CAPÍTULO 31

Foi por pouco que Bramble não enfiou o punho em vinte e cinco mil dólares de equipamento eletrónico. Por que raio estaria Hurley a tirá-lo da rua? Tinham o mesmo objetivo. Ele estava tão desejoso de apanhar o cabrãozinho quanto Bramble. Rapp era um cretino arrogante e imprudente, e Bramble tinha pedido para ir à frente, coisa que Hurley autorizara. Havia mais de um ano que esperava pela sua oportunidade e podiam ter a certeza de que não ia fechar a loja e ficar sentado no bar de um hotel qualquer à espera de ordens.

O que poderia ter levado Hurley a mudar de ideias?, perguntava-se. Começou a percorrer possibilidades e depressa percebeu que não fora uma coisa, mas uma pessoa. Teria de ser alguém bem no cimo da cadeia alimentar. Na verdade, só lhe ocorria um homem capaz de dar ordens a Hurley. Era Thomas Stansfield, mas, tanto quanto Bramble sabia, o diretor-adjunto estava de acordo com puxar a trela de Rapp.

Isso queria dizer que Stansfield recebera alguma informação a que eles não tinham acesso, ou que alguém interviera a favor de Rapp. Raspou os nós dos dedos cheios de cicatrizes na pequena prateleira metálica que formava a base da consola de vigilância e analisou as possibilidades. A sua mente focou-se numa pessoa. Era uma chata de primeira apanha e ele, por mais que tentasse, não conseguia perceber por que raio tinha algo que ver com a unidade. Ouvira dizer que era esperta, mas ainda não vira qualquer prova disso. Tudo o que fazia era meter-se no caminho deles e frustrar Hurley a toda a hora. Tinha sido ela quem encontrara Rapp, quem o recrutara e quem o impingira à equipa. Bramble não entendia e, num momento de frustração, tinha perguntado a Hurley porque era que aturava a vaca estúpida.

A reação do chefe fora rápida e decisiva. Tinha avançado na direção dele sem a menor indicação de violência e espetara-lhe um pontapé tão forte no meio das pernas que Bramble caíra ao chão em posição fetal e assim ficara durante cinco minutos inteiros. Depois disso, nunca mais trouxera o nome de Irene Kennedy à baila. Ela tinha continuado a interferir no treino, na seleção e nos destacamentos, e Bramble fora vendo, cada vez mais irritado, que ela parecia levar a melhor em todas as decisões importantes. A única razão para isso era que trabalhava em Langley e era da confiança de Stansfield. Depois de todos terem sido afastados enquanto Rapp recebia rédea livre para começar a abater alvos, ele estivera a ponto de desistir. Preferiria agir por conta própria, ou mudar-se para Hollywood e divertir-se enquanto fingia proteger alguma superestrela adolescente de assassinos imaginários. Ouvira dizer que se podia ganhar muito dinheiro assim, mas também calculava que acabaria por matar alguém. Uma coisa era abater um gajo qualquer num pardieiro do Terceiro Mundo. Isso era como participar num safári. Se o fizesse nos Estados Unidos, porém, provavelmente acabaria preso.

Felizmente, Hurley tinha-o dissuadido. Garantira-lhe que Rapp haveria de fazer asneira e, muito provavelmente, seria uma asneira espetacular; quando isso acontecesse, eles avançariam e resolveriam o problema. E Bramble depreendera que com isso queria dizer que poderia matar o merdoso e pôr fim àquela experiência estúpida.

Ouvira as discussões entre Hurley, Irene e Lewis, o psicólogo maricas. Irene Kennedy tinha criado aquele problema, enquanto Lewis e Deus encarnado, Thomas Stansfield, o haviam permitido. O psicólogo não valia nada. Se algum deles precisasse de falar dos seus sentimentos, escolhera o ramo de atividade errado. Quanto a Irene Kennedy, não passava de uma secretária glorificada com uma influência sobre Hurley que ele não conseguia entender. E tinha passado demasiado tempo a tentar entender. A única coisa que lhe ocorria era que Irene teria apanhado Hurley a fazer algo tão ultrajante que ele não tinha alternativa se não recuar sempre que havia um confronto. Em última instância, porém, o problema era Stansfield. Era uma maldita relíquia. Constava que fora do OSS durante a Segunda Guerra Mundial e que aterrara de paraquedas em França e depois na Noruega, mas Bramble estava-se bem a cagar para isso. Então o tipo era capaz de esquiar em corta-mato, dominava o radioamadorismo e sabia como sobreviver de agulhas de pinheiro e casca de árvores — grande coisa. O fóssil precisava de ir pastar e de deixar que tipos como Hurley tomassem conta da cena.

Nada daquilo fazia sentido para Bramble, nem antes, nem, sobretudo, naquele momento. Tendo em conta o que acontecera nas cerca de trinta e seis horas anteriores, a ordem de retirada parecia pura estupidez.

— Era o Stan?

Bramble virou lentamente a cabeça para olhar para Steve McGuirk.

— Cala-te. Estou a pensar.

McGuirk sorriu e perguntou:

— E dói?

— O que é que dói?

— Pensar.

Bramble não estava com disposição para a atitude gozona de McGuirk. Saltou da cadeira e esmagou o homem mais pequeno contra o espaldar do assento do condutor.

— Por acaso dei-te a impressão de estar com vontade de ouvir as tuas tretas hoje? É que não estou.

McGuirk era ágil e forte, mas, num espaço tão pequeno, não estava à altura do tamanho dele. Passou o braço direito por baixo do grande braço de Bramble e empurrou-o só o suficiente para conseguir respirar.

— Tens de descontrair, Victor.

— Não me parece. O que me parece é que já estou farto de aturar as tuas merdas. O que me parece é que vou dizer ao Stan para te pôr a andar. Que é que achas? Ou se calhar limito-me a partir-te a porra do pescoço aqui e agora.

Sentiu algo duro a pressionar-lhe as costas.

Todd Borneman, o terceiro homem na carrinha, tinha a pistola com silenciador apontada à parte inferior da coluna de Bramble.

— Solta o Steve antes que eu te enfie uma bala de ponta oca na coluna e te deixe a usar fraldas para o resto da vida.

Bramble recuou lentamente, de mãos no ar. Borneman tinha sido da Delta e era o tipo de gajo que media muito bem o que dizia. Se ameaçava disparar, Bramble não ia duvidar.

McGuirk endireitou-se e disse:

— És mesmo cretino, Victor. Estamos na porra de uma vigia, valha-me Deus. Vê lá se encaixas uma piada.

Bramble olhou para McGuirk e depois para Borneman, que continuava de arma em riste.

— Desculpem... estou frustrado. Guarda lá isso — disse a Borneman.

Este apontou a pistola para o chão, mas manteve-a na mão.

— Quem era, ao telefone?

Bramble pensou mentir, mas decidiu que isso não serviria de nada.

— Era o Stan.

— O que é que ele queria?

— Nada

McGuirk abanou a cabeça e disse:

— Então estavas todo lixado por nada. És mesmo mentiroso.

Victor só queria que Borneman guardasse a arma para poder dar uma tareia de meia-noite a McGuirk.

— Quer que a gente fique aqui mais uma hora ou duas e depois volte para o hotel e espere por novas ordens.

— E o que é que isso tem de mal? — perguntou Borneman.

— É a nossa única pista. O sacana vai aparecer, mais cedo ou mais tarde, e precisamos de estar aqui. Não de cu sentado no hotel.

Borneman inclinou um pouco a cabeça para a direita e perguntou:

— Porque é que o odeias tanto?

— A quem... ao Rapp?

— Quem é que havia de ser, seu anão mental? — ripostou McGuirk. Desta vez estava preparado, sentado na beira do assento, preparado para se mexer se Victor tornasse a atirar-se a si.

Bramble conteve a raiva e ignorou-o. Olhando para Borneman, disse:

— É uma longa história. Há muita coisa que vocês os dois não sabem. Coisas que o Stan não partilhou convosco.

— Não há de ter nada que ver com o facto de ele te ter partido o braço, pois não?

Borneman não estivera presente nesse dia, mas ouvira a história. Victor era um verdadeiro sacana, sobretudo com os recrutas novos. Hurley tinha tido a ideia de o inserir entre os recrutas para lhes conquistar a confiança e depois tramá-los. Supostamente, Rapp tinha percebido o truque e, assim que tivera uma oportunidade, eliminara Victor da equação. No entender de Borneman, limitara-se a fazer aquilo com que todos os outros apenas sonhavam.

— Ele devia ter sido expulso por causa disso. Até o Stan diz isso.

— O Stan disse isso antes ou depois de o Rapp lhe ter salvado a vida? — perguntou McGuirk.

— Não acreditem em todos os rumores que ouvem. Ele estava perfeitamente bem por sua conta. Quando muito, foi ele que salvou o Rapp.

— Isso é uma treta — disse Borneman. — Eu fiz parte da equipa de extração. O Stan estava demasiado fodido para conseguir andar. O Rapp salvou-lhe o couro e tudo o que vocês fazem é queixarem-se dele.

— E eu estou-te a dizer — replicou Victor, inclinando-se para a frente, já sem se importar que Borneman tivesse uma arma na mão —, que há muita merda que vocês não sabem. Tenho ordens para o matar se parecer sequer que ele vai fugir.

— E porque é que não nos deram essas ordens? — quis saber McGuirk.

— Porque vocês estão no fundo do totem.

— E a Irene sabe dessa ordem? — perguntou Borneman.

— Como porra queres que eu saiba? O Stan não me informa sobre todos os aspetos de todas as ordens.

— Isto vai ser interessante.

— O quê?

— A Irene já vem a caminho. — Borneman espreitou o relógio. — Deve aterrar dentro de uma hora.

Bastou a menção do nome dela para azedar a disposição de Bramble, que já não estava famosa. Devia ser por isso que Hurley estava a abortar a missão. Se ao menos ele arranjasse uma maneira de matar tanto Irene como Rapp... Começava a explorar essa fantasia quando a consola de vigilância começou a apitar. Bramble fez girar a cadeira, com o coração já a acelerar. Os seus olhos focaram-se na luz a piscar no painel. O sensor de movimento no corredor em frente ao apartamento tinha sido acionado.

O olhar de Bramble passava de um monitor para o seguinte.

— O que se passa? — perguntou McGuirk.

— Enquanto as duas senhoras estavam a fazer mil perguntas e a distrair-me, alguém subiu pelos degraus da frente do prédio, chegou ao primeiro andar e agora anda pelo apartamento.

— Como é que sabes que não entrou pela porta das traseiras? — quis saber McGuirk.

— Não sei, por isso porque é que não vens para aqui e descobres como é que ele entrou?

McGuirk pôs-se em frente do outro lado da consola e começou a digitar comandos e a girar botões. Uns segundos depois, tinham a gravação de um homem a subir pelos degraus da frente do prédio e a entrar.

— É ele — anunciou Bramble.

— Tens a certeza? — perguntou Borneman.

— Apostava um milhão de dólares. — Os olhos de Bramble dançavam pelos outros monitores. McGuirk e Borneman entreolharam-se, com uma expressão de oh, foda-se.

— Merda! — Bramble agarrou num rádio e num auricular. — Vocês os dois, seus idiotas, ficam aqui mesmo e não mexem nem a porra de músculo a menos que eu diga. Fiz-me entender?

Os dois homens assentiram com a cabeça. McGuirk com um pouco mais de entusiasmo do que Borneman.

— Bom, e se eu chamar pela carrinha, estejam a postos para sair daqui!

De súbito, tinha o início de um plano a formar-se. Prendeu o rádio à cintura e passou um fio pela parte de dentro do blusão de cabedal castanho. Depois de enrolar o fio atrás da orelha, colocou o pequeno dispositivo esbranquiçado no lugar. Aumentou o volume e fez um pequeno teste. A última coisa que queria era que eles lhe dessem atualizações constantes do que se passava dentro do apartamento; em seguida, disparou para fora da carrinha pela porta de trás.