8 – Adesão ao tratamento da dependência à nicotina

Sandra Odebrecht Vargas Nunes; David Roberto do Carmo; Heber Odebrecht Vargas; Márcia Regina Pizzo de Castro; Maria Madalena Batista de Souza Lanssoni; Regina Célia Rezende Machado

Abordagem para adesão ao tratamento em dependentes de nicotina

O presente capítulo enfocará uma avaliação das características clínicas e de adesão ao tratamento do tabagismo nos indivíduos que buscaram assistência no Centro de Referência de Abordagem e Tratamento do Tabagismo (CRATT), localizado no Ambulatório do Hospital de Clínicas (AHC) da Universidade Estadual de Londrina, que atende pelo Sistema Único de Saúde (SUS), credenciado pelo Ministério da Saúde, de acordo com a Portaria SAS/MS 442/04. (BRASIL, 2004).

As pessoas que procuram o CRATT, inicialmente, realizam uma abordagem diagnóstica para serem encaminhadas para o programa de cessação do tabagismo. A avaliação clínica inicial identifica as características sociodemográficas, história tabagística, gravidade de dependência da nicotina, comorbidades, idade de início, escala de triagem do uso de álcool, tabaco e outras substâncias, Escala de Depressão de Hamilton e medidas antropométricas.

A dinâmica de tratamento do CRATT consiste em atendimento individual realizado pela psiquiatria e de grupo terapêutico por toda equipe. São realizadas quatro sessões semanais durante o primeiro mês, quinzenais no segundo mês e mensais, até completar um ano. Realiza-se em todas as sessões a verificação do monóxido de carbono, que é considerado o padrão ouro para verificar se o paciente cessou ou não o consumo de tabaco.

A verificação da adesão ao tratamento dos tabagistas é realizada com 3 meses, 6 meses, 9 meses e 1 ano. Nesse momento, buscam-se informações por meio de um formulário sobre se cessou ou não o consumo de tabaco. Em caso de não ter logrado êxito, são verificados os motivos das recaídas, as barreiras encontradas, a frequência nos grupos terapêuticos, o uso correto da medicação prescrita e como está sua qualidade de vida.

O tabagismo é a maior causa prevenível de morte nos países desenvolvidos. A prevalência do tabagismo entre indivíduos com transtorno mental é de 50% nos pacientes psiquiátricos, em contraste com os 25 % da população geral. Também 50% da população geral consegue parar de fumar, enquanto somente 15% dos pacientes psiquiátricos o fazem. A dependência da nicotina pode ser considerada como uma expressão de vulnerabilidade psicopatológica individual, e isso deve ser ponderado nas intervenções para cessação do consumo de tabaco. (LEMOS, 2006).

Portanto, os profissionais de saúde que atuam nos Ambulatórios de Abordagem e Tratamento do Tabagismo podem utilizar do instrumento de adesão para avaliar a eficácia do tratamento e melhorar as estratégias de intervenção para cessação do uso do cigarro.

Cerca de 80% dos fumantes querem parar de fumar. No entanto, apenas 3% conseguem, a cada ano, e a maioria desse grupo consegue parar sem ajuda. A abordagem e o tratamento do fumante chegam a aumentar as taxas de cessação de fumar de 3% para 20% a 30%, em um ano. (BRASIL, 2001).

Dependentes de nicotina têm maior probabilidade de sofrer de transtornos psiquiátricos concomitantes do que a população geral. Cerca de 60% a 95% dos indivíduos apresentam dependência de nicotina concomitante com outras substâncias psicoativas, e o tratamento delas, junto com o tabaco, é um desafio. O tratamento de transtornos psiquiátricos coexistentes inclui intervenções psicossociais e/ou farmacológicas. A não adesão pode ter muitos fatores, incluindo comprometimento cognitivo, medo do paciente de interações medicamentosas prescritas e as substâncias de abuso, medo que a própria medicação prescrita seja prejudicial, mudança na motivação e falta de apoio. (AMERICAN PSYCHIATRIC ASSOCIATION, 2008).

Mesmo os pacientes que iniciam tratamento com grande motivação para alcançar abstinência terão de lutar contra o reaparecimento da fissura. Além disso, influências sociais (familiares ou amigos), influências econômicas (desemprego), condições de saúde (dores crônicas, fadiga), influências psicológicas (falta de esperança, desespero) aumentam a vulnerabilidade a um episódio de recaída, mesmo quando o indivíduo adere ao tratamento prescrito. O reconhecimento explícito dos seus esforços e êxitos ajuda a motivá-los a permanecer no tratamento, a despeito dos reveses. Pode-se aperfeiçoar seu envolvimento e sua permanência no tratamento utilizando-se estratégias de aumento da motivação e incentivando-os a participar ativamente das estratégias de autoajuda. (AMERICAN PSYCHIATRIC ASSOCIATION. 2008).

Outros obstáculos para a cessação do tabagismo são o medo de ganhar peso, medo da fissura e do fracasso. Os profissionais da saúde, diante do medo do paciente de não conseguir vencer os obstáculos para a cessação do tabagismo e o sentimento de incapacidade de mudar, deve esclarecer sobre esses sentimentos, explorar os motivos pelos quais ele fuma e oferecer apoio e respeito. Quando o paciente tem amigos que fumam ou moram com pessoas que fumam, esses fatores podem representar um obstáculo ao seu tratamento. Deve-se avaliar como essas pessoas favoreceram ou minaram as tentativas anteriores de abandono do cigarro. (AMERICAN PSYCHIATRIC ASSOCIATION, 2008).

Motivos da não adesão ao tratamento

Os seguintes pontos devem ser comunicados aos pacientes tabagistas: 1) a maioria dos fumantes tenta parar de fumar várias vezes antes de finalmente conseguir mas, com persistência, a metade de todos os fumantes param; 2) a maioria dos fumantes fracassa nas primeiras tentativas, mas quando é capaz de manter a abstinência por três meses, a recaída é improvável; 3) pode-se aliviar a abstinência de nicotina com terapia de reposição de nicotina; os verdadeiros sintomas de abstinência, em geral, duram quatro semanas ou mais, e podem incluir disforia ou depressão, irritabilidade, frustração ou raiva, ansiedade, dificuldade de concentração, inquietação, diminuição da frequência cardíaca, aumento do apetite e ganho de peso. (AMERICAN PSYCHIATRIC ASSOCIATION, 2008).

Para manter a adesão ao tratamento, é importante lidar com as suas preocupações sobre o ganho de peso. Os benefícios de parar de fumar para a saúde sem dúvida superam os riscos de aumento de peso. Em média, os fumantes pesam de 2 a 3 quilos menos do que pessoas que nunca fumaram.

O uso de álcool é um fator de risco na maioria dos estudos de recaída no tabagismo; assim é recomendável que os pacientes em tentativa de parar de fumar se abstenham de álcool ou diminuam seu consumo. (AMERICAN PSYCHIATRIC ASSOCIATION, 2008).

Parar de fumar reduz a morbidade e a mortalidade do tabagista. O grau de melhora depende do processo da doença envolvida e a quantidade de dano produzida no tempo da cessação. Por exemplo, fumantes reduzem o risco de desenvolver doença coronariana em 50% um ano após deixar de fumar. Após quatro anos, o risco torna-se equivalente ao das pessoas que nunca fumaram. Dadas as medidas de custo e efetividade, os profissionais da saúde da atenção primária, além de aconselhar, devem acompanhar o paciente e avaliar a motivação de cessar o tabaco. A avaliação motivacional é usada para medir os processos de mudanças nos cinco estágios: pré-contemplação (não pensa em abandonar o cigarro nos próximos seis meses); contemplação (pensa em abandonar nos próximos seis meses), preparação (pensa em cessar o cigarro nos próximos 30 dias), ação (abandonou o cigarro há menos de seis meses) e manutenção (cessou o cigarro há mais de seis meses). (OKUYEMI; NOLLEN; AHLUWALIA, 2006).

Nas intervenções terapêuticas para cessação do tabagismo, devem-se avaliar as situações de maior risco de recaídas. Os pacientes que recaem devem ser reforçados a reconsiderar uma nova data para outra tentativa de cessação, pois parar o consumo do tabaco significa reduzir morbidade e mortalidade.

Instrumento para avaliação e acompanhamento da dependência do tabaco do centro de referência do ambulatório do hospital de clínicas da Universidade Estadual de Londrina

A avaliação e o acompanhamento necessitam de instrumentos contendo dados sobre: as características individuais, o grau de dependência de nicotina, a concentração de monóxido de carbono, a motivação para abandonar o tratamento, a capacidade de trabalho e para atividades domésticas, os condicionamentos relacionados ao tabagismo, a história familial para o tabagismo, os tratamentos efetuados anteriores, além de história de outras comorbidades médicas, triagem de substâncias psicoativas e transtorno de humor .

A qualidade de vida (QV) foi avaliada por meio da utilização do WHOQOL-BREF, adaptado e validado para a língua portuguesa por Fleck et al. (2000). Trata-se de um instrumento com 26 questões distribuídas em quatro domínios: saúde física (7 questões), saúde psicológica (6 questões), relações sociais (3 questões), meio ambiente (8 questões) e 2 questões relacionadas com a avaliação global da QV. As propriedades psicométricas do WHOQOL-BREF foram testadas e são adequadas, bem como sua capacidade para avaliar a QV em fumantes. (CASTRO et al., 2007).

O Teste de Triagem do Envolvimento com Álcool, Tabaco e Outras Substâncias (ASSIST versão 3.0) trata-se de um questionário para rastreamento de pessoas que fazem uso de substâncias psicoativas, que abrangem: tabaco, álcool, canabinoides, cocaína, estimulantes do tipo anfetamina, sedativos, alucinógenos, inalantes, opioides e outras drogas. (HENRIQUE et al., 2004, WORLD HEALTH ORGANIZATION, 2002, 2003).

Os escores para o álcool foram: 0-10 para baixo risco; 11-26 para risco moderado e > 27 para alto risco. A pontuação para todas as outras substâncias foi: 0-3 para baixo risco; 4-26 para risco moderado e > 27 para alto risco.

Para este estudo, foi adotado o critério de que o participante com pontuação de 27 ou mais, para qualquer substância psicoativa, sugere que é de alto risco de dependência e que possivelmente está com problemas socioeconômicos, de saúde e legais, como resultado de seu abuso.

Os critérios diagnósticos para pesquisa de transtorno de humor e esquizofrenia estarão de acordo com a Décima Revisão da Classificação Internacional de Doenças e Problemas de Saúde Relacionados (CID-10). (ORGANIZAÇÃO MUNDIAL DE SAÚDE, 1998).

Os critérios diagnósticos do transtorno depressivo foram realizados de acordo com a Classificação de Transtornos Mentais e de Comportamento da Classificação Internacional de Doenças(CID-10) para pesquisa. (ORGANIZAÇÃO MUNDIAL DE SAÚDE, 1998). Esses critérios gerais para episódio depressivo são:

A) o episódio depressivo deve durar pelo menos duas semanas, sem episódios maníacos e desordens relacionadas às substâncias.
B) o critério de depressão para os sintomas leve, moderado e grave foi a persistência dos seguintes sintomas:

1) humor deprimido anormal pelo sujeito, na maior parte do dia, quase todos os dias;
2) acentuadamente menor interesse ou prazer em tudo, ou quase tudo, na maior parte das atividades do dia;
3) fadiga ou perda de energia quase todos os dias.

C) os sintomas adicionais são:

1) perda da autoestima e confiança;
2) sentimentos de autorrecriminação ou inutilidade, ou culpa excessiva ou inadequada;
3) pensamentos recorrentes de morte, ideação suicida ou qualquer comportamento suicida;
4) capacidade de pensar ou concentrar-se diminuída, ou indecisão;
5) alteração na atividade psicomotora com agitação ou lenhificação;
6) qualquer tipo de perturbação do sono;
7) alteração no apetite (diminuição ou aumento), com correspondente alteração de peso.

O episódio depressivo leve deve ter o critério A, dois sintomas do critério B e dois sintomas do critério C. O episódio depressivo moderado deve ter o critério A, dois sintomas do critério B e quatro sintomas do critério C. O episódio depressivo grave deve ter o critério A, três sintomas do critério B e cinco sintomas do critério C, sem sintomas psicóticos.

O Teste de Fagerström para Dependência de Nicotina (FTND) foi utilizado para avaliar a gravidade da dependência de nicotina, e foi traduzido e adaptado para o português por Carmo e Pueyo (2002). Consta de seis questões, e o escore máximo do teste é 10. Escore maior do que quatro indica maior gravidade. (HEATHERTON et al., 1991; POMERLEAU et al., 1994; FARGERSTRÖM et al., 1978; 1996).

Referências

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BRASIL. Ministério da Saúde. Instituto Nacional de Câncer. Abordagem e tratamento do fumante. Rio de Janeiro: INCA, 2001.

______. Ministério da Saúde. Secretaria de Atenção à Saúde. Portaria SAS/MS 442/04 de 13 de agosto de 2004. Aprova o Plano de Implantação da Abordagem e Tratamento do Tabagismo no SUS. Brasília, 2004.

CASTRO, M. G. T.; et al. Psychometric properties in a sample of smokers. Rev Bras Psiquiatr, [s.l.], v.29, n.3, p.254-7, 2007.

CARMO, J. T.; PUEYO, A. A. A adaptação ao português do Fagerström Test for Nicotine Dependence (FTND) para avaliar a dependência e tolerância à nicotina em fumantes. Rev Bras Med. [s.l.], v. 59, n.1/2, p.73-80, 2002.

FAGERSTRÖM, Karl O. Measuring degree of physical dependence to tobacco smoking with reference to individualization of treatment. Addictive Behaviors, Oxford, v.3, n.3/4,p.235-241, 1978.

______. et al. Nicotine dependence versus smoking prevalence: comparisons among countries and categories of smokers. Tobacco Control, London, v.5, n.1, p. 52-56, 1996.

FLECK, Marcelo et al. Aplicação da versão em português do instrumento de avaliação da qualidade de vida Whoqol-Bref. Revista de Saúde Pública, São Paulo, v.34, n.2, p.178-183, 2000.

HEATHERTON T. F. et al. The Fagerström Test For Nicotine Dependence: a revision of the Fagerström Tolerance Questionnaire. Br J Addict, [s.l.], v.86, n.9, p.1119-27, 1991.

HENRiQUE, Iara Ferraz Silva. et al. Validação da Versão do Teste deTriagem do Envolvimento com Álcool, Cigarro e outras Substâncias(ASSIST). Revista da Associação Medica Brasileira, São Paulo, v.50, n.2, p.1-8, 2004.

LEMOS, T. Tabagismo e comorbidades psiquiátricas. In: Gigliotti A., Presman S. Atualização no Tratamento do Tabagismo. Rio de Janeiro: ABP - Saúde, 2006. p.53-70.

OKUYEMI, K.; NOLLEN, N.; AHLUWALIA, J. Interventions to facilitate smoking cessation. Am Fam Physician, [s.l.], v.74, n.2, p.262-71, 2006.

ORGANIZAÇÃO MUNDIAL DA SAÚDE (OMS). Classificação de Transtornos Mentais e de Comportamento da CID-10: Critérios Diagnósticos para pesquisa. Porto Alegre: Artes Médicas, 1998. p.94-105.

POMERLEAU, Cynthia S. et al. Reliability of the Fagerström Tolerance questionnaire and the Fagerström test for nicotine dependence. Addictive Behaviors, Oxford, v.19, n.1, p.33-39, 1994.

WORLD HEALTH ORGANIZATION. WHO ASSIST Working Group. The Alcohol, Smoking and Substance Involvement Screening Test (ASSIST): development, reliability and feasibility. Addiction, [s.l.], v.97, n.9, p.1183-1194, 2002.

______. The ASSIST project – Alcohol, Smoking and Substance Involvement Screening Test – ASSIST Questionnaire Version 3.0 (Portuguese). Working Group: Guidelines for use in primary care. Draft version only v1.1 september, 2003, p. 6. Disponível em: <http://www.who.int/substance_abuse/activities/assist/en/>. Acesso em: 6 abr. 2007.

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