Prefácio

A razão do surgimento desse livro – a primeira edição é de 1940 – se deu, à época, em virtude da crescente demanda do público por uma exposição dos traços fundamentais da teoria de Jung o mais abrangente possível, que pudesse facilitar o acesso à sua obra extraordinariamente abrangente e multiestratificada. O grande interesse com que se deparou este livro permitiu que fosse constantemente ampliado, adequando-se às mais novas descobertas de Jung, articulando-as e formulando-as de forma cada vez mais clara. Apresentar a obra de vida de um homem, o resultado de 60 anos de trabalho de pesquisa em poucas e resumidas páginas é uma tarefa quase insolúvel. Tem de restringir-se necessariamente a um esboço. Seja como for, tal livro deveria cativar o leitor interessado para se ocupar de forma intensa com os próprios escritos de Jung, copiosos em conhecimentos psicológicos e humanos e referidos a praticamente todos os âmbitos da vida e do saber.

O texto da quinta edição foi impresso sem modificações. Para melhor compreender o conjunto de difíceis pensamentos, muitas vezes apresentados de forma muito densa e compacta, foi ilustrado com 19 diagramas que servem de recurso expositivo. Foram acrescidas igualmente as assim chamadas “imagens do inconsciente”, muitas das quais com cores originais a fim de chamar a atenção para uma região da expressão psíquica e de sua simbologia inaugurada para a terapia de adultos. Nas notas de rodapé foram anexadas algumas retificações; ademais, as citações foram confrontadas com os volumes da Obra Completa publicados desde 1967 e nova edição de estudos1. Igualmente o breve curriculum vitae foi retomado e feita uma revisão da bibliografia das publicações de Jung em língua alemã. Nova é a reunião de novas ilustrações a partir da p. 163. Com isso – assim espero – se fixou o sentido e o objetivo deste livro, assim como sua justificação.

Em cada nova edição um tema importante a ser marcado da forma mais evidente possível era que Jung jamais abandonara a empiria e também que se mantinha sempre dentro dos limites por ele estabelecidos, onde era acusado de extrapolar os supostos limites de uma ou de outra ciência específica. Em virtude do “gênero” próprio de seu material, a psicologia junguiana via-se compulsoriamente obrigada a lançar mão sempre também de outros campos específicos; mas para alguém que julga com objetividade fica logo evidente que se trata de aparentes extrapolações de limites. Isso porque os fenômenos psíquicos, sejam de pessoas sadias ou doentes, só podem ser apreendidos a partir de uma visão conjuntural, que leve simultaneamente em consideração cada particularidade, exigindo assim um saber de uma ramificação extraordinariamente ampla.

Neste trabalho procurou-se evitar cuidadosamente todo tipo de polêmica, por um lado, em virtude da certeza de que, em última instância, a polêmica jamais nos persuade, acirrando ao contrário as contraposições, por outro, por reverência frente a toda atividade de pesquisa e ensino científicos sérios, mesmo sendo muito contrapostos. Isso porque o mundo da psique está acima de toda diversidade humana e acima de todo acontecimento histórico. O começo e o fim dos atos humanos jazem inseridos nela. Seus problemas continuam tendo sempre e perenemente a mesma atualidade viva. Quem nela se aprofunda não encontrará nela apenas a chave para todo o caráter terrível que provém do ser humano, mas também os germens criadores para tudo que é elevado e sagrado que a humanidade é capaz de criar, e sobre o que se fundamenta nossa esperança jamais aplacável de um futuro melhor.

Num seminário feito por ele em Basel e ainda não publicado, o próprio Jung se pronunciou assim: “Não estou convencido de que a pesquisa da alma seja a ciência do futuro. A psicologia, por assim dizer, é a mais jovem das ciências e está apenas no começo de seu desenvolvimento. Todavia, é a ciência que nos é mais necessária, uma vez que se nos mostra com cada vez mais clareza que o maior perigo para o homem não está na fome nem nos terremotos, não está nos micróbios nem no carcinoma, mas no ser humano, e quem sabe porque não existe proteção suficiente contra epidemias psíquicas, que são muito mais devastadoras do que as maiores catástrofes da natureza. Por isso seria altamente desejável que o conhecimento da psicologia se difundissem de tal modo que as pessoas pudessem compreender a partir de onde estão ameaçadas pelas maiores catástrofes”. Se pelo menos essa visão despertasse o ser humano, reconhecendo as forças obscuras presentes em sua psique – de tal modo que pudesse tirar as consequências necessárias daí, abrandando aquelas forças através de sua incorporação orgânica na psique, a fim de que elas não mais o transformem em joguete –, então, no crisol das massas ele jamais se transformaria num animal selvagem, pois teria sido dado um passo evolutivo no caminho rumo à criação de uma cultura real e duradoura. Pois enquanto o homem não começar a colocar a si mesmo em ordem, só poderá transformar-se em vítima inconstante e volúvel, servo obediente de uma massa, e jamais um membro livre de uma comunidade.

Cada coletividade, cada povo espelha de forma ampliada o estado psíquico da média dos indivíduos singulares, e em seus atos revela a profundidade e grandeza da alma de cada um em sua atuação conformadora de história. Quem, portanto, trilha sem medo o “caminho para o interior” e – superando seus perigos – segue corajosamente até o fim também poderá tomar sem receio o “caminho para fora”, para o mundo das realidades exteriores. Domará os desafios da vida na coletividade com o emaranhado confuso de seus instrumentos para a dominação da natureza, não se perdendo no labirinto do caminho interior, tampouco sucumbindo no aglomerado anônimo da massa, mas salvará tanto aqui quanto lá o valor único de sua personalidade.

E por fim gostaria de agradecer ainda ao Prof. C.G. Jung por seu incentivo compreensivo, demonstrado desde a primeira publicação deste livro, que graças a seu prólogo afirmativo feito na primeira edição continua efetivo ainda hoje. Além disso, gostaria de agradecer ao Prof. Toni Wolff por sua revisão do primeiro manuscrito, assim como ao Prof. K.W. Bash por ter feito a primeira tradução para o inglês. Ainda quero agradecer ao Sr. Candid Berz pela sua ajuda na colocação das notas de rodapé, e sobretudo ao meu filho Andreas que compôs os índices onomástico e analítico e as indicações sobre os escritos alemães de Jung. Também não se devem esquecer os inúmeros leitores que ajudaram com seu apoio para que o livro fosse divulgado mundo afora.

Janeiro de 1972
Dra. Jolande Jacobi

1. Nesta nova edição, atualizada, são indicadas as citações de Jung conforme a edição publicada desde 1971 na Walter Verlag, assim como na edição de 2011 da Obra Completa, em brochura, da Patmos. A edição de estudos já não mais está disponível.

O autor das obras que, nas notas de rodapé, aparecem apenas com o título, é sempre C.G. Jung. A abreviatura OC refere-se aos 18 volumes da Obra Completa, editada em alemão por Lilly Jung-Merker, Elisabeth Rüf, Leonie Zander et al. Walter Verlag, Olten et al. 1971ss., ou à edição Paperback da Patmos Verlag, idêntica quanto ao conteúdo, Ostfildern, 2011.

(As referências à Obra Completa estão em conformidade com os volumes da edição brasileira publicada pela Editora Vozes.)