CAPÍTULO 24

Paris, França

Tinha sido bastante fácil arranjar as matrículas. Havia um grande parque subterrâneo a uns quarteirões da Torre Eiffel. Rapp foi ao piso menos três e encontrou um sedã num canto escuro conveniente. Apressou-se a desatarraxar as placas da frente e da traseira do carro e depois dirigiu-se ao piso menos quatro. A matrícula do carro privado começava por um conjunto de quatro dígitos, seguidos por duas letras e outros dois dígitos. Demorou uns minutos a encontrar um veículo com uma matrícula cujos primeiros dois números correspondessem à que tinha tirado. A maioria dos automobilistas não sabia a sua própria matrícula de cor, mas, por precaução, era melhor manter o primeiro ou os dois primeiros dígitos. As pessoas tinham tendência para ignorar o que parecia familiar. Tirou as placas do carro e instalou rapidamente as que tinha roubado ao primeiro automóvel. Era uma troca simples.

O proprietário do primeiro veículo depressa repararia que lhe tinham roubado as matrículas, pois haveria um espaço vazio onde ele costumava ver uma placa. Faria uma participação de furto à polícia. Paris era uma cidade grande, com crime sério. Placas de matrícula roubadas não estavam no topo de prioridades de coisas a procurar, mas, ainda assim, Rapp queria alguma separação, não fosse a sorte pregar-lhe uma partida. Poderiam passar-se meses até o homem ou mulher a quem pertencia o segundo carro ser mandado parar por ter uma matrícula roubada. Só então se aperceberia de que as suas placas também haviam sido roubadas, fazendo uma participação disso. Por essa altura, Rapp e Greta teriam partido havia muito. O Audi A4 prateado de Greta não era o problema. O problema era a matrícula suíça, que chamava demasiadas atenções. Se tivessem de fugir, não precisavam que uma testemunha inocente indicasse o número da matrícula dela a um agente da polícia, e decerto não iam querer que Hurley a visse.

Chegou ao hotel com o ombro ligeiramente melhor e a mente satisfeita por estarem a postos para a noite. Greta esperava-o no quarto e tinha um ar um pouco nervoso, apesar de se esforçar por não o parecer. Quis saber o que o fizera demorar tanto e ele falou-lhe das placas de matrícula e de outras questões menores de que tratara. Antes que o interrogatório continuasse, virou o bico ao prego e começou a fazer-lhe perguntas sobre como fora a tarde dela. Enquanto a ouvia, despejou o conteúdo de um dos seus sacos de compras em cima da cama. Tinha ali um estojo de costura, um par de calças de ganga, um casaco novo e mais alguns artigos. Estendeu as calças de ganga em cima da cama e tirou a Glock com silenciador do cós das calças. Greta parou de falar ao ver a arma. Rapp colocou-a sobre a coxa esquerda das calças de ganga, agarrou num marcador e começou a desenhar um contorno.

— Experimentaste a peruca?

Greta ignorou-o.

— O que é que estás a fazer?

— O meu coldre de ombro está adaptado para canhotos e a minha mão esquerda não me serve de muito agora. Preciso de fazer um coldre novo para a arma. Continuar a enfiá-la no cós das calças não é a melhor coisa a fazer.

— Porquê... porque podes disparar sobre ti mesmo?

— Não, é só que não é muito confortável, nem muito fácil de sacar quando é preciso.

Ela assentiu com a cabeça e ficou a vê-lo cortar a ganga com uma tesoura.

Depois de ter o pedaço de tecido de que precisava, colocou o novo blusão de sarja preta em cima da cama e abriu-o, revelando o interior do lado esquerdo. Pousou a arma e tapou-a com o remendo de ganga, até ter o ângulo certo. Serviu-se de alfinetes para prender o tecido ao forro de flanela e depois agarrou numa agulha e num fio.

— Não sabia que sabias coser.

Rapp dirigiu-lhe um sorriso de esguelha.

— É um dos meus muitos talentos. Tens fome?

Ela abanou a cabeça.

— Estou só cansada.

Rapp fez passar a agulha pela ganga e pela flanela e depois puxou o fio antes de furar a sarja da parte de fora do casaco.

— E se experimentasses a peruca para eu ver? Não queremos surpresas logo à noite.

Greta queria perguntar-lhe porque era que precisava de levar uma arma, se não havia perigo, mas sabia que essa era uma pergunta idiota. Toda a vida dele era perigosa, e ela tentara ignorar esse facto desde que o conhecera. Agarrou no seu saco de compras e foi para a casa de banho, fechando a porta depois de entrar. Pegou no rabo de cavalo e torceu-o até formar um carrapito. Em seguida, colocou cuidadosamente a peruca por cima do cabelo louro. Depois de ajeitar o lado esquerdo e o direito, deu uns toques no alto e sacudiu-a. Estava bem, mas não lhe agradava parecer uma desconhecida.

Rapp ouviu a porta abrir-se e desviou o olhar da agulha e do fio. O cabelo preto passava-lhe dos ombros. O rosto perfeito estava emoldurado por uma franja negra que parava dois centímetros antes das sobrancelhas. Sem se dar conta, Rapp ficara boquiaberto.

— O que achas? — perguntou-lhe ela.

— Acho que estou com tesão.

— Isso não tem graça.

— Não era para ter. — Rapp pousou o casaco na cama e levantou-se. Caminhou até Greta, parando a apenas trinta centímetros dela. Ela fitou-o por um segundo e depois cruzou defensivamente os braços e olhou para a parte em branco atrás dele. A linguagem corporal era bastante clara, mas ele não se dissuadia tão facilmente. Colocou suavemente a mão direita no queixo dela e virou-lhe o rosto para o seu. — Lamento ter-te envolvido nisto. Talvez fosse melhor voltares para Zurique. Eu faço o que preciso de fazer e, quando as coisas tiverem acalmado, vou ver-te.

— E se as coisas não acalmarem?

Nesse caso, devo ter morrido, pensou, mas não se atreveu a dizê-lo.

— Vão acalmar. Eu sou bom no que faço, querida. Confia em mim, estes tipos têm mais medo do que eu.

Ela abanou a cabeça e os seus olhos começaram a marejar-se de lágrimas.

— Quase te mataram na outra noite. Se aquela bala te tivesse acertado uns centímetros mais à direita, terias morrido esvaído em sangue. Já assim, quase caíste de uma altura fatal. Não consigo perceber porque é que não podes ir embora comigo já. Afastar-te desta loucura toda.

— Isto não é o tipo de trabalho de que uma pessoa se limite a desistir. Vais ter de confiar em mim em relação a isto, Greta. Se não consegues, então é melhor que voltes para Zurique.

— É o que queres que faça? — A primeira lágrima começou a descer-lhe pela face esquerda.

Rapp não gostava de a ver assim. Limpou-lhe a lágrima com o polegar.

— Quero que estejas a salvo, e o lugar mais seguro para estares decerto não é comigo, mas há outra parte de mim... — A frase ficou a meio.

— O que foi?

— Há outra parte de mim que não suporta a ideia de nunca mais voltar a ver-te.

Caíram-lhe mais lágrimas.

— Não tem de ser assim. Tudo o que precisas de fazer é...

— Ir-me embora. — Rapp abanou a cabeça. — Isso não vai acontecer, querida. Preciso de levar isto até ao fim, e depois poderemos falar disso.

Greta estendeu as duas mãos para lhe segurar o rosto.

— Amo-te.

Rapp sorriu.

— E eu a ti.

Inclinou-se e beijou-a. A sua mão direita deixou o queixo dela e chegou ao fundo das costas dela, puxando-a contra si. Os beijos tornaram-se mais profundos e apaixonados. A respiração de Rapp foi ficando mais intensa e ele deslizou a mão para o traseiro pequeno e perfeito dela.

Greta gemeu. Sabia o que ele queria e queria-o tanto quanto ele. Sentia-lhe a falta e não havia nada que desejasse mais do que deitar-se nos braços dele e passar o resto do fim de semana na cama. Mas afastou-se uns centímetros e perguntou-lhe:

— Então e o teu ombro?

Puxando-a para si, Rapp sussurrou-lhe ao ouvido:

— Só precisamos de ter cuidado.

Greta começou a desabotoar-lhe a camisa.

Rapp passou o polegar por baixo da camisola dela e contornou-lhe a cintura até ao fecho das calças de ganga. Encontrou o botão de cima e, com o polegar e o indicador, desabotoou-o. De súbito, foi como se um pavio se ateasse. Começaram a arrancar-se as roupas, parando apenas para ajudar o outro com alguma ou outra peça mais teimosa. Camisas, calças, camisola, meias e sapatos voaram para todos os lados, até ele ficar de boxers brancos e ela de sutiã e tanga pretos e sedosos. Além do buraco de bala no ombro de Rapp e dos hematomas em redor, eram o retrato da perfeição. Ele era duro e escultural, com todos os músculos definidos e trabalhados. Ela era ágil e formosa em todos os sítios certos, com a pele mais suave que ele alguma vez sentira.

Greta empurrou-o para a cama, onde ele se sentou a fitá-la, com as mãos nas ancas dela. Agarrou-lhe o rosto e disse-lhe:

— Não vou usar a peruca.

Rapp não ia negar que a peruca o excitara, mas Greta era tão linda que até careca o deixaria louco.

— Não tens de usar a peruca.

Ela sorriu, fê-lo deitar-se e pôs-se em cima dele. Levou as mãos à cabeça e com uma tirou a peruca, enquanto a outra soltava o cabelo louro. Um sacudir suave da cabeça e o cabelo caiu-lhe pelos ombros.

— Recosta-te e descontrai. Eu trato de tudo.

Rapp sorriu, fechou os olhos e, pela primeira vez em dias, a sua mente ficou livre de pensamentos sobre retaliação e homicídio.