65.

Um bom momento para visitar San Lorenzo

“Papa” era um autodidata que havia sido mordomo do cabo McCabe. Nunca havia saído da ilha. Falava inglês de forma tolerável. Qualquer coisa dita no palanque era transmitida bem alto para a multidão através daqueles alto-falantes do apocalipse.

A conversa que saía desses alto-falantes caía numa pequena avenida atrás da multidão, ricocheteava nos três prédios de vidro do fim da avenida, novos em folha, e voltava para nós como um barulho ensurdecedor.

– Bem-vindos – disse “Papa”. – Somos o melhor amigo que os Estados Unidos já tiveram. Os Estados Unidos são incompreendidos em muitos lugares, mas não aqui, senhor embaixador. – Ele se curvou a H. Lowe Crosby, o fabricante de bicicletas, achando que ele era o novo embaixador.

– Sei que aqui é um bom país, senhor presidente – disse Crosby. – Tudo que ouvi sobre ele me pareceu muito bom. Só tem um detalhe…

– Sim?

– Não sou o embaixador – disse Crosby. – Gostaria de ser, mas, infelizmente sou apenas um simples empresário. – Disse de má vontade quem era o verdadeiro embaixador. – Aquele homem ali é o figurão.

– Ah. – “Papa” sorriu ao perceber seu erro. O sorriso sumiu subitamente. A dor o fez estremecer e então se curvar. Ele fechou os olhos, concentrado em sobreviver àquela dor.

Frank Hoenikker veio em seu auxílio, indeciso, desajeitadamente:

– Está se sentindo bem?

– Desculpem-me – “Papa” por fim sussurrou, endireitando-se um pouco. Havia lágrimas em seus olhos. Ele as enxugou, endireitando-se o máximo que podia. – Perdão.

Pareceu confuso por um momento, sem saber onde estava e o que esperavam dele. E então se lembrou. Apertou as mãos de Horlick Minton:

– Aqui vocês estão entre amigos.

– Tenho certeza disso – disse Minton gentilmente.

– Cristãos – disse “Papa”.

– Que bom.

– Anticomunistas – disse “Papa”.

– Que bom.

– Não tem comunistas aqui – disse “Papa”. – Morrem de medo do gancho.

– Imagino que sim – disse Minton.

– Vocês escolheram um bom momento para nos visitar – disse “Papa”. – Amanhã será um dos dias mais felizes da história do nosso país. Amanhã é o feriado nacional mais importante, o Dia dos Cem Mártires da Democracia. E também será o dia do noivado do major-general Franklin Hoenikker com Mona Aamons Monzano, a pessoa mais preciosa para mim e para toda San Lorenzo.

– Desejo-lhe muitas felicidades, srta. Monzano – disse Minton cordialmente. – E muitas felicidades a você também, general Hoenikker.

Os dois jovens agradeceram com um aceno de cabeça.

E então Minton falou a respeito dos Cem Mártires da Democracia, contando uma mentira deslavada:

– Não há uma só criança americana que não conheça a história do nobre sacrifício de San Lorenzo na Segunda Guerra Mundial. Os cem corajosos san lorenzanos que serão homenageados amanhã fizeram o que somente os verdadeiros amantes da liberdade fariam. O presidente dos Estados Unidos me pediu para representá-lo pessoalmente na cerimônia de amanhã e jogar no mar uma coroa de flores, um presente do povo americano para o povo de San Lorenzo.

– O povo de San Lorenzo agradece a você, a seu presidente e ao generoso povo americano pela consideração – disse “Papa”. – Ficaremos honrados se você jogar a coroa de flores no mar amanhã, durante a festa de noivado.

– A honra é toda minha.

“Papa” nos convidou a honrá-lo com nossa presença na cerimônia da coroa de flores e na festa de noivado do dia seguinte. Deveríamos aparecer no seu palácio ao meio-dia.

– Que filhos esses dois terão! – disse “Papa”, apontando para Frank e Mona. – Que sangue! Quanta beleza!

A dor o atingiu mais uma vez.

Ele fechou os olhos novamente, a fim de se recuperar da dor.

Esperou que passasse, mas ela não passou.

Ainda em agonia, deu as costas para nós e encarou a multidão e o microfone. Tentou gesticular para o povo, mas não conseguiu. Tentou falar, mas não conseguiu.

E então as palavras vieram:

– Vão para casa – ele gritou, com a voz entrecortada. – Vão para casa!

A multidão se dispersou como folhas ao vento.

“Papa” voltou-se para nós, ainda grotesco em sua agonia…

E então desmaiou.