CAPÍTULO 20

Em geral, as grandes cidades pelo mundo afora partilhavam uma organização similar. Tinham centros para os bancos e estruturas financeiras, bairros de negócios, mecas de comércio onde era possível comprar praticamente qualquer coisa, museus e salões de concertos, sistemas ferroviários de superfície e subterrâneos, e estradas que viajavam da baixa central para subúrbios, como artérias a partir de um coração. Havia parques e bairros que acomodavam os milionários, os miseráveis e todos os que estavam entre uma coisa e outra. As áreas prósperas tinham restaurantes de luxo, joalharias finas, galerias de arte e boutiques com as roupas mais caras. As áreas pobres tinham casas de penhores, restaurantes imundos que precisavam de subornar os inspetores de saúde para se manterem de portas abertas, lojas de jogos de azar, casas de prostituição, cabinas para depositar dinheiro com grades nas janelas e, claro, traficantes de droga.

Paris não era diferente, tirando o facto de os parisienses serem tão grandes admiradores de arte que tinham mais museus do que a maioria das cidades. Embora Rapp acreditasse que seria capaz de se safar em qualquer zona, por mais dura que fosse, achou melhor não complicar as coisas. Aquilo que procurava podia ser encontrado em quase todos os bairros de Paris. Podia meter-se no metro e ir até um dos bairros de lata na cintura externa da cidade, mas um criminoso inveterado havia de fazer demasiadas perguntas e era capaz de ir acompanhado por uns quantos dos seus companheiros, o que complicaria desnecessariamente as coisas. Rapp não precisava de um rufia a sério. Só precisava de alguém com vontade de ganhar algum dinheiro. Paris estava cheia de almas solitárias e perdidas — homens e mulheres que se tinham entregado ao vício da heroína, das metanfetaminas, do crack ou lá como era que lhe chamavam ultimamente.

Ao longo do ano anterior, Rapp ficara a conhecer muitos dos pormenores íntimos da Cidade do Amor. Paris fora a sua base operacional e, além de se exercitar e de se fingir empregado por um importador de software americano, tivera tempo para explorar e observar. Entre missões, regressava ao apartamento de Montparnasse e recuperava energias, tentando viver a vida como uma pessoa normal, o que não era nada fácil, dado que estava constantemente a olhar para trás. Tinha nascido com uma grande capacidade de atenção, mas, para sobreviver naquele ramo de atividade, sabia que tinha de levar essa atenção até todo um novo nível. Precisava de estar agudamente consciente do ambiente à sua volta a toda a hora.

A forma mais fácil de o fazer era praticando nas suas corridas e mantendo-se muito alerta enquanto tomava a maioria das refeições em cafés das redondezas. Não havia melhor maneira de ver e observar pessoas do que sentado num café com uma chávena de café na mão e um livro na outra, ou, dependendo da altura do dia, talvez um copo de vinho e um cigarro. Estava sempre atento a um rosto que já tivesse visto demasiadas vezes — alguém novo na zona que pudesse ter um interesse mais do que fugaz pelos seus movimentos. Passava grande parte do tempo a fazer exercício. Corria praticamente todos os dias, variando sempre as rotas, mas, dada a forma como as coisas funcionavam em Paris, costumava acabar no rio, onde não tinha de se haver com o trânsito e os semáforos.

Muitas vezes, atravessava o Quartier Latin, que albergava algumas das maiores instituições de ensino superior de França, como a Sorbonne e o Collège de France. As ruas estreitas do bairro estavam pejadas de cafés e livrarias que serviam a elite literária do país — poetas, escritores, teóricos e filósofos que eram tratados com um respeito ímpar. Aqueles semideuses da cultura parisiense tinham certas necessidades que o público em geral aceitava. Para alcançarem o génio e para se libertarem das amarras terrenas, muitos deles precisavam da assistência de certas drogas alucinogénias. Rapp não estava interessado nessas pessoas. Eram demasiado velhas e sensatas para o que ele tinha em mente. O bairro também era povoado por milhares de estudantes, dos quais um subconjunto queria drogas apenas para adiar a passagem à idade adulta. As drogas tinham um efeito potente em certas pessoas. Criavam dependência e eram dispendiosas. Com o passar dos anos, aquele duro paradoxo tinha levado inúmeras almas a vender o corpo e a cometer crimes tão mínimos como furto e tão hediondos como homicídio para alimentarem o seu vício. Quanto mais tempo passava entre doses, mais rapidamente a lógica e o pensamento racional eram postos de parte.

Rapp estava em busca de uma alma desesperada dessas ao emergir da paragem de metro de St. Michel, com uns óculos pretos Persol, uma gabardina preta comprida com a gola virada para cima e o queixo encolhido.

— Porque é que não me contas o teu plano? — perguntou Greta.

Era uma tarde soalheira e o passeio estava cheio de parisienses e turistas. Era fácil identificar os americanos, pela largura, pelas roupas volumosas, pela quantidade de malas, bolsas e mochilas e pelas câmaras penduradas no pulso. Os asiáticos viajavam em grupos compactos, eram mais pequenos e tinham câmaras melhores penduradas ao pescoço. Os russos e de outros países da Europa do Leste tornavam a mescla mais interessante. As mulheres costumavam usar demasiada maquilhagem, tinham o cabelo oxigenado e com as pontas secas, e os homens usavam montes de joias e fatos de treino, ou, pelo menos, casacos desportivos e óculos escuros enormes como se fossem imitadores de Elvis. Os britânicos, alemães e outros europeus eram mais difíceis de distinguir, mas Rapp ainda dava pela diferença.

Colocou uma mão na cintura de Greta. Com a sua beleza e o cabelo louro, destacava-se como um farol.

— Já te disse que tenho uma tara por morenas.

— Um fetiche sexual esquisito, sem dúvida.

— Uma coisa assim.

Greta mandou-lhe a língua de fora e fez uma careta.

— Se te vais pôr a fazer caretas, podemos esquecer a peruca e fazer-te uns totós.

Ela deu-lhe uma palmada no peito e tentou afastar-se.

Rapp segurou-a bem.

— Já te expliquei que, se queres vir comigo logo à noite, temos de te pôr uma peruca.

— Ninguém me conhece.

Já tinham falado de tudo aquilo no hotel.

— Provavelmente não, mas o Stan sem dúvida que conhece e há pouca gente tão alerta quanto ele.

— Não percebo porque é que não podes simplesmente ir ter com ele. Ele é bom homem. Vai ouvir-te.

— E depois vai trancar-me e espremer-me durante um mês.

— Espremer-te? — perguntou Greta com uma expressão confusa.

— Vai tirar-me o relógio e a roupa toda, pôr-me num quarto muito escuro e frio e dar-me cabo da mente durante o tempo que for preciso para se assegurar de que estou a dizer a verdade.

— Não acredito nisso. Conheço-o desde que era pequenina.

— Ele tem outro lado. Um lado muito sombrio. — Rapp via que ela não acreditava. — Greta, tu sabes o que é o nosso trabalho.

— Vocês são espiões.

Mais ou menos, pensou ele.

— E os espiões matam pessoas. Enganamos, mentimos e conspiramos para obtermos o que precisamos, e criamos todo o género de fachadas para garantir que pessoas boas como tu não veem o homem feio por trás da máscara.

Desta feita, ela conseguiu afastar-se.

— Estás a dizer-me que tu és assim?

— Não — gemeu Rapp. — Estou a dizer-te que o Stan é assim... e talvez eu venha a ser assim um dia, mas podes crer que não é esse o meu plano.

— Mas és um bom mentiroso?

— Não tanto quanto o Stan Hurley, mas, quando estou numa missão, faço o que é preciso para a completar.

— E quanto a mim?

Rapp pousou as duas mãos nos ombros dela.

— Se não gostasse de ti, não me teria dado ao trabalho de te telefonar. Ter-te-ia deixado ir para Bruxelas e ficar uma pilha de nervos quando eu não aparecesse. Em vez disso, liguei-te. Vieste para Paris e hoje de manhã contei-te coisas que podem fazer com que me matem, e tu continuas a duvidar de mim. Greta, não podes falar de nada disto com o teu avô ou seja lá com quem for. Eu gosto do teu avô. Sei o que ele fez durante a Segunda Guerra Mundial e depois, quando os Russos começaram a tomar conta de tudo. Se ele descobrisse que eu te tinha envolvido nisto de alguma maneira, não duvido de que pegaria no telefone, pediria um favor a alguém e eu passaria o resto da vida a olhar para trás. Mais cedo ou mais tarde, alguém me apanharia a dormir e me enfiaria uma bala na cabeça.

— O meu avô nunca faria isso.

— O teu avô é um homem muito sério e consideraria uma traição que a neta se tivesse apaixonado por alguém como eu. Quereria proteger-te e a melhor forma de o fazer seria eliminando-me.

— Não acredito nisso.

— Não sei que mais te dizer. — Rapp começava a ficar frustrado. — Podes ir para casa quando quiseres, Greta. Eu não vou ficar aqui a discutir cada passo que dou.

— Não me queres aqui?

— Eu não disse isso. Não me ponhas palavras na boca. Queria ver-te e quero a tua ajuda, mas isto não é um clube de debate. Na verdade, sou bastante bom no que faço, apesar do que aconteceu na outra noite.

Ele tinha-lhe explicado tudo: os guarda-costas que não eram guarda-costas, como Tarek ganhava a vida antes de se tornar ministro do petróleo, e a sua opinião de que tudo aquilo fora uma cilada elaborada.

— Eu acho que o facto de ainda estares vivo é prova de que és bom no que fazes.

— Obrigado. Agora podes parar de me interrogar e ir comprar a peruca?

Ela assentiu com a cabeça e depois passou-lhe os braços à volta da cintura e enterrou a cara no peito dele. Apertou-o com força, mas não falou.

Rapp deu-lhe um beijo no alto da cabeça e depois disse-lhe:

— Vou ter contigo ao hotel daqui a umas horas.

Greta assentiu com a cabeça.

— Não podemos só encontrar-nos aqui, em vez do hotel?

— Lá estás tu outra vez com as perguntas. Já te disse que não sei quanto tempo vou demorar. É melhor se nos encontrarmos no hotel. — A expressão dela dizia-lhe que estava nervosa. — Não te preocupes, querida, não vai acontecer nada.

Greta pôs-se em bicos de pés e beijou-o nos lábios.

— Amo-te.

Rapp inspirou profundamente e respondeu:

— Eu também te amo. Agora vai lá arranjar a peruca.

Girou-a e mandou-a embora com uma palmadinha no traseiro. A cada três metros, mais ou menos, ela olhava para trás para ver se ele continuava ali. Rapp não se mexeu, ciente de que havia uma boa probabilidade de ela tentar segui-lo. Quando Greta se encontrava a dois quarteirões de distância, fez-se ao caminho. Dirigiu-se para o rio e depois voltou para trás. O Quai de Montebello estava cheio de turistas e parisienses. A imponente catedral gótica de Notre Dame encontrava-se na sua ilha, no meio do rio.

Turistas daquele lado do curso de água bloqueavam a passagem enquanto tiravam fotos da famosa igreja. Rapp manteve o rosto virado para baixo e, como os outros parisienses no passeio, ia contornando e esquivando-se aos turistas sem perder tempo. Tinha um destino em mente. Um lugar por onde passara muitas vezes. Um sítio onde vira o deambular nervoso e agitado de viciados desesperados por algo que lhes aliviasse a ressaca ou uma dose mais potente para os levar de novo ao nirvana. Virou à direita na Rue du Petit Pont. Dois quarteirões mais adiante, estava em frente à igreja católica de São Severino. Isso era outra coisa que diferenciava Paris. Ao contrário de Berlim, ou Londres, naquela cidade havia uma probabilidade enorme de que praticamente qualquer igreja que se encontrasse fosse católica. Eram como os italianos e os espanhóis, nesse sentido. A Reforma Protestante nunca se instalara realmente no sul da Europa.

Muito poucas pessoas tiravam fotos à igreja. Aquela igreja era rica em história, e um exemplo perfeito da arquitetura gótica, mas simplesmente não podia competir com a grandiosidade de Notre Dame, a uma curta distância para norte. Rapp reparou em três pedintes. Estavam perfeitamente espaçados, um diretamente em frente à igreja e um em cada esquina. Era possível que estivessem a trabalhar juntos, mas provavelmente não. O mais importante era que todos tinham dependências, como se via pelas olheiras profundas e escuras e pelo comportamento irrequieto. Escolheu um dos cafés do outro lado da rua e uma pequena mesa na esplanada com uma boa perspetiva. Quando a empregada chegou, pediu-lhe um café e uma sanduíche num francês perfeito. Quando lhe levou o café, ele perguntou-lhe se teria algum jornal disponível e, logo a seguir, ela voltou com três.

Fingiu ler os jornais enquanto estudava os vários rostos nos cafés próximos e tentava ignorar a dor incómoda no ombro esquerdo. Quando a sua sanduíche chegou, já tinha dois bons candidatos. Um dos pedintes em frente à igreja tinha conseguido dinheiro suficiente para fazer uma compra, ao que foi direto ao café onde ele estava, dirigindo-se a um jovem sentado a apenas quatro mesas dele. Rapp localizou outro traficante do outro lado da rua noutro café, quando o segundo pedinte atingiu a sua quota. Durante a hora seguinte, deixou-se ficar e foi observando os homens e mulheres que paravam junto dos traficantes. As manobras experientes de mãos discretas a passar coisas debaixo da mesa enquanto as mãos livres gesticulavam muito para distrair qualquer transeunte da troca ilícita — tudo aquilo fazia parte da cultura das drogas. O traficante do outro lado da rua era demasiado baixo e gordo para os seus propósitos, mas o que estava mais perto tinha o ar que ele buscava. Depois de observar mais umas quantas transações, Rapp levantou-se, deixou algum dinheiro em cima da mesa e agarrou no seu café. Aproximou-se do homem com um sorriso no rosto e apontou para a cadeira vaga.

O homem media um metro e oitenta, tinha cabelo preto e uma barba negra de dois dias. Estava de óculos escuros, um blusão de lona verde-escuro, calças de ganga e botas castanhas. Fez-lhe sinal para que se sentasse.

Ele assim fez e pousou o seu café na mesa.

— Falas inglês? — perguntou-lhe em voz baixa.

— Sim — respondeu o homem sem dificuldade.

— Bom. — Rapp expirou nervosamente e olhou em redor.

O homem sorriu. Podia sempre cobrar mais aos estrangeiros.

— Posso ajudar-te?

— Espero que sim. — Rapp esfregou as palmas das mãos nas calças de ganga, continuando a fingir-se nervoso.

O homem começou a desfiar uma lista curta de drogas e preços.

Rapp abanou a cabeça de forma enfática.

— Não sou drogado.

Isso provocou um sorriso ao homem. A negação também fazia parte do negócio.

— Claro que não. O que posso fazer por ti?

— Tenho uma proposta. Um trabalho que poderá valer-te bastante dinheiro.

— E o que implicaria esse trabalho?

— Que eu te desse a chave de um apartamento e a combinação de um cofre.

O homem puxou uma passa do cigarro e sorriu.

— O que está no cofre?

— Algum dinheiro.

— Quanto?

— Muito.

O francês inclinou a cabeça para um lado e depois para o outro.

— Muito é uma coisa relativa. O que talvez seja muito para ti poderá não ser para mim.

— Pelo menos vinte mil... e algumas joias que valem mais do que isso.

O homem apagou o cigarro.

— Porquê eu?

Rapp pestanejou nervosamente e disse:

— Porque sou americano e não conheço ninguém em Paris, foda-se. Pelo menos ninguém que esteja disposto a entrar no apartamento desta cabra e tirar-lhe o que é meu.

— Esse dinheiro é teu? — perguntou-lhe o francês com ceticismo.

— Sim... eu ganhei-o. Tínhamos um entendimento. Ela devia pagar-me, mas agora está a ver se me lixa.

— Que tipo de acordo?

— Isso não é importante. — Rapp olhou por cima do ombro como se ela pudesse aparecer de surpresa a qualquer momento. — Aquela cabra trata-me como um escravo. Tem o meu passaporte no cofre, e o meu dinheiro, e não mo dá.

— Então porque é que não o abres e tiras de lá o que é teu?

— Ela não sabe que eu sei a combinação e... — Rapp deixou a frase no ar, como se estivesse demasiado envergonhado para continuar.

— E o quê?

— Ela é amiga dos meus pais. Uma boa amiga. Se eles descobrissem que tenho andado a ir para a cama com ela, passavam-se.

O francês acendeu outro cigarro, expirando uma nuvem de fumo.

— Vamos lá recuar um segundo. Porquê eu? Como é que me encontraste?

— Eu não sou drogado — disse Rapp, num tom defensivo. — Quero dizer, não sou viciado. Consumo de vez em quando, mas não preciso. Tenho uns amigos na universidade. Toda a gente sabe que isto é um sítio onde se arranja. Contigo e com o gordo do outro lado da rua. — Rapp inclinou a cabeça na direção desse homem.

O francês fez um sorriso largo, revelando um par de caninos afiados.

— Então e porque é que achaste que eu ia querer ajudar-te a roubar essa mulher?

— Tu passas droga. Já infringes a lei e o que fazes todos os dias é bem mais arriscado do que isto. É assim — disse Rapp, insistindo —, a cabra é rica. Não vai sentir a falta de nenhuma destas coisas. Combinámos ir a uma exposição numa galeria de arte logo à noite. Vamos estar fora pelo menos duas horas. Posso dar-te a chave, o código de segurança e o código do cofre. Estou-me a cagar para o que tiras de lá. Eu só quero o meu dinheiro e o meu passaporte.

— Dizes que há muitas joias.

— Pois.

— Nem sempre é fácil livrarmo-nos de joias.

— Quero dizer diamantes... pequenas bolsas com diamantes. — Rapp uniu as mãos. — Não sei quanto é que valem, mas tem de ser muito.

O homem assentiu com a cabeça enquanto pensava no assunto.

— Se eu decidir fazer isto, vou ficar com metade do dinheiro e com as joias todas.

— Merda! — Rapp levantou-se um pouco da cadeira. — Porque é que toda a gente me quer lixar?

— Eu não te quero lixar, só quero que valha a pena o meu tempo.

Rapp inspirou profundamente duas vezes e tornou a instalar-se na cadeira.

— Cinquenta por cento para cada um... só se for assim. Se queres metade do guito, eu fico com metade dos diamantes.

— Não me parece. Sou eu que vou correr o risco todo.

— Se eu não te trouxesse isto, não tinhas nada. Assim ficas com metade de muito, e tudo o que tens de fazer é entrar na casa enquanto nós vamos à galeria.

— E como é que eu sei que isto não é uma cilada?

Rapp abanou a cabeça, como se a ideia fosse ridícula.

— O quê... achas que trabalho para a bófia, porra? Mas eles agora contratam americanos? Se quisessem apanhar-te, bastava avançarem para aqui agora mesmo. Eu só quero o meu dinheiro, o meu passaporte e alguns daqueles diamantes.

O homem ficou calado durante muito tempo, a olhar para longe.

— Como é que sabes que podes confiar em mim?

— É fácil... aqui toda a gente sabe quem és. Se não te encontrares aqui comigo amanhã com as minhas coisas, denuncio-te à polícia. Eles vão saber onde encontrar-te.

— Mas depois ficas implicado no caso.

— Faço-me de americano parvo e digo-lhes que me drogaste e que perdi os sentidos. Que acordei e a minha carteira tinha desaparecido. Eu tinha a chave e os códigos escritos num papel na carteira. — Rapp calou-se e agitou as mãos. — Mas ouve, não temos de ir por aí. Há mais do que o suficiente para dividirmos. Ninguém precisa de ser ganancioso. Faz isso esta noite, encontramo-nos aqui mesmo daqui a dois dias e ambos ficamos contentes.

Luke Auclair estava mais do que intrigado. Havia cinco anos que, intermitentemente, ia estudando gestão no Collège de France. As suas notas não eram espetaculares e ele recorrera a vender narcóticos para pagar as contas elevadas. Por que razão nunca procurara um trabalho honesto era uma pergunta que evitava fazer a si mesmo. A verdade era que era preguiçoso, sempre fora preguiçoso e provavelmente seria preguiçoso até morrer. Se houvesse uma forma de evitar trabalhar, ele encontrava-a. Aquele americano estava desesperado. Isso era óbvio. Tentou calcular o pior cenário possível. Ser apanhado no apartamento, mas, por outro lado, teria uma chave. Poderia alegar que o americano o convidara. Depois disso, era dinheiro e diamantes. Pelo que parecia, talvez fossem muitos diamantes. A sua parte podia facilmente ser mais de vinte mil por umas horas de risco. Esse tipo de retorno agradava-lhe. Começou a acenar com a cabeça.

— Está bem... mas se chegar lá logo à noite e não me parecer bem, vou-me embora.

— É justo.

— Como é que te chamas?

— Frank... Frank Harris. — Rapp calculou que o tipo veria o nome no passaporte, pelo que mais valia dizer-lho. Duvidava de que conseguisse sequer passar da porta da rua. Se o parassem e o tratassem bem, isso seria um bom indicador de que poderia confiar em Irene e talvez em Hurley. Se o apanhassem, lhe enfiassem um saco na cabeça e o metessem num porta-bagagens, ficaria a saber que tinha problemas maiores. — E como é que te chamo?

— Podes tratar-me por Luke.

— OK. — Rapp deslizou um papel sobre a mesa. Tinha o nome e a morada de um café escritos a tinta preta. — Conheces este lugar?

Luke assentiu com a cabeça.

— Bom. Encontro-me contigo lá às sete. Fica a uns quarteirões do apartamento. Dou-te a chave e os códigos e digo-te onde está o cofre.

Auclair assentiu com a cabeça.

— E, mais uma vez, se alguma coisa me cheirar mal, vou-me embora.

— Entendido. — Rapp estendeu o braço para firmarem o acordo com um aperto de mão. Levantando-se, disse-lhe: — Vemo-nos logo à noite.