77.

Aspirina e boko-maru

– Diga-me, doutor – eu disse a Julian Castle –, como está “Papa” Monzano?

– Como vou saber?

– Pensei que você estivesse tratando suas doenças.

– Não nos falamos… – Castle sorriu. – Na verdade, ele não fala comigo. A última coisa que me disse, e isso há uns três anos, foi que eu não ia para o gancho só por causa da minha cidadania americana.

– O que você fez para ofendê-lo? Você veio para cá e com seu próprio dinheiro criou um hospital gratuito para o povo…

– “Papa” não gosta da forma como trato meus pacientes – disse Castle –, especialmente os moribundos. Na Casa da Esperança e da Misericórdia na Selva, nós administramos os últimos ritos da fé bokononista para quem assim o desejar.

– Como são esses ritos?

– Muito simples. Começam com uma leitura responsiva. Quer tentar?

– Nesse momento não estou à beira da morte, se não se importa.

Ele me deu uma piscadela sinistra.

– Tem razão em ser cauteloso. As pessoas que recebem os últimos ritos acabam ficando sugestionadas e morrem em determinado momento da leitura. Porém, acho que dá para pular essa parte se não tocarmos nossos pés.

– Pés?

Ele me contou sobre a prática bokononista relacionada aos pés.

– Isso explica uma coisa que vi no hotel. – Contei a ele sobre os dois pintores no parapeito da janela.

– Sabe, funciona mesmo – ele disse. – As pessoas que praticam isso realmente se sentem melhor em relação a elas mesmas e ao mundo.

– Hum.

Boko-maru.

– Como?

– É como chamam esse negócio que fazem com os pés – disse Castle. – Funciona. Sou muito grato às coisas que funcionam. Sabe, não tem muitas coisas que funcionam de verdade.

– Acho que não.

– Seria impossível manter funcionando esse meu hospital sem aspirinas e o boko-maru.

– Dá para concluir então – eu disse – que ainda existem vários bokononistas na ilha, apesar das leis, apesar do ga-ahn-an-chuh

Ele deu risada.

– Você ainda não entendeu, não é mesmo?

– O quê?

– Todo mundo em San Lorenzo é um fiel praticante do bokononismo, apesar do ga-ahn-an-chuh.