“Papa” era um autodidata que havia sido mordomo do cabo McCabe. Nunca havia saído da ilha. Falava inglês de forma tolerável. Qualquer coisa dita no palanque era transmitida bem alto para a multidão através daqueles alto-falantes do apocalipse.
A conversa que saía desses alto-falantes caía numa pequena avenida atrás da multidão, ricocheteava nos três prédios de vidro do fim da avenida, novos em folha, e voltava para nós como um barulho ensurdecedor.
– Bem-vindos – disse “Papa”. – Somos o melhor amigo que os Estados Unidos já tiveram. Os Estados Unidos são incompreendidos em muitos lugares, mas não aqui, senhor embaixador. – Ele se curvou a H. Lowe Crosby, o fabricante de bicicletas, achando que ele era o novo embaixador.
– Sei que aqui é um bom país, senhor presidente – disse Crosby. – Tudo que ouvi sobre ele me pareceu muito bom. Só tem um detalhe…
– Sim?
– Não sou o embaixador – disse Crosby. – Gostaria de ser, mas, infelizmente sou apenas um simples empresário. – Disse de má vontade quem era o verdadeiro embaixador. – Aquele homem ali é o figurão.
– Ah. – “Papa” sorriu ao perceber seu erro. O sorriso sumiu subitamente. A dor o fez estremecer e então se curvar. Ele fechou os olhos, concentrado em sobreviver àquela dor.
Frank Hoenikker veio em seu auxílio, indeciso, desajeitadamente:
– Está se sentindo bem?
– Desculpem-me – “Papa” por fim sussurrou, endireitando-se um pouco. Havia lágrimas em seus olhos. Ele as enxugou, endireitando-se o máximo que podia. – Perdão.
Pareceu confuso por um momento, sem saber onde estava e o que esperavam dele. E então se lembrou. Apertou as mãos de Horlick Minton:
– Aqui vocês estão entre amigos.
– Tenho certeza disso – disse Minton gentilmente.
– Cristãos – disse “Papa”.
– Que bom.
– Anticomunistas – disse “Papa”.
– Que bom.
– Não tem comunistas aqui – disse “Papa”. – Morrem de medo do gancho.
– Imagino que sim – disse Minton.
– Vocês escolheram um bom momento para nos visitar – disse “Papa”. – Amanhã será um dos dias mais felizes da história do nosso país. Amanhã é o feriado nacional mais importante, o Dia dos Cem Mártires da Democracia. E também será o dia do noivado do major-general Franklin Hoenikker com Mona Aamons Monzano, a pessoa mais preciosa para mim e para toda San Lorenzo.
– Desejo-lhe muitas felicidades, srta. Monzano – disse Minton cordialmente. – E muitas felicidades a você também, general Hoenikker.
Os dois jovens agradeceram com um aceno de cabeça.
E então Minton falou a respeito dos Cem Mártires da Democracia, contando uma mentira deslavada:
– Não há uma só criança americana que não conheça a história do nobre sacrifício de San Lorenzo na Segunda Guerra Mundial. Os cem corajosos san lorenzanos que serão homenageados amanhã fizeram o que somente os verdadeiros amantes da liberdade fariam. O presidente dos Estados Unidos me pediu para representá-lo pessoalmente na cerimônia de amanhã e jogar no mar uma coroa de flores, um presente do povo americano para o povo de San Lorenzo.
– O povo de San Lorenzo agradece a você, a seu presidente e ao generoso povo americano pela consideração – disse “Papa”. – Ficaremos honrados se você jogar a coroa de flores no mar amanhã, durante a festa de noivado.
– A honra é toda minha.
“Papa” nos convidou a honrá-lo com nossa presença na cerimônia da coroa de flores e na festa de noivado do dia seguinte. Deveríamos aparecer no seu palácio ao meio-dia.
– Que filhos esses dois terão! – disse “Papa”, apontando para Frank e Mona. – Que sangue! Quanta beleza!
A dor o atingiu mais uma vez.
Ele fechou os olhos novamente, a fim de se recuperar da dor.
Esperou que passasse, mas ela não passou.
Ainda em agonia, deu as costas para nós e encarou a multidão e o microfone. Tentou gesticular para o povo, mas não conseguiu. Tentou falar, mas não conseguiu.
E então as palavras vieram:
– Vão para casa – ele gritou, com a voz entrecortada. – Vão para casa!
A multidão se dispersou como folhas ao vento.
“Papa” voltou-se para nós, ainda grotesco em sua agonia…
E então desmaiou.