CAPÍTULO 17

Chet Bramble estava nas traseiras da carrinha e viu os monitores ligarem-se um a um. A estática dos pequenos monitores de dez polegadas deu lugar a imagens a preto-e-branco do interior do apartamento. Já tinham áudio e vídeo da casa secreta. Via os seus dois homens a passar de um ecrã para o seguinte. Ajustou o microfone dos auscultadores e perguntou:

— Já se enfiaram em tudo o que tinham de se enfiar?

— Mais um minuto — crepitou uma voz. — Tenho de ir cagar.

— Muito engraçado, idiota. — Normalmente, ter-se-ia rido de um comentário tão juvenil, mas, naquele dia, não. — Já vos disse que este gajo é um cabrão dissimulado. Ponham-se mas é a andar daí para fora. Se ele vos apanha aí, vão morrer antes de eu conseguir entrar e salvar-vos o couro.

Os dois homens começaram a recolher o equipamento e a avançar para a porta. Bramble recostou-se na pequena cadeira e expirou, esfregando o antebraço direito. A temperatura estava a descer e começava a doer-lhe. Era um homem grande — um metro e noventa de músculos esculturais e vigor. Tinha uma testa larga, um pescoço grosso e um par de pernas que proporcionavam uma base sólida a um objetivo inamovível. Toda a sua presença destilava violência e ainda não conseguia perceber como Rapp o vencera mais de um ano antes. Por toda a lógica, devia ter dado cabo do jovem recruta, mas, sem que soubesse como, o cabrãozinho dissimulado tinha-o metido numa posição de que ele nem nunca ouvira falar e dois segundos depois ouvira-se o som de algo que parecia um galho seco a partir-se ao meio. Seguira-se um momento de nada e depois uma dor ardente, seguida pelo pior que era a perceção de ter o braço dobrado como nunca deveria dobrar-se.

Chet Bramble era filho de um criador de porcos da Georgia. Só tinha um irmão, Bob, que passara quase uma hora preso no estreito canal vaginal da mãe. Em vez de fazer uma cesariana, o médico rural puxara, sacara e torcera com um par de fórceps até o pequeno Bob ser arrancado ao ventre da mãe. O resultado final era que Bob tinha a cabeça deformada e era um pouco lento. Era dois anos mais novo do que Chet, mas, a partir dos quatro anos, passara a ser praticamente do mesmo tamanho que ele. Bob fora a sombra do irmão mais velho durante grande parte da juventude de ambos. Chet adorava-o e defendia-o ferozmente contra quaisquer antagonistas, independentemente da idade ou do tamanho, mas, à medida que entrava na adolescência, começou a ressentir-se dele em silêncio.

A mãe de Chet passava os dias a cozinhar, a tratar das tarefas domésticas, a ouvir emissões de rádio cristã e a ler a Bíblia. O pai, Jacob, ou Jake, como os amigos lhe chamavam, era um homem enorme com uma ética de trabalho puritana e uma total ausência de sentido de humor. Exigia muito dos filhos, mas mais de Chet, pela razão óbvia de que não era meio atrasado. Assim que começaram a andar, passaram a ajudar a alimentar os porcos e não demorou muito a começarem a limpar merda com uma pá. Tanta merda que, passados todos aqueles anos, a mera menção disso lhe enchia as narinas daquele cheiro avassalador.

Tanto quanto ele percebia, nenhuma parte do seu ADN viera do lado da mãe, que era uma coisinha frágil e cujos irmãos, dois advogados e um vendedor de seguros, eram uns mariquinhas. Chet era grande e forte como o pai, que jogara futebol americano pela Universidade da Georgia. Contudo, havia uma grande diferença entre pai e filho. Enquanto Jake era um homem estoico que demorava a entrar em ebulição, Chet era exaltado e propenso a perder a cabeça com pouco ou nenhum aviso. Havia uma exceção — o irmão Bob, e as suas intermináveis perguntas simples. No que tocava ao irmão, Chet tinha uma paciência de Jó, mas era aí que acabava. As lutas começaram cedo e continuaram a acompanhá-lo até ao último ano da escola secundária.

Não era que Chet não fosse capaz de controlar a fúria, era mais que escolhia não o fazer. Aprendera em tenra idade que gostava de martelar outras pessoas com os punhos. A primeira luta a sério em que se tinha metido fora no segundo ano e, como a maioria das lutas nessa idade, começou no autocarro. Uns miúdos do quinto ano estavam a meter-se com Bob, que andava no jardim-infantil. Além da cabeça com uma forma estranha e dos seus modos simples, Bob tinha um problema na fala que Trevor Smith e Nate Huckster não conseguiam deixar de imitar. No primeiro dia, Chet ficara no seu lugar, a fumegar, a pensar que, se fizesse aquilo que estava a pensar fazer, poderia acabar num sarilho tão grande que o pai lhe daria com o cinto. Nessa noite, não dormiu bem. Ficou deitado no colchão de baixo do beliche, com o irmão a dormir profundamente uns centímetros acima, e maquinou. Imaginou todas as coisas que faria a Trevor e Nate se se atrevessem a voltar a gozar com o irmão. Decidiu que não haveria qualquer aviso. Por instinto, sabia que os avisos não serviriam de nada — que falar seria inútil e que precisava de enviar uma mensagem clara a todos os que pensassem sequer em fazer pouco de Bob.

No dia seguinte, Trevor e Nate começaram assim que entraram no autocarro. Chet estava sentado ao lado do irmão quando os dois matulões ocuparam os lugares atrás deles e começaram a gaguejar, a gozar e a rir, e, a cada quilómetro que passava, Chet deixava a zanga crescer. Cerrando e descerrando os punhos, passava o tempo a imaginar o que faria àqueles dois quando saíssem do autocarro.

Tudo aconteceu no passeio em frente à Escola Primária Benjamin Lincoln. Os dois miúdos do quinto ano seguiram Chet e Bob enquanto todos os alunos avançavam para a porta da frente e continuaram a atenazar Bob, que, apesar de andar no jardim-infantil, era tão alto como uma criança média da quarta classe. Chet era de longe o maior aluno da segunda classe, e era invulgarmente forte, graças à genética do pai e a todo o trabalho pesado que tinha de fazer na quinta. Havia mais uma coisa: Chet era rápido, veloz como um raio, por andar a correr atrás dos porcos. Sem aviso, virou-se para a esquerda, com a lancheira com um GI Joe firmemente agarrada pela mão direita. Girou-a com tanta força que partiu o maxilar de Nate Huckster e o fez perder os sentidos. O miúdo do quinto ano deslizou para o passeio como um fio de esparguete molhado.

Trevor Smith estacou ao ver o amigo cair. Nunca teria imaginado aquilo. O seu próprio reflexo de lutar ou fugir não teve sequer oportunidade de entrar em ação. O sacana do puto da quinta dos porcos atirou-se a ele como uma tempestade violenta de verão. Apanhado pelo turbilhão de murros e depois pontapés, acabou encolhido no passeio ao lado do amigo, implorando-lhe que parasse de lhe bater. Foi um professor que o salvou, arrancando literalmente Chet do chão.

O que se seguiu foi interessante e ensinou-lhe uma lição que nunca esqueceria. Não lhe importava o que lhe fariam. A tareia que dera àqueles dois cretinos valia a pena. Nunca se tinha metido em problemas antes, mas sabia o que acontecia aos miúdos que lutavam na escola. Eram enviados ao gabinete do diretor e, por norma, recebiam um castigo, que quase sempre implicava limpar os apagadores depois da escola. Esse castigo seria leve. Ele tinha a sensação de que seria algo mais do que isso. Provavelmente ia receber umas reguadas, mas era suficientemente valente para o aguentar. Não havia nada que pudessem fazer que fosse pior do que a fúria do pai. Isso era a única coisa que o deixava preocupado — o pai. Por outro lado, este tinha-lhe dito mais do que uma vez que se assegurasse de que ninguém se metia com o irmão. E tudo o que Chet sabia era que ver o irmão indefeso a ser maltratado o deixava agoniado, e que não seria capaz de viver consigo mesmo se não fizesse alguma coisa para o impedir. Estava preparado para qualquer castigo que lhe dessem. Aconteceu outra coisa muito importante nesse dia — Chet ficou a saber que gostava de dar tareias a outros rapazes.

O diretor não estava de todo tão zangado quanto Chet julgava que estaria. Ao que parecia, que um aluno da segunda classe deitasse abaixo dois alunos do quinto ano era inédito. Através de certas coisas que foi ouvindo nos dias seguintes, ficou a saber que o corpo docente não gostava lá muito de Trevor e Nate. Evidentemente, havia anos que aterrorizavam a escola, e os professores mal podiam esperar que eles passassem para a escola preparatória, do outro lado da rua. A outra coisa que ficou a saber foi que os professores, em geral, não simpatizam muito com miúdos que façam pouco de alunos com dificuldades de aprendizagem. Onde Chet realmente se enganou, porém, foi em relação aos pais. O pai mal disse palavra, mas a mãe perdeu a cabeça. Ficou obcecada pelo facto de Nate Huckster ser o filho do pastor da igreja que frequentavam. Para Chet, isso ainda era maior razão para lhe dar uma tareia, já que o filho de um pastor devia saber que não se faz troça de um menino do jardim-infantil com problemas mentais. No entanto, não era essa a opinião de Emma. Aquilo era uma vergonha para a família. Os Huckster eram boas pessoas. A bisavó Huckster era uma das fundadoras das Filhas Unidas da Confederação e o avô de Trevor Smith era o dono do banco, que tinha a hipoteca da quinta deles.

Chet e Bob foram para casa no assento traseiro da carrinha Ford da mãe, ouvindo-a gritar com o pai acerca de muitas coisas que nenhum entendia. Quando finalmente chegaram a casa, o pai levou-o até ao celeiro, onde Chet esperava que ele lhe dissesse que baixasse as calças e se pusesse em posição. Isso não aconteceu. O pai pousou a mão gigante no ombro dele e encaminhou-o até um fardo de palha. Não fez qualquer tentativa de lhe esclarecer o que significava ser um pária da sociedade, um agricultor rude ou qualquer outra das coisas que ele ouvira a mãe a gritar no carro. Disse-lhe, sem margem para dúvidas, que lidaria com a mãe, que estava orgulhoso dele por ter defendido o irmão e que sim, o filho de um pastor não devia gozar com um menino delicado como Bob e que, se não o sabia, merecia que lhe dessem uma boa achega. Quanto aos Smith e à hipoteca da quinta, não havia qualquer motivo para preocupações. O pai de Trevor fora corredor da liga das escolas secundárias de futebol americano por um motivo. Quando Jake Bramble bloqueava o campo como tackle direito, não havia jogador na liga que pudesse pará-lo. Smith era um bom homem e, quando soubesse que o filho andava a meter-se com o pequeno Bob, havia de lhe dar uma segunda tareia.

Chet não percebia nada daquilo, mas algo em si mudara. Não o disse ao pai, e certamente não o disse à mãe, mas tinha gostado mais de bater naqueles dois rapazes do que de qualquer outra coisa que tivesse feito até então. Revia-o na sua mente com uma alegria pura, muitas vezes a sorrir e a rir de si para si. Como é costume em comunidades rurais, depressa se ficou a saber que Jacob Bramble, que fora por três vezes tackle da liga de futebol americano dos adorados Buldogues da Georgia, tinha um filho de sete anos que dera cabo do canastro de dois miúdos de onze. Seguiu-se um período de acalmia, em que os outros rapazes o tratavam com o devido respeito, pois não queriam que o maluco do criador de porcos lhes desse com a lancheira do GI Joe na cabeça. Contudo, o treinador de luta greco-romana da escola passou pela casa para falar com o pai de Chet acerca de canalizar os talentos naturais da criança na direção certa.

Chet nunca o soubera, mas o pai preocupava-se com ele bem antes da luta em frente à escola. Pressentira nele uma certa propensão para a crueldade que se revelava quando estava com os animais. Chet pontapeava os porcos e cuspia-lhes em cima quando eles não faziam o que ele queria, e tinha havido aquela vez que o apanhara a largar o gato das vigas do celeiro. Jake esperava que fosse uma fase, mas, entretanto, viu a luta greco-romana como uma forma de canalizar a energia do filho para algo com disciplina.

Ao início, funcionou. Chet devotou-se à luta greco-romana com o zelo de um missionário. Aos dez anos, era o campeão do estado da Georgia na sua faixa etária e de peso. Continuando a somar êxitos na luta greco-romana, começou a jogar futebol americano de contacto pleno. Era um portento. Jogava como fullback e como linebacker. Outras equipas tinham medo de jogar contra ele e, quando levava a bola, muitas vezes optava por correr contra os defesas, em vez de procurar abertas. Quando chegou à escola secundária, o seu corpo estava transformado numa massa de músculo sólido. Entrou logo para as duas equipas da escola e, no décimo primeiro ano, competia em todo o estado nos dois desportos. As miúdas adoravam-no, os rapazes receavam-no e, infelizmente, Bob tornava-se um embaraço cada vez maior. À medida que todos avançavam, o cérebro de Bob parecia preso algures entre o terceiro e o quarto ano. No décimo primeiro ano, estavam a defrontar os arquirrivais para o campeonato e um dos jogadores da outra equipa começou a fazer pouco do irmão de Chet, chamando-lhe atrasado mental e todas as outras coisas cruéis que lhe ocorriam. Chet, que já era conhecido por jogar a matar, respondeu de forma decisiva. Várias jogadas depois, a equipa varreu o campo. Quando o apito soou, Chet apanhou o energúmeno e espetou-lhe o capacete na lateral do joelho, partindo-o num ângulo de noventa graus.

Chet ficara extremamente orgulhoso de si mesmo. Anos passados, começava a sorrir quando se lembrava do matulão caído no chão e a chorar como uma menina. No ano seguinte, no mesmo jogo, o irmão mais novo do matulão devolveu o favor. Com um bloqueio proibido, esmagou-lhe o joelho. Na altura, todas as equipas da liga universitária queriam recrutá-lo. Na semana seguinte, todas as ofertas foram rescindidas e a carreira de Chet no futebol americano chegou ao fim. As suas notas nunca tinham sido ótimas, pelo que ir para a faculdade fazer outra coisa que não jogar futebol parecia um desperdício de tempo. Passou seis meses engessado e outros seis a ficar cada vez mais amargurado com a vida, fazendo poucos esforços de reabilitação do joelho.

O pai imaginava o que seria do filho se se visse obrigado a ficar na quinta de porcos para o resto da vida, pelo que o levou à estação de recrutamento do exército. Jake Bramble já vivia com uma mulher amargurada que ignorava o facto de estarem a criar uma operação extremamente rentável. Ela não conseguia superar o embaraço de ser casada com um criador de porcos. Não ia deixar que o filho ficasse ali e desperdiçasse o resto da vida a perguntar-se o que podia ter sido.

Por isso, aos dezoito anos, Chet alistou-se no exército. Dois anos depois, era ranger, e três anos depois juntara-se aos mais duros entre os duros — a Força Delta. Tinha havido alguns percalços pelo caminho, a maioria rixas em bares ou reprimendas de oficiais que não apreciavam o seu sentido de humor sarcástico e optavam por se concentrar na sua falta de respeito pela hierarquia. Era bem provável que a sua tendência para beber, lutar e desrespeitar oficiais acabasse por deixá-lo em grandes apuros.

E de facto isso aconteceu fora da base numa noite quente de agosto, num sítio popular em Fayetteville, na Carolina do Norte. Era um desses lugares com restaurante de um lado e um grande salão de dança do outro, onde punham música country e rock do sul a tocar bem alto toda a noite. Raparigas pouco vestidas com t-shirts amarradas com um nó e calções curtos serviam cerveja gelada de tinas galvanizadas, e o álcool fluía pelo preço certo. Aos fins de semana, o espaço ficava cheio de pessoal do exército, alguns fardados, mas a maioria à paisana. Chet e os amigos da Delta nem mortos seriam apanhados de uniforme fora de horas num bar, por isso, quando um grupo de oficiais entrou com os seus pares, todos a usar as suas fardas azuis, Chet não resistiu. Começou de uma forma bastante simples. Lançou alguns insultos na direção deles, os quais foram mais ou menos abafados pela música alta. O grupo de oficiais cheirava os rapazes da Delta a uma milha de distância, distinguindo-os pelo cabelo comprido, a barba, o bigode e os músculos salientes. As coisas pioraram quando Chet tentou passar à frente de um jovem segundo-tenente cuja mulher era sem dúvida a miúda mais gira daquele lugar.

O tenente, que era consideravelmente mais pequeno do que Chet, ofendeu-se. Chet empurrou-o e, antes que alguém tivesse a oportunidade de acalmar as coisas, um coronel de pleno direito, com um emblema de para-quedista e outro de infantaria de combate, dois corações púrpuras e o peito cheio de fitas e louvores meteu-se mesmo no meio daquilo. Os outros rapazes da Delta tiveram o bom senso de recuar, mas Chet estava demasiado embriagado para se aperceber de que estava prestes a atravessar um Rubicão que nenhum homem alistado deveria atravessar. O coronel avisou-o de que o seu comandante era um velho amigo e disse-lhe que, se voltasse já para a sua mesa, estaria disposto a desviar o olhar e esquecer que o vira agredir um oficial. Chet assentiu ebriamente e, por um longo momento, pareceu considerar a oferta do coronel. Depois mandou o oficial à merda. O coronel estava sóbrio, era bem grande e um durão de pleno direito. Olhou para os outros rapazes da Delta e aconselhou-os a tirarem o amigo dali antes que ele o atirasse para a cadeia.

E foi então que Chet lançou um grande gancho esquerdo que rasou o cimo da cabeça do coronel. Antes que mais alguém reagisse, o coronel desferiu-lhe dois socos velocíssimos — o primeiro nos tomates e o segundo no plexo solar. Quando Chet caiu de joelhos, o coronel deu-lhe o golpe de misericórdia, deixando cair a mão aberta na parte de trás do pescoço e fazendo-o perder os sentidos.

No dia seguinte, Chet acordou num chão de betão, com o pescoço tão dorido que não conseguia levantar a cabeça para observar o espaço em redor. Demorou algum tempo a perceber que estava na prisão de Fort Bragg. Depois ouviu vozes. Uma delas era-lhe familiar. Era o seu comandante. Os acontecimentos da noite anterior regressaram-lhe à memória numa neblina confusa. Chet percebeu que estava metido numa merda séria. Ouviu outra voz e pareceu-lhe que era aquele coronel emproado a quem ele ia dar uma surra de todo o tamanho. Rebolou para olhar para eles e deu-se conta de que tinha vomitado em cima da roupa.

— Mike, tu é que decides — dizia o seu comandante. — Para mim não há problema se quiseres enfiar-lhe o couro estúpido no tribunal marcial.

O coronel estava a usar o seu uniforme camuflado verde, com as calças enfiadas num par lustroso de botas e com as mãos unidas atrás das costas como estivesse num descanso da parada.

— Sinto-me tentado. Como raio é que alguém tão estúpido entra na Delta hoje em dia? — Inclinou a cabeça para olhar para o comandante da Delta. — Quando eu entrei contigo, testavam-nos para ver se tínhamos cérebro.

— Sim, pois, infelizmente não os testamos quando estão bêbedos.

— Se calhar deviam começar a fazer isso.

O comandante virou-se para a porta e perguntou:

— Stan, para que é que hás de querer um atrasado destes?

Com grande esforço, Chet girou o pescoço para ver com quem estava a falar o seu comandante. Um homem de fato cinzento encontrava-se à porta. Tinha um corte de cabelo curto, militar, mas a sua postura tinha algo de descontraído.

Fitou-o durante bastante tempo e depois disse:

— Lembro-me de umas quantas vezes em que tive vontade de bater num oficial. Até acho que o fiz, uma vez. Mas não tenho a certeza. Também estava bastante bêbedo.

O coronel que tinha dado cabo do couro de Chet abanou a cabeça, maldisposto.

— Eu não quero perder tempo com este cretino... e Jim, Deus sabe que os teus rapazes da D não precisam de mais publicidade negativa.

O comandante ficou secretamente aliviado. O seu velho companheiro tinha razão. O melhor a fazer ali era carregar no botão de ejetar e deixar que fosse Hurley a lidar com aquele idiota.

— Stan, é todo teu.

Stan Hurley cofiou o bigode e assentiu com a cabeça, expectante.

— É sempre agradável chegar a acordo convosco, cavalheiros.

— Não tens de quê. — Os dois oficiais seguiram pelo corredor, aliviados por se livrarem daquele problema.

— Levanta-te — ordenou-lhe Hurley.

— Quem é que você é, porra? — balbuciou Chet.

Hurley sorriu. Aquele campónio era capaz de precisar de aprender à bruta.

— Quem eu sou não é da tua conta. Tudo o que tens de saber é que acabei de te poupar a passares os próximos cinco anos da tua vida em Leavenworth. Agora toca a andar, Victor.

— Eu não me chamo Victor.

— Agora chamas. Vamos.

Isso tinha sido três anos antes e, ao início, Chet não sabia bem o que pensar daquele novo ramo de atividade. Sentia-se grato por ter evitado a cadeia, mas não adorava já não pertencer à melhor equipa de comandos do mundo. No entanto, de um momento para o outro, percebeu que tinha encontrado o melhor lugar e o mentor perfeito. Já não era preciso fazer continência ou seguir regras... e o melhor era que podia matar gente.

Olhou por cima dos monitores, vendo as fotos coladas à parede da carrinha. Eram cinco. A primeira era um simples retrato de rosto, a preto-e-branco. Fazia-o detestar Rapp ainda mais. O tipo tinha uma beleza bruta. Enquanto ele tinha de andar atrás das gajas, parecia que elas caíam no colo de Rapp. E, para tornar a coisa ainda mais irritante, parecia que o cretino as rejeitava sempre.

— Odeio-te, sacana arrogante.

Bramble perguntou-se onde teria Hurley arranjado a foto. Não eram muito dados a retratos, naquele ramo de atividade — sobretudo retratos para os quais fosse preciso posar. As outras quatro eram imagens de câmaras de videovigilância, uma delas tirada precisamente naquele quarteirão de Paris, mesmo em frente à casa secreta. Mais uma vez, como teria sido obtida e porquê eram coisas que o preocupavam bastante. Hurley, ou aquela cabra da Irene Kennedy, tinha ordenado que Rapp fosse vigiado. Não, pensou ele, ela adora-o demasiado para isso. É o seu pequeno animal amestrado. Nunca o sujeitaria a vigilância.

Só podia ser Hurley. Era um cabrão esperto. Por vezes, Bramble pensava que o filho da mãe detestava Rapp quase tanto quanto ele. Ele quer que eu o mate, pensou. Quer que me livre deste problema e eu vou ter todo o gosto em fazer isso.