– Diga-me, doutor – eu disse a Julian Castle –, como está “Papa” Monzano?
– Como vou saber?
– Pensei que você estivesse tratando suas doenças.
– Não nos falamos… – Castle sorriu. – Na verdade, ele não fala comigo. A última coisa que me disse, e isso há uns três anos, foi que eu não ia para o gancho só por causa da minha cidadania americana.
– O que você fez para ofendê-lo? Você veio para cá e com seu próprio dinheiro criou um hospital gratuito para o povo…
– “Papa” não gosta da forma como trato meus pacientes – disse Castle –, especialmente os moribundos. Na Casa da Esperança e da Misericórdia na Selva, nós administramos os últimos ritos da fé bokononista para quem assim o desejar.
– Como são esses ritos?
– Muito simples. Começam com uma leitura responsiva. Quer tentar?
– Nesse momento não estou à beira da morte, se não se importa.
Ele me deu uma piscadela sinistra.
– Tem razão em ser cauteloso. As pessoas que recebem os últimos ritos acabam ficando sugestionadas e morrem em determinado momento da leitura. Porém, acho que dá para pular essa parte se não tocarmos nossos pés.
– Pés?
Ele me contou sobre a prática bokononista relacionada aos pés.
– Isso explica uma coisa que vi no hotel. – Contei a ele sobre os dois pintores no parapeito da janela.
– Sabe, funciona mesmo – ele disse. – As pessoas que praticam isso realmente se sentem melhor em relação a elas mesmas e ao mundo.
– Hum.
– Boko-maru.
– Como?
– É como chamam esse negócio que fazem com os pés – disse Castle. – Funciona. Sou muito grato às coisas que funcionam. Sabe, não tem muitas coisas que funcionam de verdade.
– Acho que não.
– Seria impossível manter funcionando esse meu hospital sem aspirinas e o boko-maru.
– Dá para concluir então – eu disse – que ainda existem vários bokononistas na ilha, apesar das leis, apesar do ga-ahn-an-chuh…
Ele deu risada.
– Você ainda não entendeu, não é mesmo?
– O quê?
– Todo mundo em San Lorenzo é um fiel praticante do bokononismo, apesar do ga-ahn-an-chuh.