CAPÍTULO 38

Francine Neville estava vestida para as câmaras: sapatos pretos de salto alto, colãs cinzento-escuros, saia preta e uma blusa de seda azul-cerúleo. Tinha dado o dia por terminado depois do seu confronto com Fournier. O encontro deixara-a de tão mau humor que dissera a Martin Simon que não queria que a incomodassem durante o resto do dia. Chegara ao apartamento vazio e lembrara-se de que o marido tinha levado os filhos a visitar os seus pais. A casa sem gente só servira para lhe piorar o estado de espírito, até se dar conta de que, tendo um filho de dois anos e meio e uma filha de nove meses, precisava de aproveitar os raros momentos de solidão. Encheu a banheira, acendeu umas velas, pôs música jazz a tocar, meteu-se no banho e começou a planear a destruição de Paul Fournier.

Framcine era polícia havia dezasseis anos, e desenvolvera muito bom ouvido para detetar mentiras. Fournier era um dos melhores mentirosos que ela alguma vez conhecera. Não demonstrava qualquer um dos sinais reveladores. Era capaz de mentir sem pestanejar se fosse isso o que a ocasião pedia, e era capaz de o fazer de semblante carregado, a sorrir ou com um rosto completamente passivo. A única coisa que se podia assumir com algum grau de certeza era que, quando a sua boca se mexia, ele estava a mentir. Por mais exata que ela soubesse que era a sua avaliação, precisava de mais do que um palpite para que os seus superiores agissem. Ia ter de apresentar alguma prova. Quando acabou de tomar o seu longo banho, dera uma volta de 180 graus. O que precisava de mostrar era que a DGSE não cabia numa investigação policial. E depois, com a ajuda de Simon, precisava de partilhar a opinião que tinham de que alguém da Direção-Geral manipulara as provas. Se conseguisse fazer com que os seus chefes acreditassem que Fournier e os seus lacaios estavam a interferir na investigação, isso poderia dar início a uma batalha territorial e levá-los a recuar.

Era o tipo de pitéu governamental a que a comunicação social se atiraria com unhas e dentes. A Direção-Geral não tinha nada que fazer os seus jogos dentro das fronteiras de França. A sua missão era no estrangeiro. Dentro de França, havia a Polícia Nacional. A Assembleia Nacional e o Senado estavam cheios de políticos que ficariam furiosos perante a mera perceção de que a Direção-Geral voltara aos modos de antigamente. Era aí que tinha de levar a coisa. Fournier era como um vampiro. Só podia operar às escuras. Denunciando-o e atiçando-lhe os políticos e a comunicação social, ele sucumbiria.

Chegou cedo ao gabinete para se preparar para a reunião e a primeira conferência de imprensa para abordar o massacre no hotel, que estava marcada para o início daquela manhã de sábado. Encontrou o seu adjunto, Martin Simon, sentado à secretária e com ar de quem não tinha ido a casa nos últimos dois dias, o que era verdade.

— Mas porque é que passaste aqui a noite? O que pode ter acontecido na investigação?

Simon alisou o cabelo ruivo e disse:

— Houve dois homicídios ontem à noite e um dos falecidos é um agente da Direção-Geral, ou melhor, era.

Francine não conseguia acreditar.

— Porque é que não me ligaste?

— Porque me disseste que não querias que te incomodassem. Disseste que precisavas de ficar sozinha para descobrires como havias de lidar com o teu ex-namorado.

Francine levantou a mão como se estivesse a ponto de esbofeteá-lo.

— Eu disse-te... não lhe chames meu namorado. Se voltares a fazê-lo, vou magoar-te.

— Não sejas tão sensível. Não dormi grande coisa esta noite, por isso não consigo lembrar-me a quais dos teus ex-namorados ainda posso referir-me como “ex” e a quais tenho de chamar pelo primeiro nome. É tudo muito confuso.

— Que mais tens?

— Um segundo agente da DGSE no hospital. Em estado crítico. E o outro morto, um caucasiano não identificado. — Simon abriu a pasta que tinha na secretária e mostrou-lhe as fotos da cena do crime.

Francine lançou-lhes um relance rápido.

— Então este tipo disparou contra os dois agentes da DGSE e o agente ferido riposta e mata-o.

— Se ao menos fosse assim tão simples... Este tipo — disse Simon, apontando para o cadáver na rua —, foi assassinado à queima-roupa com um tiro na nuca... a menos de trinta centímetros de distância. Tinha resíduos de pólvora por toda a cabeça, mas as mãos estavam limpas e a sua arma não tinha sido usada.

— Então não alvejou os dois agentes da DGSE.

— É o que parece, até agora.

— Já falaste com o ferido?

Simon replicou com uma risada amargurada.

— O que é que achas?

Francine pensou por um instante.

— Não te deixam sequer aproximar dele.

— Acertaste.

— Estou tão farta desta merda. O Fournier esteve no local ontem à noite?

— Apareceu, deu umas ordens e depois desapareceu.

Ela cruzou os braços e estudou as fotos da cena do crime. Tocou na foto do homem caído na rua.

— Não tinha carteira... nenhuma identificação. Nada.

— Não, mas vim da morgue há uma hora e a nossa malta descobriu uma coisa muito interessante. Eles acham que os arranjos dentários dele parecem americanos, mas a grande descoberta surgiu quando inspecionaram o corpo. Estavam a usar a luz ultravioleta para procurar resíduos de pólvora e encontraram vestígios ténues de uma tatuagem que o homem, entretanto, tinha retirado. — Simon encontrou a foto e mostrou-lha.

Francine leu as palavras em voz alta.

— “Rangers à Frente”. O que é que isso quer dizer?

— Os Rangers são as Forças Especiais do Exército dos EUA. “Rangers à Frente” é o seu lema.

— E a balística?

— Aí é que as coisas se tornam mesmo interessantes. Encontrámos invólucros de balas de quatro armas diferentes, das quais só uma foi recuperada na cena do crime. Pertencia ao agente da DGSE que morreu, e que só disparou uma vez. A contagem aproximada de invólucros é de sessenta e dois.

— Sessenta e dois — repetiu ela, sem acreditar bem naquele número.

— E encontrámos cinco tipos diferentes de sangue no local.

— Três cadáveres e cinco tipos de sangue.

— Portanto podemos presumir que houve pelo menos cinco pessoas implicadas, e o meu palpite é que foram mais.

— E a DGSE não nos diz patavina.

— Isso mesmo.

Francine abanou a cabeça, desagradada.

— Mais alguma coisa?

Simon olhou para a pasta.

— Há outra informação que é um pouco estranha. As primeiras testemunhas a chegar ao local foram dois americanos. Já os investiguei. Um é correspondente de uma cadeia televisiva e o outro é o operador de câmara dele. Quando chegaram, estava um homem a prestar primeiros socorros ao agente ferido da DGSE. Gritou-lhes que o ajudassem e depois desatou a correr, para ir buscar auxílio.

— E nunca mais voltou?

— Pois não.

— Era francês?

— Eles acham que sim.

— Os americanos deram-nos uma descrição desse homem?

— Sim, mas é bastante genérica.

Francine encolheu os ombros e disse:

— Pode não ser nada.

— Ou a solução de tudo isto.

— A solução é ir falar com o tal agente da DGSE antes que o Fournier o despache para a Polinésia.

— Boa sorte com isso.

A ideia de ter de voltar a marrar contra Fournier bastou para decidir que atribuiria o caso a outra pessoa. Já tinham muito em mãos. Olhou para Simon e disse-lhe:

— Temos de subir para a reunião com o Mutz.

Simon visualizou Michael Mutz, o novo prefeito da polícia. Tinha uma testa alta e curva, um nariz aquilino e um corpo largo que era mole em todos os sítios errados.

— E porque é que eu haveria de querer ir ver o Mutz contigo?

— Não tens de querer nem de deixar de querer. É uma ordem.

Simon levantou-se e seguiu-a até às escadas. O gabinete do chefe ficava apenas dois andares acima daquele. Em silêncio atrás de Francine, ia pensando como seria bom não ter de falar naquela reunião. Mutz era uma criatura política que se importava mais com a pompa e a circunstância do cargo do que com a natureza por vezes sórdida do trabalho de polícia. Quando chegaram à antessala do gabinete, Simon teve a primeira indicação de que aquela reunião não seria fácil. A secretária do prefeito lançou-lhes um olhar nervoso e disse-lhes que entrassem. Francine estava tão concentrada que nem deu por isso.

Era um gabinete grande, de esquina, adequado tanto ao título como ao ego do homem que ocupava o espaço. Havia quatro janelas do chão ao teto, duas em cada uma das paredes exteriores, e estantes de três metros e meio cheias de tomos empoeirados, antiguidades e dezenas de fotografias do prefeito com ricos, famosos e notórios. Simon reparou em duas pistas assim que entrou no gabinete. A primeira foi a ausência de café e bolinhos. Mutz adorava as duas coisas e nunca estava no gabinete sem que ambas fossem oferecidas. A segunda pista era mais óbvia.

Não só o prefeito os esperava, mas também o superior dele, o diretor-geral Jacques Gisquet, e o superior deste, o ministro dos Negócios Internos, Pierre Blot. Francine viu isso como sinal de que levavam as suas acusações a sério. Simon via o potencial para algo diferente, mas, antes que pudesse travá-la, ela começou.

— Sr. Ministro Blot, bom vê-lo. Sr. Diretor Gisquet, obrigada por ter vindo. Sr. Prefeito Mutz, obrigada por me dispensar o tempo necessário para expor a situação.

Simon não disse palavra. Observou Francine a entrar a abrir, sem se aperceber de que a disposição no gabinete era tudo menos recetiva. Começou a apresentar o seu caso, explicando aos três superiores o estranho comportamento de Paul Fournier e o seu caráter pouco cooperante. Avançava para falar das provas alteradas quando o diretor-geral Gisquet a silenciou com um aceno da mão.

— Comandante Neville, lamento, mas vou ter de a parar. Ontem à noite o Sr. Ministro Blot recebeu um telefonema muito sério do nosso primeiro-ministro.

— Do primeiro-ministro — repetiu ela, sem perceber o que é que isso podia ter que ver com a interferência de Paul Fournier na sua investigação.

— Sim, do primeiro-ministro. Recebeu uma queixa muito séria do ministro da Defesa, acerca de a comandante ter andado a assediar um dos seus principais agentes.

— Assediar — repetiu Francine, incrédula.

— Sim.

— Quem?

Blot respondeu:

— Paul Fournier.

— Não pode estar a falar a sério?!

— Infelizmente, estou. Fournier alega que vocês tiveram uma curta relação há uns anos e que, quando ele pôs fim ao relacionamento, a comandante ficou deprimida e ameaçou suicidar-se.

— Suicidar-me — repetiu Francine, boquiaberta. — Eu apanhei-o a enganar-me. Fui eu que acabei com ele e tive todo o gosto em fazê-lo. O homem é um sacana egoísta, mas isso agora não interessa.

— Ele alega que o persegue há vários anos.

— Há cinco anos que não o via.

Blot pigarreou.

— Ele tem declarações ajuramentadas de três mulheres que alegam que as intimidou e assediou porque namoravam com Fournier.

Francine estava à beira de perder as estribeiras, mas, por sorte, Simon perguntou:

— Podemos ver o ficheiro?

Os três homens fitaram-no com um ar desiludido. Seguiu-se um longo silêncio e depois Blot disse:

— Eu vi o ficheiro ontem à noite, mas não fui autorizado a trazê-lo. Pareceu-me genuíno. Muito condenatório.

— E porque é que acha que não lhe deram uma cópia? — perguntou Francine. — Porque é tudo inventado. É falso. O Fournier é quem tem estado a interferir na nossa investigação. Não lhes parece um pouco estranho que, na véspera de eu ir apresentar uma reclamação formal, apareça magicamente um ficheiro a dizer que o problema sou eu? — Francine olhou para cada um dos homens e perguntou: — Não vos cheira a esturro?

O diretor-geral Gisquet respondeu-lhe à pergunta:

— Nada disto me agrada. Não confio no Fournier, não acredito que este ficheiro tenha aparecido por artes mágicas, mas não há muito que possamos fazer agora.

— Podem exigir que ele traga o ficheiro e as acusadoras aqui imediatamente. Que apresente uma queixa formal.

Blot pigarreou.

— A DGSE preferiria manter isto silenciado. Não têm qualquer vontade de lhe afetar adversamente a carreira. Tudo o que pedem é que seja substituída no seu caso atual e que se mantenha longe do diretor-adjunto Fournier.

— E porque é que acham que eles querem que me afaste do massacre no hotel? Eu digo-vos porquê. Porque apanhei o Fournier e os agentes dele a mexerem nas provas. Digo-vos aos três, a DGSE esteve envolvida no que aconteceu naquela noite. Não sei até que ponto, nem de que forma, mas eles estão implicados nisso.

Blot girou a aliança no dedo e perguntou:

— Foi ao Hotel Balzac, ontem à tarde?

Francine teve um mau pressentimento de que a pequena confrontação teria sido retorcida e exagerada para servir o objetivo de Fournier.

— Sim, estive lá.

— O diretor-adjunto Fournier tem declarações ajuramentadas de cinco indivíduos em como o acossou.

— Acossei-o! Perguntei-lhe porque é que andava a interferir na minha investigação.

— O ficheiro diz que lhe gritou e armou uma cena. Para piorar as coisas, ele estava a meio de uma reunião com um operacional dos serviços secretos estrangeiros.

Francine ficou atónita.

— Serei a única pessoa que vê o que se passa aqui? Numa destas noites o ministro do petróleo da Líbia é assassinado na nossa bela cidade, a prostituta deitada ao lado dele morre também, juntamente com dois hóspedes do hotel, um funcionário e os quatro guarda-costas do ministro. Só há um problema. O ministro viajava sem seguranças. Não encontramos nem uma pessoa que o tenha visto chegar ou deixar o hotel com uma equipa de segurança, mas aqueles quatro homens aparecem como por magia a meio da noite, e todos com armas com silenciadores. — Francine fitou o ministro dos Negócios Internos. — O senhor viaja com seguranças. Quando foi a última vez que os homens que o acompanham usaram armas com silenciadores?

Blot soltou um grande suspiro.

— Todas essas questões são muito interessantes e eu tenho a certeza de que serão resolvidas por alguém, mas não por si, comandante Neville. Vamos retirá-la da investigação. O prefeito Mutz dar-lhe-á uma nova missão ainda esta manhã. Se o aceitar com discrição, posso prometer-lhe que nada disto ficará no seu processo e que não haverá uma investigação formal. A sua carreira continuará a progredir consoante os méritos do seu trabalho.

Francine ficou sem fala durante um longo momento, e então o prefeito Mutz falou:

— Francine, será melhor assim. Vou dar-lhe uma semana de folga. Leve os seus filhos e vá visitar os seus pais. Quando voltar, tudo isto terá acabado.

Duas coisas ecoavam-lhe na cabeça. A primeira era que aquilo não acabaria numa semana, e a segunda era que Fournier devia estar mesmo nervoso, para sacar de uma cartada daquelas. Saber isso deu-lhe a força necessária para falar com os seus superiores de uma forma que nunca antes teria sequer sonhado.

— Então é assim que agora fazemos as coisas. Uma agenciazinha furtiva como a DGSE, que não tem nada que andar a fazer o que quer que seja dentro das fronteiras deste país, pode cobrar alguns favores a políticos bem relacionados, fazer umas quantas acusações loucas e completamente infundadas, e a poderosa Polícia Nacional de França rende-se.

O prefeito Mutz lançou-lhe um olhar severo.

— Francine, está passar das marcas.

— Não, não está — resmungou o diretor-geral Gisquet. — Tudo isto fede a esturro. O Paul Fournier é uma cobra e está a manipular-nos. Não gosto nada disto... mas...

— Mas o quê? — perguntou Francine, esperando que ainda tivesse alguma hipótese.

Gisquet fitou-a e disse-lhe:

— Por ora, temos de entrar no jogo, mas prometo-lhe que isto não irá prejudicá-la, Francine. Temos de acatar este pedido porque veio de algumas pessoas muito importantes, mas, daqui a umas semanas, quando as coisas acalmarem, vamos olhar bem para os factos.

— Daqui a umas semanas — disse Francine, cuja impaciência se revelava. — Quer dizer, depois de o Fournier e os seus trogloditas terem destruído todas as provas e eliminado quaisquer testemunhas que pudessem ajudar-nos a solucionar o caso.

— Lamento, Francine, mas é o melhor que podemos fazer agora.

— Eu também lamento. — Olhou para cada um dos seus superiores, parando no ministro dos Negócios Internos. — Lamento que não tenham tomates para enfrentar uma agência que não tem qualquer jurisdição em Paris. Que importam as leis? Tenho a certeza de que os cidadãos de Paris vão apreciar o facto de a sua polícia ter medo de um cretino como Paul Fournier. — Francine virou costas e começou a avançar para a porta. Mesmo antes de sair, virou-se e disse: — Têm noção de que dois agentes da DGSE foram alvejados esta noite? Um deles morreu. O outro está no hospital, mas o Sr. Fournier não permite que a polícia o interrogue. — O ar espantado deles indicou-lhe que era a primeira vez que ouviam falar daquilo. — Foram disparados mais de sessenta projéteis. Além do agente da DGSE, identificámos um americano, com uma tatuagem das Forças Especiais. A comunicação social vai-se atirar a isto com unhas e dentes e, para vosso bem, espero que não descubram que foram cúmplices a encobrir o que quer que seja que o Paul Fournier ande a tramar.

Simon teve de correr para a alcançar. A meio do primeiro lanço de escadas, ele disse:

— Bem, fico contente por ter podido assistir àquilo. Acho que vai mesmo contribuir para avançar na carreira. Obrigado por me teres levado contigo.

— Desculpa — tentou Francine dizer com alguma sinceridade, apesar da raiva que lhe corria pelas veias.

Simon seguiu-a em silêncio durante algum tempo e depois disse:

— Sabes, eles são capazes de estar a fazer-te um favor... se aquilo que disseste lá em cima for verdade.

— Como assim?

— Acabaram de te afastar da linha da frente de uma batalha que tem todo o ar de ir acabar mal. A comunicação social vai devorar qualquer um envolvido nisto.

— A comunicação social?

— Sim, as pessoas que escrevem para jornais e revistas. Fazem noticiários numa coisa chamada televisão. Costuma chamar-se comunicação social a esse grupo.

Francine estava tão habituada à personalidade gozona dele que o ignorou.

— A conferência de imprensa. — Viu as horas. — Deve começar daqui a vinte minutos.

— Acho que vai ser cancelada.

— Talvez. — Francine parou no piso deles e olhou para o fundo da escadaria. — Aposto que já estão todos reunidos lá em baixo. À espera de que comece.

— Tenho a certeza de que o Mutz vai cancelá-la, ou que o teu substituto irá ler uma declaração breve.

— Então e eu?

— Provavelmente vão dizer que tiveste de meter baixa. Que as dores menstruais este mês estavam mesmo más. Sabes, uma coisa simpática e misógina do género.

— Para de te armar em engraçadinho por um segundo. Acho que devia fazer uma declaração.

— Acho que não podias ter tido uma ideia pior.

— É a ideia perfeita. — Ela virou-se para o seu gabinete. — Preciso de ir buscar as minhas coisas.

— Acho que é melhor, porque eles provavelmente vão despedir-te e expulsar-te do edifício.

— Não podem despedir-me por dizer a verdade, Martin.

— Claro que podem. Isso passa a vida a acontecer. Sobretudo na polícia.

Francine estava decidida. Agarrou no casaco e na mala e, de saída, fechou e trancou a porta do seu gabinete.

— Podes vir, se quiseres — disse a Simon —, mas não te julgo se ficares aqui escondido debaixo da tua secretária.

— Não perderia isto por nada deste mundo. A oportunidade de ver uma das mentes mais brilhantes das forças policiais a destruir a carreira em frente a toda a nação. Vai ser Schadenfreude pura.