CAPÍTULO 22

Paris, França

A tarde de domingo ia a meio e o restaurante do Hotel Balzac estava cheio. Aquele sítio estava sempre a abarrotar, já que se encontrava no ponto ideal para turistas, diplomatas e clientes da alta sociedade. Havia uma mão-cheia de hotéis em Paris que serviam os mais ricos, e aquele era um deles. O maître fazia parte das pessoas a quem Fournier pagava, bem como alguns dos principais empregados. Em ocasiões especiais, não se opunha a colocar os seus próprios agentes vestidos com as fardas do restaurante para poderem escutar as conversas de certos clientes influentes. Mas naquele dia não. O diretor da Divisão de Ação da DGSE tinha mandado os seus homens assegurarem-se de que a mesa do canto e a área em redor eram revistadas e de que não tinham quaisquer dispositivos de escuta. Um dos seus agentes encontrava-se a um metro e meio deles, bloqueando-os do resto do restaurante. Tinha formação específica de procura de dispositivos de escuta direcional, e alterava subtilmente a sua posição a cada trinta segundos, para impedir que qualquer ouvinte potencial tivesse uma linha de visão direta do seu chefe.

Fournier tinha uma generosa conta de despesas justamente por este motivo. Precisava de se dar com as pessoas certas e, salvo raras exceções, essas pessoas tinham gostos dispendiosos. A Suíça era conhecida pelos bancos, mas era a Paris que os empresários internacionais iam para firmar negócios. Fournier não tinha qualquer pejo em encontrar-se com Max Vega em público. De facto, era-lhe conveniente, para legitimar as suas relações. A espionagem industrial era uma parte importante do trabalho de Fournier e qualquer informação que conseguisse obter sobre empresas estrangeiras que operassem em França ou competissem com empresas francesas no estrangeiro era uma prioridade.

Vega fazia parte da direção de uma das principais empresas de telecomunicações de Espanha. Considerado uma estrela ascendente no mercado crescente dos telemóveis, Vega era uma espécie de contradição. A mãe era espanhola e o pai um abastado príncipe saudita. A mãe espanhola não gostara lá muito de que o marido real desposasse uma segunda mulher. Ainda tolerara a situação durante cerca de um ano, mas, quando ele casara com a mulher número três, uma iemenita de dezassete anos, o seu orgulho espanhol não aguentara mais. Deixara-o e voltara a Madrid, levando consigo o filho Omar, ao qual alterara o nome para Max Vega, em homenagem ao pai, que sempre se opusera ao casamento com o saudita. Dois anos depois, Max tinha sido enviado para um colégio interno na Suíça e, aos dezoito, fora para a London School of Economics. Depois disso, passara por três casas de investimentos e por uma firma de fusões e aquisições, com um desempenho excelente e acumulando uma bela maquia como recompensa pelos seus talentos.

Fournier escutava-o sem grande atenção a falar ao telemóvel. O seu gabinete tentara determinar o património líquido do milionário de trinta e oito anos, mas isso revelara-se difícil. Facilmente valia vinte milhões só por si, mas o melhor analista financeiro de Fournier achava que ele recebia fundos do pai, o qual tinha propensões radicais bem conhecidas. Apesar de vinte milhões ser um número simpático, Vega vivia bem para lá disso. A teoria era que, ainda que ele fosse talentoso e relativamente endinheirado, fora o pai a comprar-lhe o lugar na direção da Telefónica.

Só podia adivinhar o que levara Vega a estabelecer contacto de novo com o pai saudita. A curiosidade sem dúvida teria sido um fator, e ele tinha a certeza de que os psiquiatras da DGSE, um deles devoto de Carl Jung, enquanto o outro venerava Sigmund Freud, poderiam passar horas a explicar-lhe que isso tinha algo que ver com o inconsciente coletivo ou com o ego por realizar, o id inseguro e alguma fixação oral que tivesse tido na infância. Tudo isso entediava Fournier. Estava menos preocupado com como as pessoas se tornavam quem eram do que simplesmente com quem eram. O seu ofício não consistia em mudar os outros. O seu ofício era fazer com que os outros lhe entregassem informação importante e fazê-los vergarem-se para serem úteis à República.

Na sua opinião, todos aqueles radicais islâmicos eram mentalmente instáveis. O que ele ainda estava a tentar perceber era onde se posicionava Vega no lado religioso daquela embrulhada e, em geral, o que queria. Parecia ser um clássico empresário europeu, mas Fournier receava seriamente que, debaixo daquele fato de cinco mil dólares de Savile Row estivesse um fundamentalista capaz de o tramar. Não saber não lhe agradava. Por norma, era ele quem iludia, quem dava as cartas e punha as coisas a funcionar a seu favor. Não conseguia livrar-se da sensação de que Vega estava a manipulá-lo. Aquele acordo que lhe oferecera ia rebentar-lhe na cara se ele não o controlasse rapidamente, e essa sensação não lhe agradava nem um pouco.

Eram esses os pensamentos a circular pelo seu cérebro enquanto bebericava do segundo copo de Syrah e fitava os olhos negros como petróleo de Vega. Era fácil gostar dele, comparando-o com os dois imbecis, Rafique e Samir. Continuava a irritá-lo que Samir tivesse dado cabo das coisas de uma forma tão espetacular. Dera aos idiotas tudo o que tinham pedido e Tarek, o idiota ganancioso, fora o engodo perfeito. No que concernia à Direção-Geral, Fournier teria matado dois coelhos com uma cajadada. Livrar-se-ia de Tarek e receberia garantias daqueles radicais quanto a manterem os seus bombistas suicidas fora de França. Os seus superiores compreenderiam os motivos e apreciariam a iniciativa tomada. Quanto ao dinheiro que isso lhe valera, já o transferira de um banco na Suíça para outro. Seria impossível seguir-lhe o rasto e, ao contrário de outras agências de serviços secretos, a DGSE não se importava muito que os seus agentes engordassem as contas para a reforma. Isso era considerado a coisa sensata a fazer. Desde que os interesses da República fossem colocados em primeiro lugar, era uma situação benéfica para todos.

No que dizia respeito àquele assassino, Fournier estava bastante ambivalente. Tinha visto a lista de homens que ele executara e nenhum deles seria chorado por aqueles cuja causa era derrotar o terrorismo. Contudo, embora não apreciasse fundamentalistas islâmicos, o seu principal objetivo era manter a França a salvo de represálias dos zelotes. Isso significava proteger a nação tanto em casa como no estrangeiro. Se Vega e os seus homens queriam aquele assassino morto, isso nada interessava a França. Contudo, ele não tinha morrido. A cilada falhara de forma espetacular. Fournier servira-se dos seus contactos, descobrira que o ministro do petróleo da Líbia estava na lista e ajudara-os a instalar a armadilha. Ao início, ficara em pânico, ao saber que aquele assassino não só matara Tarek mas também quatro dos homens de Samir. Presumira de imediato que o assassino era mesmo bom, mas, com o passar de mais um dia, ganhou mais perspetiva. Samir era um idiota. Isso era inegável, o que queria dizer que talvez aquele assassino não fosse assim tão talentoso.

Tomou um gole de vinho e perguntou-se por um momento onde poderia estar o assassino. Era quase certo que já fugira de França. Estava convencido de que o seu papel no massacre do hotel nunca veria a luz do dia, mas havia umas quantas pontas soltas por resolver e, assim que Vega desligasse aquela chamada, Fournier espetaria as suas condições pela garganta do homem mais novo abaixo. E depois reestruturaria o acordo que tinham.

Por fim, Vega desligou o telemóvel e pousou-o na mesa.

— Lamento, mas era um telefonema muito importante.

Fournier fez rodopiar o vinho tinto no seu copo e depois disse:

— Max, apreciei trabalhar consigo.

— E eu consigo. — Vega sorriu e ergueu o seu copo de Perrier.

A expressão cordial desapareceu do rosto de Fournier.

— Contudo, não apreciei trabalhar com os seus dois associados.

Vega sorriu como se isso fosse uma questão de somenos.

— Têm umas quantas arestas por limar.

— Isso é dizer pouco. — Fournier pousou o copo e perguntou: — Estão lá em cima na sua suíte neste momento?

Vega teve a impressão de que o francês já sabia a resposta à sua pergunta, mas não estava disposto a ceder tão facilmente.

— Não me é permitido dizê-lo.

Fournier resmungou.

— Não lhe é permitido. Não goze comigo, Max. Depois do que aconteceu na outra noite, a minha hospitalidade está por um fio. Fiz um pedido simples. Disse-lhe que queria que o Samir saísse imediatamente do meu país.

Vega assentiu com a cabeça.

— Para a nossa relação funcionar, preciso que compreenda certas coisas. Quando lhe digo que quero que algo aconteça, e que quero que aconteça de imediato, isso tem de acontecer.

— Eu compreendo, mas há certas complicações.

— A única complicação que me é dada a ver é que o Samir continua em França. A polícia está a expandir a investigação. É só uma questão de tempo até perceberem que havia um quinto homem. Ele tornou-se um ponto fraco. Não posso dar-me ao luxo de o ter a andar por aí. Sabe demasiado.

— Acho que se preocupa demasiado. O Samir é um homem leal. Nada acontecerá.

— O Samir é-lhe leal a si e à sua organização. Não tem qualquer lealdade para comigo... na verdade, até me ameaçou. — Abanou a cabeça como se mal conseguisse acreditar. Ele era o responsável pela Divisão de Ação da DGSE, aquele árabe imbecil ameaçara-o no seu próprio país, e agora Vega tentava fingir que aquilo não era nada demais. A estupidez de tudo aquilo levou-o a tomar uma decisão impulsiva. — Max, parece-me que não me leva suficientemente a sério. Estou a perder a confiança em si e nos seus homens...

— Mas — tentou Vega interrompê-lo.

— Mas nada — ripostou Fournier. — Algum dos meus homens o ameaçou?

— Não.

— Nem sequer falam consigo. Mas deixou que esse tolo incompetente do Samir me ameaçasse. Não confunda o meu civismo com um fundo interminável de hospitalidade. Tenho cooperado consigo porque era algo que nos convinha a ambos, mas agora começo a pensar que lidar consigo já não é do interesse de França.

— Discordo...

— Não me interrompa — replicou Fournier num tom gélido. — Eu gosto de si, Max, mas o seu discernimento preocupa-me. Se não é capaz de honrar um simples pedido, já não poderei continuar a colaborar consigo e não se engane, isto é França. — Bateu com a ponta de um dedo na toalha de linho e inclinou-se para a frente, ficando a escassos centímetros de Vega. — Se amanhã de manhã o Samir não tiver saído deste país, sentirão a força da minha mão.

Vega sentiu os pelos da nuca arrepiarem-se. Pigarreou e arrastou a cadeira um pouco para trás.

— Surgiu uma complicação.

Fournier quase se riu, à espera de uma desculpa esfarrapada qualquer.

— Diga lá, por favor.

— Informaram-me que consto da lista.

— Da lista? — Demorou um pouco a compreender a que lista ele se referira. — Está a falar da lista em que o Tarek estava?

— Sim — disse Vega, com um aceno solene da cabeça.

Fournier assimilou a nova informação e a sua mente deparou-se de imediato com um potencial problema.

— Tem a certeza?

— Sim.

— Como?

— O meu pai fez-me chegar a informação. Quer que o Samir e o Rafique se mantenham muito atentos a mim. — Vega fez uma pequena pausa. — E vai enviar mais homens para me protegerem.

Fournier não se deu ao trabalho de ocultar o seu desagrado.

— E quando é que ia informar-me disto?

— Só soube esta tarde.

— Por telefone? — perguntou Fournier, apontando para o telemóvel preto em cima da mesa.

Vega assentiu com a cabeça.

Fournier fez um esgar.

— Já lhe tinha dito que não pode confiar nesses aparelhos. Conseguimos intercetá-los. E os Russos, os Britânicos e os Americanos também.

— Temos os nossos códigos — disse Vega, abanando a cabeça. — Podem escutar à vontade. Tudo o que vão ouvir é um homem a falar de negócios com o pai.

Fournier não perfilhava tal confiança. Estava ciente das capacidades da sua própria organização, que nada eram quando comparadas com aquilo que os Americanos conseguiam fazer. Aquele encontro tinha definitivamente corrido mal. Fournier pensou nas várias hipóteses à sua disposição e estava prestes a dizer a Vega que chegara a altura de ir embora de França quando uma visita nada bem-vinda surgiu diante da mesa.