72.

O Hilton do sacana

H. Lowe Crosby e sua esposa fizeram check-out do Casa Mona, que Crosby chamou de “o Hilton do sacana”, e exigiu acomodações na Embaixada Americana.

Ou seja: eu era o único hóspede em um hotel de cem quartos.

Meu quarto era agradável. A vista da janela dava, como todos os outros quartos, para a Avenida dos Cem Mártires da Democracia, o Aeroporto Monzano e o porto de Bolivar. O Casa Mona havia sido construído na forma de uma estante de livros, com a parte dos fundos e dos lados bem sólida e a fachada feita com um vidro verde-azulado. Era impossível ver a sujeira e a miséria da cidade dali do hotel, visíveis só dos lados e atrás do Casa Mona.

Meu quarto tinha ar-condicionado. Chegava a fazer um pouco de frio lá dentro. E, tendo trocado o calor escaldante por aquele gelo todo, espirrei.

Havia flores frescas na mesinha de cabeceira, mas minha cama ainda não estava arrumada. A cama não tinha nem mesmo travesseiro. Somente um simples colchão Beautyrest novinho em folha, ainda na embalagem. E não havia cabides no guarda-roupa nem papel higiênico no banheiro.

Então fui até o corredor em busca de uma camareira que pudesse me ajudar a equipar um pouco melhor o quarto. Não havia ninguém, mas vi uma porta aberta no fim do corredor e ouvi alguns barulhos baixos vindos de lá.

Fui até a porta e vi que era uma suíte grande, forrada com jornais e panos. Estava sendo pintada, mas os dois pintores não estavam fazendo seu serviço quando entrei lá. Estavam sentados em uma prateleira grande, do tamanho da janela na parede.

Tinham os pés descalços e os olhos fechados. Um estava de frente para o outro.

Juntos, pressionavam as solas dos pés umas nas outras.

Cada um agarrava o próprio tornozelo, dando aos corpos a impressão e exatidão de um triângulo.

Limpei a garganta.

Os dois rolaram da prateleira, caindo nos jornais e panos salpicados de tinta. Caíram de quatro. Ficaram nessa posição, com os traseiros para cima e os narizes quase encostando no chão.

Achavam sinceramente que seriam mortos.

– Com licença – eu disse, surpreso.

– Não conte a ninguém – implorou um dos pintores, num tom choroso –, por favor, por favor, não conte.

– Contar o quê?

– O que você acabou de ver!

– Eu não vi nada.

– Se você contar – ele disse, e encostou a bochecha no chão, olhando para mim lá de baixo, suplicante –, se você contar, nós vamos morrer no ga-ahn-an-chuh!

– Olhem, amigos – eu disse –, ou cheguei cedo demais ou tarde demais, mas garanto a vocês que não vi nada que valesse a pena contar para alguém. Por favor, levantem-se.

Os dois se levantaram, os olhos ainda cravados em mim. Estavam tremendo e morrendo de medo. Por fim, acabei convencendo-os de que jamais contaria a ninguém o que tinha visto.

O que eu tinha visto, é claro, era o ritual bokononista do boko-maru, ou fusão de almas.

Nós, bokononistas, acreditamos que é impossível encostar a sola do pé na sola do pé de outra pessoa sem amá-la de verdade, desde que os pés de ambos estejam limpos e bem tratados.

A base para essa cerimônia dos pés está neste “Calipso”:

Vamos unir nossos pés, sim,

Sim, por tudo que o gesto encerra,

E vamos amar uns aos outros, sim,

Sim, como amamos nossa Mãe Terra.