Abdul continuou a avançar quarto adentro, a virar a arma com silenciador da esquerda para a direita, jorrando uma corrente constante de balas. Mesmo atrás dele, Jamir juntou-se à luta, disparando as suas balas num padrão ziguezagueado. Muhammad era o seguinte, e depois o irmão de Samir, Habib.
Samir sentia os pés pesados, como se, subitamente, estivesse a caminhar em areia. Obrigou-se a avançar à medida que o espaço entre si e o irmão aumentava. Apesar de toda a bravata e das ameaças de violência, uma parte mínima do seu ego receava enfrentar aquele assassino. Tinha sido bem-sucedido a ocultá-lo e a garantir que os homens nunca davam pelo menor sinal disso, mas pesava-lhe. Com a linha de homens a avançar para a suíte, Samir estava a ficar cada vez mais para trás. Escutou a saraivada de balas a atingir um tom delirante — objetos a quebrar-se e estilhaçar-se sob a fuzilada de metal.
De súbito, sentiu-se tonto. Tinha um aperto no peito e ficou com a visão turva, como se espreitasse por um túnel. “Respira”, censurou-se. Já estava quase a chegar à porta e inspirou profundamente duas vezes, vendo o irmão entrar no quarto. Parou junto à ombreira e escutou a torrente de balas que despedaçava o quarto. Com ar fresco nos pulmões, permitiu que um sorriso nervoso se espalhasse no seu rosto. Não era possível que o assassino escapasse àquilo. “O caçador tornar-se-á o caçado.” Era um mantra que tinha passado meses a repetir.
O homem que me mandaram matar morrerá finalmente e eu serei belamente recompensado, pensou. Tinha imaginado aquilo noite após noite, o resultado final era sempre o assassino a jazer morto numa poça do seu próprio sangue. Quatro homens com submetralhadoras contra um único homem com uma pistola, e ele de reserva, só para o caso de ser preciso — centenas de balas, contra uma mão-cheia. Aquilo decerto acabaria a seu favor.
Ia entrar no quarto quando o clamor parou abruptamente. No silêncio que se seguiu, ouviu um som que não conseguia bem identificar. Inclinando a cabeça para um lado, a pensar, tentou perceber o que seria a causa do estranho ruído gorgolejante. No preciso momento em que entendeu, ouviu o irmão a gemer de agonia. Ficou paralisado. Um segundo depois, o irmão começou a cambalear para trás, sem a arma e de mãos no abdómen. A cerca de meio metro à sua frente, Samir viu uma bala atingir o irmão no peito, sair-lhe pelas costas e dispersar sangue por toda a parede do corredor. Horrorizado, esticou a mão para o agarrar, ao que a ombreira da porta explodiu de repente, lançando lascas de madeira pelos ares. Samir atirou-se para trás, sentindo o ardor na face.
O seu olho direito começou a piscar freneticamente enquanto ele observava o irmão a cair, e depois o medo apoderou-se de todos os seus músculos, pois ocorreu-lhe que o assassino talvez fosse atrás de si. Sem pensar realmente, passou a submetralhadora para a mão esquerda e fê-la contornar a ombreira da porta. Fechou os olhos e disparou uma salva de balas em modo automático.
Manteve-se no corredor e disparou mais duas descargas rápidas para o quarto. No silêncio que subitamente recaía sobre a cena, olhou para o irmão caído, que o fitava com uns olhos vazios. A culpa atingiu-o como uma faca no peito e a raiva assumiu o controlo. Voltou o silenciador negro para o quarto e premiu o gatilho. Caminhou em frente, varrendo o quarto com balas de um lado para o outro até ficar sem munições.
Parando na penumbra do corredor, avaliou a desgraça. Três dos seus homens jaziam a seus pés, mas não havia sinal do assassino. Ejetou o carregador vazio e inseriu um novo enquanto os seus olhos se focavam nas cortinas que bloqueavam as portas da varanda. Os seus pés começaram a mover-se ainda antes de ele ter tomado uma decisão consciente. Disparou uma descarga rápida pela cortina e depois atirou o tecido para o lado. A primeira coisa que viu ao sair para a varanda foi a corda. Seguiu-a para o chão, onde viu um homem vestido de preto a atravessar a rua a correr.
Pôs a arma ao ombro e apontou o arco da mira ao alvo em movimento. Apertou o gatilho para disparar três balas rápidas, mas não tinha como saber se disparara para baixo, para cima, para a esquerda ou para a direita. O assassino mudou de rota e Samir ajustou a posição, desta feita premindo o gatilho e lançando uma correnteza de balas atrás do homem. Ao fim de uns segundos, o ferrolho travou na posição aberta, dizendo-lhe que se lhe tinham acabado os projéteis. Viu o assassino desaparecer nas sombras e conteve a vontade de gritar.
Voltou para o quarto e olhou para a carnificina. Tinha perdido três dos seus homens e o seu próprio irmão jazia no corredor. Falhara miseravelmente. Começou a tremer, com uma mescla de medo e fúria ardente. O que haveria de dizer à mãe? O que haveria de dizer ao espanhol e a Rafique? Onde teriam errado? Abanou a cabeça, angustiado, mas, algures nas profundezas do seu cérebro, sabia que era uma sorte estar vivo. Porém, nunca poderia dizer tal coisa aos outros. Nunca poderia parecer tão frágil à frente deles; caso contrário, seriam capazes de o matar.
Um som no corredor chamou-lhe a mente de volta ao problema atual. Tinha de se pôr a andar dali para fora, e rapidamente, antes que a polícia aparecesse. Meteu um novo carregador na arma e premiu o cursor para o destravar. À porta, o seu olhar foi atraído pelo irmão, mas não aguentava a dor. Contendo as lágrimas, seguiu pelo corredor em direção às escadas. Uma porta à sua esquerda abriu-se, revelando uma mulher magra de roupão branco. Samir ergueu a arma e, sem abrandar o passo, disparou-lhe quatro balas contra o peito. Duas portas depois, um homem surgiu no corredor à sua direita. Samir disparou outra descarga. Apressou-se a descer as escadas, passou por um corredor pequeno e saiu para a viela das traseiras, onde se deparou com um funcionário do hotel. O jovem viu a arma e ergueu as mãos. Samir não hesitou. Premiu o gatilho ao máximo e lançou o homem para trás, fazendo-o aterrar numa pilha de sacos do lixo.