O abismo estava agora a centímetros dos meus pés tortos. Olhei para baixo. Meu mar de águas mornas havia tragado tudo. Uma lenta cortina de poeira flutuava sobre o oceano, o único vestígio do desmoronamento.
A enorme fachada do palácio que dava para o mar, agora destruída, saudava o norte com um sorriso de leproso, com dentes quebrados e cheio de cerdas. As cerdas eram as pontas das lascas de madeira. Bem abaixo de mim, uma grande sala havia perdido as paredes. O piso dessa sala, desamparado, projetava-se no espaço como um trampolim.
Por um momento sonhei em me jogar no trampolim, em saltar como uma mola para um mergulho maravilhoso, em abrir os braços, cortar o ar e cair em uma eternidade morna, sem nunca chegar à água.
Acordei do sonho com o grito de um pássaro que voava em disparada sobre mim. Parecia que ele estava me perguntando o que tinha acontecido.
– Piu, piu, piu? – ele perguntou.
Todos olhamos para o pássaro e então para outros, que, como ele, voavam no céu.
Recuamos para longe do abismo, aterrorizados. E quando me afastei do bloco de pedra aos meus pés, a pedra começou a balançar. Era tão estável quanto uma gangorra. E começou a se inclinar em direção ao trampolim.
E então caiu direto no trampolim e fez dele uma rampa. E pela rampa vieram escorregando os móveis que ainda restavam no quarto abaixo.
Um xilofone disparou primeiro, escorregando veloz em suas rodinhas. Depois veio uma mesa de cabeceira disputando uma corrida maluca com um maçarico. Depois vieram cadeiras em alta velocidade.
E, em algum lugar daquele quarto abaixo, fora do nosso campo de visão, algo muito mais pesado começava a se mover.
Deslizava em direção ao trampolim. Por fim, vimos a proa dourada. Era a cama na qual jazia o cadáver do “Papa”. Chegou até a ponta do trampolim. A proa balançou. Ficou pendurada. Começou, por fim, a cair.
O corpo do “Papa” foi arremessado para longe, e caiu separadamente.
Fechei os olhos.
Houve um som, como se alguém fechasse gentilmente um portal tão grande como o céu, o som das imensas portas do céu sendo fechadas suavemente. Foi um grande AH-HUUM.
Abri os olhos – e o mar inteiro era gelo-nove.
A Terra úmida e verde era uma pérola branco-azulada.
O céu escureceu. Borarisi, o Sol, era uma débil bola amarela, pequena e cruel.
O céu se encheu de vermes. Os vermes eram tornados.