. Se apanhámos um susto? Claro. Mas o que ia ela fazer? Ela não luta sozinha. Devíamos ter-vos avisado… exceto a Annika. Não fazer isso foi idiotice, pura idiotice. Acho que estávamos tão compenetrados na missão secreta que nem pensámos nisso.
— Imprudente, impulsivo. E compreensível.
— Comp… — Quase sem palavras, de tão chocada que estava, Sasha virou-se abruptamente e olhou boquiaberta para Bran.
— A ghrá… Um homem apaixonado pensa muitas vezes com o coração em vez da cabeça.
Sawyer tentou dirigir um sorriso cativante a Sasha, e deu umas palmadinhas sobre o coração.
Ela fungou. — A Riley não é um homem apaixonado e devia ter mais juízo.
— Por amizade também se fazem disparates.
— Disparate não é… Vou calar-me — decidiu Riley. — Vá lá, Sash… Tudo está bem quando acaba com todos a respirar. E tu sabes que queres ver as pedras. Queres muito ver as maravilhas cintilantes que o Sawyer comprou para o anel.
— Eu não quero… Raios, claro que quero vê-las.
Aproveitando a deixa, Sawyer tirou as bolsinhas do bolso. — Esta é a principal.
Pousou a pedra na sua mão. Perfeitamente redonda, de um azul belíssimo, a pedra reluzia como um pequeno lago.
— Água-marinha. — Bran sorriu e esfregou o ombro de Sasha. — De acordo com as lendas, as sereias cobiçavam as pedras.
— Água do mar; o nome significa água do mar, por isso tem tudo a ver — acrescentou Riley.
— É linda, Sawyer. Posso? — Sasha levantou a pedra e observou-a. — Oh, tantos tons de azul! Não podias ter escolhido nada mais apropriado para ela.
— Achas? Também tenho estas pequeninas. — Da segunda bolsa, Sawyer despejou uma série de diamantes diminutos, safiras cor-de-rosa e mais águas-marinhas. — Estava a pensar que podias inventar alguma coisa e comprei estas. — De uma terceira bolsa, tirou duas alianças de platina. — E depois talvez o Bran pudesse juntar tudo.
— Com todo o gosto.
— E já estou com algumas ideias. — Sasha examinou uma vez mais a pedra e devolveu-a. — Isso não significa que não continue chateada.
— Se estás só chateada, já é um progresso. — Sawyer voltou a guardar as pedras e as alianças.
— Em nome do progresso, gostaria de acrescentar uma coisa. Quando a cabra disse que se aproximava uma tempestade, os pelinhos da minha nuca eriçaram-se todos.
Sawyer olhou para Riley. — Tu também?
— Oh, sim. Vem aí alguma coisa em grande. Aquilo não foi só bazófia. Para mim, aquilo saiu-lhe por despeito, mas tinha fundamento. Talvez te suscite alguma coisa.
— Para já, não — disse-lhe Sawyer.
— Mas dá que pensar. Eu vou pensar no assunto enquanto me debruço sobre os livros. É essa a minha penitência.
— Investigar não é penitência para ti. Porém, preparar uma salada…
— Eu sou melhor nisso; ela é melhor com os livros. — Sawyer tentou de novo esboçar um sorriso cativante. — Vamos dar largas às nossas virtudes.
— Bom plano. Se precisarem de mim, estarei no quarto a estudar. — Riley escapou enquanto podia.
Talvez não lhe agradasse que Doyle e Annika continuassem irritados, mas achava que Annika não tinha feitio para ficar zangada por muito tempo. No que tocava a Doyle, engendrara um plano.
Como tinha as portas da varanda abertas, ouviu-os chegar. Aguardando o momento certo, continuou a trabalhar e a tirar notas. Doyle não demorou muito.
Quando entrou, ela estava sentada à escrivaninha. Apenas com a camisa dele sobre o corpo.
Doyle fechou a porta com determinação. — É esse o teu traje de pesquisa?
— Isto? — Riley girou na cadeira. Sim, ainda chateado, mas… interessado. — Achei que virias buscar a tua camisa. Queria simplesmente tê-la à mão.
— Achas que consegues distrair-me com sexo?
— Claro. — Riley levantou-se. — Percebo que queiras a tua camisa de volta, mas parece-me um pouco redundante quando já tens uma vestida.
Enquanto ele permanecia imóvel, ela retirou-lhe a bainha com a espada e pousou-a ao lado da cama. Voltou para trás e começou a desabotoar-lhe a camisa.
— Estás assim tão segura dos teus encantos?
— Encantos? Por favor. Tenho todas as partes femininas necessárias. Isso é encanto suficiente, principalmente para um homem que já as provou. — Largou a camisa e deu-lhe um ligeiro empurrão em direção à cama. — Senta-te, matulão, e eu dispo-te.
— Não te preocupava que o Sawyer ou o Bran pudessem entrar em vez de mim?
Mais um empurrão. — Em primeiro lugar, estou tapada. Em segundo, eras o único que entraria sem bater à porta. Senta-te — repetiu ela.
— Não vim aqui para fazer sexo. — Mas Doyle sentou-se na borda da cama.
— A vida é cheia de surpresas. — Riley tirou-lhe as botas e sorriu enquanto lhe desapertava o cinto. — Surpresa.
— Posso fazer sexo e continuar lixado contigo.
— Muito prático para ambos. — Deu-lhe um empurrão forte para o obrigar a deitar. Movendo-se rapidamente, puxou-lhe as calças de ganga e afastou-as com um pontapé.
Depois escarranchou-se em cima dele.
— E se falássemos depois?
Ele agarrou-a pelos cabelos, sem muita delicadeza, e puxou-a para baixo. Quando as bocas se encontraram, virou-a de costas sobre a cama.
Ela esperava que ele a possuísse simplesmente, sem qualquer preâmbulo — coisa que não teria objetado. Em vez disso, ele passou as mãos dos cabelos dela para os pulsos e puxou-lhe os braços acima da cabeça.
O instinto fê-la tentar libertar-se. — Eh!
— Cala-te.
Ele devorou-lhe a boca, fazendo o sangue acelerar-lhe nas veias. Ela debateu-se… não em protesto, mas com desejo de pôr as mãos em cima dele.
Ela teria de dizer não, de o mandar parar, ou teria de aceitar o que ele lhe dava. Ainda estava tomado pela raiva, e, junto com esta, ardia um desejo abrasador. Ela pensava que podia brincar com ele, e havia-o feito, mas antes de terminar, ela ia conhecer tudo o que ele queria dela.
Queria-a vulnerável, por uma vez, presa sob o seu corpo, mãos presas pelas suas. O seu corpo tremendo e contorcendo-se quando lhe tomou o seio com a boca. Quando usou os dentes para provocar dor.
Ela era capaz de o desconcertar com aqueles olhos. Agora, saberia como era sentir o controlo dissolver-se em desejo avassalador.
Puxou-lhe os braços para baixo, mantendo-lhe os pulsos presos, e deslizou sem piedade pelo seu corpo. Ela gritou quando ele usou a língua. Arqueou-se, contorceu-se e tornou a gritar quando ele não abrandou.
Mas a palavra que ela gritou não foi «não».
Foi «sim».
Ela sabia o que era arder de desejo. Sabia o que era sucumbir às necessidades, por mais selvagens que fossem. Mas aquilo ultrapassava tudo o que já havia sentido. Ele levou-a ao auge para, logo em seguida, a impulsionar em direção a outro. E uma vez mais, até lhe arderem os pulmões e o coração quase rebentar.
Quando ele lhe libertou as mãos, para poder usá-las no seu corpo, para palpar e agarrar, as dela conseguiram apenas agarrar os lençóis enquanto ele a levava à loucura.
Todos os sítios por onde aquelas mãos ásperas passavam estremeciam como se os seus nervos estivessem agora à flor da pele.
Quando ele a puxou para cima, ela tombou a cabeça para trás. Todo o seu corpo tremia, perante a ameaça de mais. Ansiando por mais.
— Não, não, tu vais olhar. Vais abrir os olhos e olhar para aquele que te vai possuir como deves ser possuída. Olha para mim, raios! Olha para aquele que sabe o que vive dentro de ti!
Ela abriu os olhos e fixou os dele, de um verde tão intenso que quase ofuscava. Mas neles viu essa necessidade e esse conhecimento. Dela, do que ela era.
Ela agarrou-lhe as ancas. — Estou a ver-te.
Meio louco, ele penetrou-a e tomou-a com o sangue a arder-lhe nas veias e o coração a bater descontroladamente. Porque a via e conhecia, e ela a ele.
E temeu que ambos estivessem condenados.
Dominada, pensou ela, quando jaziam ambos moles como cera. O que nunca havia permitido a nenhum outro, havia permitido a ele — assumir o controlo do seu corpo, da sua mente, de tudo o que era.
Uma vez esse passo dado, como era possível voltar atrás?
Como podia voltar atrás?
Quando ele rolou para ficar deitado de costas ao seu lado, o instinto dela foi aconchegar-se. Mas reprimiu-o e manteve-se como estava.
Não compliques as coisas, advertiu-se. Ela sabia abordar os assuntos sem complicar.
— Talvez fique com a camisa. É óbvio que me assenta bem.
— Podes ficar com o que resta dela.
Intrigada, ela baixou os olhos e reparou nos restos rasgados aos pés da cama. — Se continuarmos assim, daqui a nada vamos ter de andar por aí nus.
Ele virou-se, agarrou na garrafa de água que estava na mesa de cabeceira e bebeu metade. Depois lembrou-se de lhe oferecer o resto. — Marquei-te.
Ela examinou-se. Nódoas negras nos pulsos, mais umas aqui e acolá. — Nada de especial.
Mas ele levantou-se e foi buscar-lhe o frasco de unguento.
— Irritaste-me — disse ele, enquanto passava o unguento sobre as pisaduras.
— Podes reclamar comigo o quanto quiseres, porque nada atingirá o nível de severa reprovação da Sasha. — Riley bufou. — Ela pôs-me no meu lugar. Devíamos ter dito a alguém o que íamos fazer, onde íamos. O Sawyer queria arranjar material para um anel de noivado para a Anni e…
— Eu já tinha percebido, embora pensasse que tivessem ido em busca de um anel completo. Mas isso não é desculpa.
— Mensagem recebida. Foi como uma bofetada para o grupo e totalmente insensato. Mesmo assim, isto tudo… são velhos hábitos. Desculpa. O melhor que posso fazer é pedir desculpa. — Como se sentia um bocadinho frágil, Riley levantou-se da cama e vestiu a camisa rasgada. — Vou… Espera aí. Tu disseste que tinhas percebido o que fomos fazer a Dublin. A Annika também percebeu?
— É capaz, porque não é nenhuma idiota, mas eu tentei orientá-la noutra direção. Sugeri que talvez o Sawyer quisesse comprar-lhe um vestido novo, ou uns brincos. Um presente.
— Bem pensado.
— Isso acalmou-a, bem como a tortuosa meia hora que passou na lojinha que vende bugigangas diversas.
— Eu diria que te devo essa, mas, tendo em conta a atividade recente, reivindico que a dívida esteja completamente saldada. Vou tomar um duche e descer para acabar a minha penitência ajudando nalguma tarefa doméstica.
Quando Doyle mostrou intenção de se juntar a ela, Riley entrou na casa de banho e fechou a porta.
E fechou os olhos.
Ele tinha abalado tudo dentro dela. Tinha-a deixado completamente desconcertada, sem saber o que pensar.
Havia de conseguir pôr as ideias em ordem, garantiu a si mesma. Qualquer que fosse o enigma, o problema, o código, ela acabava sempre por deslindá-lo.
Despiu a camisa e constatou que cheirava aos dois, um misto de ambos. Uma combinação.
E quando a dobrou e a pousou no balcão do lavatório, sentiu-se ridícula porque sabia que não fazia qualquer tenção de a deitar fora.