Voltaram para a embaixada no Mercedes preto que Irene conduzira até ao lugar do encontro. Tinha havido uma discussão breve e acalorada acerca de quem conduziria, mas Rapp ganhara, com a intervenção de Stansfield. Ele tinha treino para fazer uma condução muito agressiva, se fosse necessário. Rapp não adorava a ideia de levar Greta para a embaixada, mas Stansfield não aceitava que fosse de outra forma. O homem estava invulgarmente abalado pela revelação da relação deles. Tanto Rapp como Greta tinham argumentado que ela podia facilmente seguir de carro para a Suíça sem que ninguém desse por nada. Porém, Stansfield tinha sido veemente.
— Vou ter de explicar muito ao teu avô. Ele não vai ficar contente. Nunca me perdoaria se algo te acontecesse, e eu tampouco mo perdoaria. O lugar mais seguro para ti é a embaixada. Quando as coisas acalmarem, acompanhar-te-ei pessoalmente até Zurique.
Pararam junto ao carro dela, recolheram as malas e fizeram-se a caminho. A uns minutos da embaixada, Irene telefonou para o segurança na receção, indicou a hora prevista de chegada e disse que abrissem o portão a essa hora. Paris não era Moscovo, mas tendo em conta a quantidade de vezes que o nome de Paul Fournier fora surgindo, valia a pena tomar mais umas quantas precauções. Passaram pelo grande portão sem incidentes e seguiram para a garagem subterrânea da embaixada.
Depois de Rapp e Greta terem tirado as suas malas da bagageira, Stansfield disse:
— Irene, será que pode levar a Greta até ao Gene? Diga-lhe que pedi que a instalassem confortavelmente. É capaz de passar cá a noite. — Gene era o chefe de estação da CIA.
Quando entraram no pequeno átrio subterrâneo da garagem, Greta parou e perguntou a Mitch:
— Quando é que vou voltar a ver-te?
Rapp olhou de relance para Stansfield e respondeu:
— Temos algum trabalho que fazer. Tenho a certeza de que vou ver-te logo à noite, se não for antes.
Ela pôs-se em bicos de pés e deu-lhe um beijo no rosto.
— Tem cuidado. — E depois, virando-se para Stansfield, disse: — Se alguma coisa lhe acontecer, vou ficar muito zangada.
Ele dirigiu-lhe um aceno de cabeça desinteressado.
— O Mitch é perfeitamente capaz de cuidar de si mesmo.
Os homens observaram-nas a entrar no elevador. Irene tinha a mala de Rapp. Quando as portas se fecharam, Stansfield disse:
— Siga-me.
— Onde vamos?
— Lá para baixo. — Quando estavam os dois na escadaria, perguntou-lhe: — Há quanto tempo anda com ela?
Rapp seguia dois degraus atrás.
— Há quase um ano.
— Ama-a?
— Isso é uma questão privada, chefe.
Stansfield parou no meio do patamar seguinte e virou-se para ele.
— Há literalmente biliões de mulheres no planeta, e você vai e escolhe apaixonar-se por esta.
— Eu nunca disse que estava apaixonado por ela.
— Bem, não há dúvida de que ela está apaixonada por si. Isso é óbvio.
— Senhor, gostaria de manter a minha vida privada, bem... privada.
— Quem me dera que fosse assim tão fácil — resmungou Stansfield, e começou a descer o lanço de escadas seguinte. — Não faz ideia dos problemas que me arranjou.
Rapp seguiu-o em silêncio, sem querer explorar mais a sua vida privada. As escadas davam para um pequeno vestíbulo com um elevador e uma porta blindada. Stansfield carregou num botão ao lado da porta e virou a cabeça para a câmara. Seguiu-se um zumbido eletrónico e ele agarrou na porta e abriu-a. Um corredor comprido abria-se diante deles. Stansfield dirigiu-se à segunda porta à direita. Estavam três homens lá dentro, dois que ele conhecia relativamente bem — o Dr. Lewis e Rob Ridley — e um terceiro que ele nunca conhecera.
Stansfield perguntou:
— Como é que isso vai?
O homem que Rapp não conhecia desviou o olhar do equipamento e disse:
— Muito melhor. O Stan tem-no encostado à parede. O Victor está a começar a patinar um bocado, mas mantém a história.
— Como é que estão os valores? — perguntou Stansfield, apontando para o polígrafo.
— As reações mantêm-se dentro dos parâmetros normais, mas o meu detetor pessoal de tretas diz que ele está a mentir com todos os dentes.
Rapp olhou pela grande janela e viu Victor e Hurley. Todo o seu corpo se retesou num nó de energia. A primeira ideia que lhe passou pela cabeça foi o quanto queria matar Victor. A segunda foi que não se importaria de eliminar Hurley ao mesmo tempo.
Estavam os dois a fumar. Victor estava de calças de ganga e uma t-shirt branca. O tecido de algodão esticava-se muito para lhe cobrir os braços enormes. Recostando-se na cadeira, tentava parecer o mais descontraído possível.
— Eu sei que temos de fazer este jogo, Stan. Percebo que não lhe agrada mais do que a mim. Ambos sabemos que o Rapp é um merdoso. Vamos lá despachar isto para eu poder ir atrás do sacana e cortar-lhe o pio.
Todos os olhares na sala de observação se voltaram para Rapp. Este virou-se para Stansfield e disse:
— Eu acho que ambos sabemos quem precisa de que lhe cortem o pio.
— A seu tempo.
Lewis aproximou-se de Rapp.
— Eu sei que não é fácil ouvir isto, mas tem de...
— Cale-se, doutor — ripostou ele, sem desviar o olhar de Victor. — Sem ofensa, mas agora não quero ouvir nenhuma das suas tretas.
Hurley apagou o seu cigarro.
— Sabes o que é que eu acho... eu acho que és um aldrabão de merda. Acho que estás a mentir com quantos dentes tens, foda-se. Ontem à noite, eu disse-te para abortares a missão. Para voltares para o hotel e ires dormir, e tu desrespeitaste a minha ordem.
— Não desrespeitei nada. Estávamos a preparar-nos para ir embora quando ele mandou o chamariz dele. O McGuirk e o Borneman foram proteger a porta da frente e foi então que o Rapp os atacou.
— E onde é que estava esse chamariz?
— Não sei. Nunca mais o vi.
— És mesmo aldrabão. — Hurley recostou-se na cadeira e abanou a cabeça. — Que aldrabão.
Victor sorriu.
— Eu sei que está só a tentar fazer o seu trabalho, mas isto é um desperdício de tempo. Vamos lá acabar com isto e vamos matar o merdoso. Eu sei que o odeia tanto quanto eu.
— Não gostar dele não quer dizer que queira matá-lo. Há muitas pessoas de que não gosto.
— E muitas dessas pessoas abatem dois dos seus agentes e comprometem uma casa secreta? Dão cabo de uma missão no meio de Paris e transformam-na na porra de um embaraço internacional? Nove cadáveres, foda-se! — Victor bateu com os nós dos dedos na mesa e depois apontou para Hurley e disse: — E não se esqueça dos dois tipos da DGSE que ele alvejou.
Hurley assentiu com a cabeça como se estivesse a concordar com ele e depois disse:
— Quanto a esses agentes da DGSE... ouvi uma história interessante. Tenho duas testemunhas que apareceram no local pouco depois de tu teres deixado o corpo do Borneman no meio da rua, tal a pressa que tinhas para salvar o teu próprio couro.
— Já lhe disse que o Borneman caiu da carrinha. Não pude fazer nada quanto a isso.
Hurley ignorou-o.
— Estas duas testemunhas identificaram o Rapp.
— Lá está. Põem-no na cena do crime.
— Adivinha lá o que é que ele estava a fazer quando eles chegaram?
— Não sei... a fugir?
— Não... isso eras tu. Tu é que ias a fugir.
Victor debruçou-se sobre a mesa.
— Você teria feito exatamente a mesma porra.
— Tu não fazes ideia do que eu teria feito, por isso fecha a porra da boca antes que te parta o queixo. Agora, vamos lá voltar ao que interessa. O que é que achas que o Rapp estava a fazer quando estes dois tipos o encontraram?
Victor tornou a endireitar-se e cruzou os braços numa atitude de desafio.
— Não sei.
— Ele estava a prestar primeiros socorros a um dos agentes. Um deles foi atingido no rosto e o outro no peito. Estas duas testemunhas, com quem trabalho há quase duas décadas, dizem que o Rapp estava a tratar do agente com a ferida no peito.
Victor encolheu os ombros como se aquilo não tivesse qualquer importância.
— Diz-me lá por que raio é que o Rapp haveria de alvejar um tipo para em seguida tentar salvá-lo.
— Não sei. Ele é completamente chanfrado e, quando o apanharmos, podemos fazer-lhe essas perguntas todas. Mas isto — disse Victor, estendendo as mãos — é uma treta pegada e você sabe-o.
Um dos telefones na sala de observação tocou e Ridley atendeu. Escutou durante cerca de meio minuto e depois disse:
— Bom trabalho. Continue. Telefono assim que estivermos em movimento. — Devolveu o auscultador ao descanso e olhou para Stansfield com um grande sorriso no rosto. — O Waldvogel já tratou do assunto. Temos escutas e um rastreador. Adivinhem quem foi buscar o Cooke ao aeroporto?
Stansfield estava demasiado concentrado em Victor para mudar de direção tão rapidamente.
— Não faço ideia.
— Paul Fournier.
— Esse nome anda a surgir com uma frequência impressionante.
— O Waldvogel diz que vão parar para almoçar e que depois têm uma reunião. O Fournier disse, e passo a citar: “Eles estão muito empolgados por irem conhecê-lo, mas estão a contar com o resto da lista e querem saber o nome do assassino.”
— E o que disse o Cooke?
— Que não tinha voado até Paris só para almoçar.
Stansfield desviou o olhar de Rapp e olhou pelo espelho. Com um pequeno toque no ombro de Talmage, disse:
— Diga ao Stan que faça uma pausa. Preciso de falar com ele.
Rapp aproximou-se de Stansfield e, numa voz que só este ouviria, disse-lhe:
— Dê-me cinco minutos com ele. Sou o último tipo que ele espera ver.
Stansfield estava a ponderar essa hipótese quando Hurley entrou com ar de querer bater em alguém. Estacou a meio de uma passada ao ver Rapp ao lado do seu superior.
— Mas que raio é que ele está aqui a fazer?
— Calma — avisou Stansfield. — A história dele bate certo. Não é ele o problema — disse-lhe, inclinando a cabeça para Rapp. — Ele é que é. — Apontou para Victor que, do outro lado do espelho, tinha um ar muito cheio de si, tendo em conta a situação em que se tinha metido. — Vem cá — ordenou a Hurley.
Juntaram-se os dois a um canto, onde Stansfield lhe transmitiu tudo o que aprendera nas últimas horas.
— A Greta? — espantou-se Hurley a dada altura.
Stansfield mandou-o calar-se e acabou de o pôr a par. Quando saíram do canto, olhou para o Dr. Lewis e disse-lhe:
— Tom, o Mitch gostaria de ir ali fazer umas quantas perguntas ao Victor. Eu estou a ficar sem tempo. Parece que o nosso diretor-adjunto está ocupado a cometer traição e, antes de fazer alguma coisa acerca disso, gostaria de ter mais alguma prova.
— Consegue manter a calma? — perguntou Lewis a Rapp.
Este franziu o sobrolho.
— Não me parece que manter a calma vá levar-nos a algum lugar agora. Eu vi aquele cabrão matar quatro pessoas ontem à noite. Nenhuma delas era um terrorista. Duas dessas pessoas eram bem conhecidas aqui. Ele é um merdoso... um cão doente, que devia ter sido abatido há muito. Agora não é altura para nos tremerem os joelhos. — A última pessoa que Rapp esperava que o apoiasse era Hurley.
— Ele tem razão. O Victor acha que nos passou a perna. A melhor forma de o abanar é mandando o Rapp lá para dentro.
— Se o Mitch entra naquela sala — disse Lewis —, vai haver violência.
Rapp sacou da Glock com silenciador e disse:
— Podem crer que vai.
Lewis lançou um olhar suplicante a Stansfield.
— Esta não é a maneira de fazer isto. E se ele o mata antes de termos as respostas de que precisamos?
— Prometo que não o mato, doutor. Pelo menos não antes de obtermos as respostas de que precisamos. — Rapp não queria esperar pela autorização, pelo que avançou para a porta.
Hurley intercetou-o no corredor. Agarrou-lhe um braço.
Rapp virou-se com fúria pura no rosto.
— Tire a porra das patas.
Hurley ergueu as duas mãos e disse:
— Isto não é fácil para mim, mas queria dizer que me enganei e que lamento.
Rapp aceitou o pedido de desculpas com um aceno de cabeça e disse:
— Está bem, agora se quiser ajudar-me, assegure-se de que não deixa ninguém entrar naquela sala de interrogatório até eu ter acabado. Não importa o que ouça, mantenha a porta fechada. Consegue fazer isso?
— Sim. Consigo fazer isso.