CAPÍTULO 12

Paris, França

Monsenhor De Fleury arrastava os pés o mais depressa que podia. Soubera o que faria ainda antes de Fournier ter chegado. Os três visitantes de pele morena tinham uma presença ominosa, pelo menos dois deles. O alto e bem vestido até era cordial, mas os outros dois eram malvados. Tresandavam a ameaça. Tinha proporcionado muitos encontros daquele género e estava habituado a lidar com guarda-costas. Aqueles dois não faziam parte de uma equipa de segurança. Não tinham essa atitude cuidadosa e atenta. Só se preocupavam consigo mesmos.

De Fleury era um homem fiel, mas essa fé dedicava-se a Deus e não a homens. Ele vira o que homens malignos eram capazes de fazer e, sendo pastor, competia-lhe ajudar a proteger o rebanho dos lobos. Aqueles homens não eram ovelhas e decerto não prezavam o interesse de França. Eram assassinos. Já lidara com homens assim e reconhecia-o no olhar deles e na forma como se moviam.

O velho padre não sabia o que Fournier, esse falinhas-mansas, andaria a tramar, mas ia descobrir. A igreja estava fechada e, para além de dois vigilantes que patrulhavam o perímetro, De Fleury encontrava-se sozinho. Avançou pela penumbra, atravessou o transepto e, imediatamente antes do púlpito, virou à direita e seguiu pelo corredor exterior da nave, passando pelos altares menores e chegando por fim aos confessionários de madeira. Abriu cuidadosamente a terceira porta e entrou. Deixou a luz apagada, servindo-se apenas do tato. Depois de se sentar no banco almofadado, encostou a cabeça à parede forrada a madeira, mesmo por cima de uma grade de ventilação da capela lá em baixo. Descobrira aquela peculiaridade acústica muitos anos antes, enquanto escutava atentamente paroquianos em confissão. Uma missa privada estava a ser celebrada na capela da cripta e as vozes subiam com tanta clareza que se lhe tornara difícil concentrar-se no penitente sentado do outro lado da tela.

De Fleury mantivera os seus contactos com os Serviços Secretos de França ao longo dos anos, e uma igreja famosa como a do Sagrado Coração, com multidões de turistas sempre a passar por lá, era o lugar perfeito para encontros com fontes e operacionais. Sem que se soubesse porquê, aquele Fournier gostava da ideia de ter os seus encontros na cripta e o monsenhor não fizera qualquer esforço para o dissuadir ou para lhe dizer que as conversas podiam ser ouvidas no confessionário ali em cima. Os segredos eram algo que estava habituado a ouvir e a não repetir, mas não se punha à escuta por mera curiosidade pessoal. Havia qualquer coisa no tal Fournier que não lhe cheirava bem. Não era nada drástico, mas De Fleury passara toda uma vida a observar os outros. Além de ser bastante emproado, transparecia em Fournier uma dissimulação que o padre notara desde o início. O homem era um ator e um manipulador, e De Fleury calculou que aquilo que o incitava era a necessidade de alimentar a sua personalidade narcisista.

Chocava-o que a Direção-Geral não tivesse detetado tais traços de caráter numa altura mais precoce da sua carreira. Colocar alguém com uma personalidade assim à cabeça da Divisão de Ação Especial parecia ser muito perigoso. Os encontros anteriores na cripta tinham sido sobretudo com agentes duplos que trabalhavam para outros governos, e embora De Fleury tivesse ouvido algumas coisas muito interessantes nos últimos anos, nada se lhe apresentara como uma ofensa grave à República. Naquela noite, porém, tinha um pressentimento ominoso de que os melhores interesses da República não estavam a ser zelados.

À medida que as palavras começaram a subir da cripta, a sua preocupação apenas aumentou. Os convidados eram muçulmanos e a sua falta de respeito era obscena. Antes de conseguir superar o choque inicial perante as injúrias à sua bela basílica, Fournier disse algo que o deixou sem fôlego. Decerto não estariam a falar dos assassinatos sanguinários do hotel que tinham paralisado Paris? Segundos depois, tal pergunta obteve resposta sem margem para dúvidas. A cada momento que passava, o padre ia ficando cada vez mais alarmado com o que ouvia. O que raio estaria Fournier a fazer, associando-se àquelas bestas? Porque haveria de os ajudar, fosse como fosse?

Por dinheiro, claro, e algum acordo que a DGSE fizera com eles. Um pacto faustiano, sem dúvida estabelecido por homens negligentes sem a menor perceção da História. De Fleury assistira em primeira mão aos terríveis resultados do apaziguamento. Era um caminho escolhido por mentes fracas, moralmente incapazes de confrontar o mal. Ele via muitos paralelos entre os nazis, os comunistas e aqueles jihadistas. No fundo, todos eram sociopatas — obcecados com os seus próprios desejos tribais e absolutamente incapazes de conferir justiça ou compaixão a quem não fizesse parte da tribo. Se não se fosse um deles, era-se menos humano e, por conseguinte, merecedor de qualquer tratamento que eles considerassem adequado. E se isso significasse fazer explodir aviões e autocarros cheios de civis inocentes, pois que assim fosse.

De Fleury não se moveu quando o encontro chegou ao fim. O protocolo normal era que Fournier e os seus convidados saíssem a intervalos previamente combinados, a partir de locais diferentes. As portas fechar-se-iam por si mesmas. O padre ficou imóvel no confessionário escuro durante muito tempo, a analisar o que ouvira e a considerar o que faria com aquela informação. Os seus contactos no governo já não eram o que tinham sido. A maioria morrera ou reformara-se. E ele não tinha a certeza de confiar em qualquer um dos que restavam para transmitir informação com aquela magnitude. Havia sempre a comunicação social, mas não lhe dedicava qualquer simpatia, além de não ter estômago para alardear os segredos sujos da República nas primeiras páginas dos diários. Teria de arranjar outra forma.

A cautela era da maior importância. Um homem como Fournier faria tudo para proteger a imagem. O padre sabia como aquilo acabaria. Com a sua idade, não custaria nada sufocá-lo enquanto dormia, ou atirá-lo por um lanço de escadas abaixo. Qualquer uma dessas coisas o mataria e ambas seriam tão plausíveis que a polícia nem se daria ao trabalho de realizar uma autópsia. Levantou-se e saiu do confessionário. Enquanto avançava discretamente para a casa paroquial, ocorreu-lhe uma possibilidade — um homem que ajudara havia muito. Era um estrangeiro, mas tratava-se de um aliado de confiança. Ainda se encontrava numa posição de fazer algo com aquela informação. Talvez pudesse lidar com Fournier e aqueles homens sem ter de ir a público. O velho padre decidiu que dormiria sobre o assunto. De manhã, rezaria pela orientação do Espírito Santo e, se esse fosse o melhor caminho a seguir, faria o telefonema.