CAPÍTULO 41

Paul Fournier estava reclinado no sofá do seu gabinete, com uma compressa fria na testa, o primeiro botão da camisa desapertado, a gravata afrouxada e sem sapatos ou casaco. Raramente tinha dores de cabeça, mas aquela manhã era uma exceção, pelo que acabava de tomar três comprimidos de paracetamol extraforte e dissera ao seu número dois, Pierre Marmet, que não deviam incomodá-lo. Tinha passado a noite a tentar conter os danos. Um agente morto e outro em estado crítico não era bom. Os seus superiores iam ficar extremamente alterados. Se um agente da DGSE fosse assassinado no estrangeiro, ninguém pestanejava sequer. Porém, se fosse alvejado numa noite de domingo em Paris, contudo, isso já era um grande embaraço para muita gente.

A comunicação social ia fazer uma data de perguntas, e ele não gostava de falar com jornalistas, pelo menos em massa. Eram demasiado indomados, demasiado difíceis de manipular quando entravam num frenesim alimentar. Um a um era o seu método preferido. Achava-os incrivelmente fáceis de manipular. Muitos eram inseguros e careciam de validação constante. Fora para a cama com bastantes jornalistas de Paris e mantivera-se em bons termos com elas.

Imaginou todos os desenvolvimentos possíveis. O essencial seria manter a polícia confusa, e a sua jogada com o ministro da Defesa seria muito eficaz a abrandar a investigação. Retirar Francine Neville do caso enviaria uma mensagem a todos os outros investigadores, dizendo-lhes que tinham de ter cuidado com o que faziam. Estava abismado com a ingenuidade dela. Tinha esperado que fosse mais esperta, mas acabara por ter o que merecia.

Pelo menos em relação a isso, Fournier estava satisfeito consigo mesmo. O grande problema seria a CIA. Tinha fotos de vigilância que mostravam Hurley e os seus brutamontes a entrar no país e a ir até à mesmíssima rua onde o tiroteio tivera lugar. As ordens que dera para que os seus homens os seguissem estavam inteiramente dentro dos ditames da Direção-Geral. Não estavam a vigiar cidadãos franceses, estavam a manter-se atentos a agentes de serviços secretos estrangeiros que tinham entrado no país pouco mais de doze horas depois do massacre no hotel.

A parte delicada seria reter essa informação, para poder usá-la como pressão sobre a CIA. Entregar a foto do agente americano morto à polícia seria um desperdício. Se conseguisse manter o segredo, poderia obrigar a CIA a fazer concessões e, também, uma transferência bancária considerável. Eles não teriam outra alternativa, ao serem confrontados com as fotos de Hurley e dos seus homens. A conclusão era óbvia. Os homens da DGSE não tinham sido alvejados por uns criminosos locais. Eram demasiado bons para isso. Os assassinos treinados de Hurley tinham estado envolvidos no tiroteio. Fournier também tinha outras questões. Porque estariam os homens de Hurley naquela rua em particular? Seria possível que fosse por causa do assassino americano? No ano anterior, Fournier tinha-se esforçado muito por aprender a identidade real do homem. O mais próximo a que tinha chegado era a uma lista de alvos. A sua fonte ou não conhecia a identidade do assassino, ou estava a ver se conseguia melhores condições para a revelar. Que dois dos seus homens tivessem sido alvejados alteraria tudo isso.

Fournier e a sua fonte partilhavam a mesma opinião pragmática: a de que não era bom nem para a América, nem para França, que um assassino andasse a picar os voláteis ninhos de vespas de terroristas que rodeavam o Mediterrâneo. Fournier tinha gerido destramente as disposições e as crenças fanáticas dos vários grupos, com um só objetivo em mente — manter a carnificina fora de França. Os seus superiores, até ao presidente, tinham aprovado, quer tacitamente, quer comprometendo-se verbalmente com o plano. Quanto à soma simpática que fora amontoando pelo caminho, nenhum governante lhe levaria isso a mal. Até a comunicação social compreenderia, mas ninguém haveria de descobrir. Estava convencido de que tinha escondido bem o seu rasto. Não era possível que alguém descobrisse o seu dinheiro.

Estava a pensar no que fazer em seguida quando o assistente entrou de rompante sem bater à porta.

— Vai querer ver isto. — Mermet foi direto ao televisor e, uns segundos depois, havia no ecrã uma sala cheia de jornalistas a colocar perguntas.

Fournier retirou a compressa fria da cabeça e voltou a atenção para a TV. O ecrã estava ocupado pelo rosto encantador de Francine Neville. Ouviam-se perguntas gritadas e ela ia acenando com a cabeça.

— Sim, exatamente — disse ela. — Fui retirada do caso que me foi atribuído há pouco mais de quarenta e oito horas.

— Refere-se aos homicídios no Hotel Balzac.

— Correto. Pouco depois de os meus investigadores terem chegado à cena do crime, vários funcionários da DGSE apareceram. Um deles era Paul Fournier, que dirige a Divisão de Ação Especial da Direção-Geral. Assegurem-se de que escrevem bem esse nome... Paul Fournier. Eu estranhei a sua presença, mas ele disse-me que a morte do ministro do petróleo da Líbia era realmente da conta da Direção-Geral. Ele e vários dos seus homens tiveram acesso à cena do crime durante pouco mais de uma hora. No dia seguinte, descobrimos que certas provas fundamentais tinham desaparecido da cena do crime. Tínhamos motivos para crer que teria sido um dos agentes do Sr. Fournier a retirar as provas em falta. Informei-o quanto a querer falar com esse homem, bem como com várias outras pessoas associadas ao caso. — Francine fez uma pausa. — Até agora, o Sr. Fournier tem-se mostrado muito pouco cooperante.

» Ontem informei o meu superior, o Sr. Prefeito Mutz, quanto a precisar de me reunir com ele hoje de manhã, para discutir o facto de a Direção-Geral estar a interferir numa investigação policial. Quando há pouco cheguei ao seu gabinete, encontravam-se presentes o diretor-geral da polícia, o Sr. Jacques Gisquet, bem como o ministro dos Negócios Internos, o Sr. Pierre Blot. Assumi que isso significava que as minhas acusações estavam a ser encaradas com a devida seriedade. Contudo, depressa descobri que se encontravam presentes por um motivo completamente diferente. O Sr. Ministro dos Negócios Internos tinha recebido um telefonema do Sr. Ministro da Defesa, o qual dizia possuir um ficheiro muito detalhado sobre o facto de eu, alegadamente, andar há anos a perseguir e acossar sexualmente o Sr. Paul Fournier. — Fez uma nova pausa e olhou em redor, dando tempo aos jornalistas para apreenderem tudo. — A bem da transparência... eu e o Sr. Fournier tivemos uma relação breve há alguns anos e separámo-nos cordialmente. Desde então, casei e tenho dois filhos lindos. Não o vi nem falei com ele durante este tempo. De alguma maneira, no entanto, esse ficheiro contém declarações de três mulheres que afirmam que me senti ameaçada pelas relações que elas mantinham com o Sr. Fournier e que as acossei.

» Quando pedi para ver o tal ficheiro, o Sr. Ministro Blot disse-me que não o vira, mas que ele e o Sr. Ministro da Defesa tinham decidido que o melhor a fazer a curto prazo seria afastar-me do caso. Em todos os anos que passei com a polícia, nunca fui retirada de um caso. Nunca fui alvo da mínima reprovação. Os meus colegas avaliam-me rotineiramente e incluem-me entre os melhores comandantes, sendo-me atribuídos casos importantes com frequência. Exigi ver o ficheiro e foi-me dito que isso não aconteceria. Que o melhor, para a minha carreira, seria simplesmente afastar-me e deixar que outra pessoa tratasse da investigação. Não me foi dada escolha, pelo que terei de me afastar, mas não o farei discretamente. Vou apresentar uma queixa oficial e quero ver o ficheiro inventado que o Sr. Fournier usou para enganar o Sr. Ministro da Defesa. E também peço a todos os presentes que investiguem o envolvimento da Direção-Geral neste caso. Eles têm autoridade para operar fora de França, não para manipular e interferir em investigações aqui em Paris.

Um jornalista gritou:

— Pode confirmar que dois agentes da Direção-Geral estiveram envolvidos num tiroteio em Montparnasse na noite passada?

Francine esperou um pouco e depois disse:

— Sim, posso. Um dos agentes morreu no local e, segundo sei, o outro encontra-se num hospital da zona, em estado crítico, mas estável.

Houve uma explosão de perguntas na sala, vindas de dezenas de jornalistas. Uns dez segundos depois, Francine ergueu as mãos e acalmou o grupo.

— Sugiro que procurem o Sr. Fournier e lhe dirijam as vossas questões. Ele provavelmente estará no seu gabinete na sede da Direção-Geral, no número 141 do Bouvelard Mortier, a engendrar o próximo embuste.

Fournier já estava sentado na beira do sofá. Tinha o olhar colado ao televisor quando Francine saiu do pódio e deixou a sala de conferências. Ouvia o seu telefone a tocar do outro lado do gabinete, mas não fez o menor esforço por ver quem estava a ligar-lhe. Tinha a mente a mil, a tentar arranjar forma de limitar os estragos feitos por aquela cabra estúpida. Se ela ao menos tivesse aceitado ser banida com discrição, ele tê-la-ia poupado ao embaraço público a que agora teria de a sujeitar. Decidiu rapidamente que conseguiria ultrapassar aquela pequena tormenta. Tudo se reduziria a uma questão da palavra dela contra a sua, e ele poderia arranjar todas as provas falsas que fossem necessárias. Francine cometera um terrível erro de cálculo.

Uma mulher de expressão alvoroçada espreitou pela porta e disse:

— Desculpe, senhor, mas o Sr. Ministro da Defesa está na linha um e o Sr. Diretor está na linha dois. Ambos querem falar consigo imediatamente. Parecem muito alterados.

Fournier olhou para Mermet, que se limitou a encolher os ombros. Virou-se então para a secretária e disse-lhe:

— Falo primeiro com o ministro. Diga ao diretor que lhe telefono assim que possível. —Levantou-se do sofá e sentiu a cefaleia a começar a pulsar-lhe nas têmporas. Pegou no auscultador do telefone na secretária, premiu a linha um e começou a mentir.