CAPÍTULO 45

Voltaram para a embaixada no Mercedes preto que Irene conduzira até ao lugar do encontro. Tinha havido uma discussão breve e acalorada acerca de quem conduziria, mas Rapp ganhara, com a intervenção de Stansfield. Ele tinha treino para fazer uma condução muito agressiva, se fosse necessário. Rapp não adorava a ideia de levar Greta para a embaixada, mas Stansfield não aceitava que fosse de outra forma. O homem estava invulgarmente abalado pela revelação da relação deles. Tanto Rapp como Greta tinham argumentado que ela podia facilmente seguir de carro para a Suíça sem que ninguém desse por nada. Porém, Stansfield tinha sido veemente.

— Vou ter de explicar muito ao teu avô. Ele não vai ficar contente. Nunca me perdoaria se algo te acontecesse, e eu tampouco mo perdoaria. O lugar mais seguro para ti é a embaixada. Quando as coisas acalmarem, acompanhar-te-ei pessoalmente até Zurique.

Pararam junto ao carro dela, recolheram as malas e fizeram-se a caminho. A uns minutos da embaixada, Irene telefonou para o segurança na receção, indicou a hora prevista de chegada e disse que abrissem o portão a essa hora. Paris não era Moscovo, mas tendo em conta a quantidade de vezes que o nome de Paul Fournier fora surgindo, valia a pena tomar mais umas quantas precauções. Passaram pelo grande portão sem incidentes e seguiram para a garagem subterrânea da embaixada.

Depois de Rapp e Greta terem tirado as suas malas da bagageira, Stansfield disse:

— Irene, será que pode levar a Greta até ao Gene? Diga-lhe que pedi que a instalassem confortavelmente. É capaz de passar cá a noite. — Gene era o chefe de estação da CIA.

Quando entraram no pequeno átrio subterrâneo da garagem, Greta parou e perguntou a Mitch:

— Quando é que vou voltar a ver-te?

Rapp olhou de relance para Stansfield e respondeu:

— Temos algum trabalho que fazer. Tenho a certeza de que vou ver-te logo à noite, se não for antes.

Ela pôs-se em bicos de pés e deu-lhe um beijo no rosto.

— Tem cuidado. — E depois, virando-se para Stansfield, disse: — Se alguma coisa lhe acontecer, vou ficar muito zangada.

Ele dirigiu-lhe um aceno de cabeça desinteressado.

— O Mitch é perfeitamente capaz de cuidar de si mesmo.

Os homens observaram-nas a entrar no elevador. Irene tinha a mala de Rapp. Quando as portas se fecharam, Stansfield disse:

— Siga-me.

— Onde vamos?

— Lá para baixo. — Quando estavam os dois na escadaria, perguntou-lhe: — Há quanto tempo anda com ela?

Rapp seguia dois degraus atrás.

— Há quase um ano.

— Ama-a?

— Isso é uma questão privada, chefe.

Stansfield parou no meio do patamar seguinte e virou-se para ele.

— Há literalmente biliões de mulheres no planeta, e você vai e escolhe apaixonar-se por esta.

— Eu nunca disse que estava apaixonado por ela.

— Bem, não há dúvida de que ela está apaixonada por si. Isso é óbvio.

— Senhor, gostaria de manter a minha vida privada, bem... privada.

— Quem me dera que fosse assim tão fácil — resmungou Stansfield, e começou a descer o lanço de escadas seguinte. — Não faz ideia dos problemas que me arranjou.

Rapp seguiu-o em silêncio, sem querer explorar mais a sua vida privada. As escadas davam para um pequeno vestíbulo com um elevador e uma porta blindada. Stansfield carregou num botão ao lado da porta e virou a cabeça para a câmara. Seguiu-se um zumbido eletrónico e ele agarrou na porta e abriu-a. Um corredor comprido abria-se diante deles. Stansfield dirigiu-se à segunda porta à direita. Estavam três homens lá dentro, dois que ele conhecia relativamente bem — o Dr. Lewis e Rob Ridley — e um terceiro que ele nunca conhecera.

Stansfield perguntou:

— Como é que isso vai?

O homem que Rapp não conhecia desviou o olhar do equipamento e disse:

— Muito melhor. O Stan tem-no encostado à parede. O Victor está a começar a patinar um bocado, mas mantém a história.

— Como é que estão os valores? — perguntou Stansfield, apontando para o polígrafo.

— As reações mantêm-se dentro dos parâmetros normais, mas o meu detetor pessoal de tretas diz que ele está a mentir com todos os dentes.

Rapp olhou pela grande janela e viu Victor e Hurley. Todo o seu corpo se retesou num nó de energia. A primeira ideia que lhe passou pela cabeça foi o quanto queria matar Victor. A segunda foi que não se importaria de eliminar Hurley ao mesmo tempo.

Estavam os dois a fumar. Victor estava de calças de ganga e uma t-shirt branca. O tecido de algodão esticava-se muito para lhe cobrir os braços enormes. Recostando-se na cadeira, tentava parecer o mais descontraído possível.

— Eu sei que temos de fazer este jogo, Stan. Percebo que não lhe agrada mais do que a mim. Ambos sabemos que o Rapp é um merdoso. Vamos lá despachar isto para eu poder ir atrás do sacana e cortar-lhe o pio.

Todos os olhares na sala de observação se voltaram para Rapp. Este virou-se para Stansfield e disse:

— Eu acho que ambos sabemos quem precisa de que lhe cortem o pio.

— A seu tempo.

Lewis aproximou-se de Rapp.

— Eu sei que não é fácil ouvir isto, mas tem de...

— Cale-se, doutor — ripostou ele, sem desviar o olhar de Victor. — Sem ofensa, mas agora não quero ouvir nenhuma das suas tretas.

Hurley apagou o seu cigarro.

— Sabes o que é que eu acho... eu acho que és um aldrabão de merda. Acho que estás a mentir com quantos dentes tens, foda-se. Ontem à noite, eu disse-te para abortares a missão. Para voltares para o hotel e ires dormir, e tu desrespeitaste a minha ordem.

— Não desrespeitei nada. Estávamos a preparar-nos para ir embora quando ele mandou o chamariz dele. O McGuirk e o Borneman foram proteger a porta da frente e foi então que o Rapp os atacou.

— E onde é que estava esse chamariz?

— Não sei. Nunca mais o vi.

— És mesmo aldrabão. — Hurley recostou-se na cadeira e abanou a cabeça. — Que aldrabão.

Victor sorriu.

— Eu sei que está só a tentar fazer o seu trabalho, mas isto é um desperdício de tempo. Vamos lá acabar com isto e vamos matar o merdoso. Eu sei que o odeia tanto quanto eu.

— Não gostar dele não quer dizer que queira matá-lo. Há muitas pessoas de que não gosto.

— E muitas dessas pessoas abatem dois dos seus agentes e comprometem uma casa secreta? Dão cabo de uma missão no meio de Paris e transformam-na na porra de um embaraço internacional? Nove cadáveres, foda-se! — Victor bateu com os nós dos dedos na mesa e depois apontou para Hurley e disse: — E não se esqueça dos dois tipos da DGSE que ele alvejou.

Hurley assentiu com a cabeça como se estivesse a concordar com ele e depois disse:

— Quanto a esses agentes da DGSE... ouvi uma história interessante. Tenho duas testemunhas que apareceram no local pouco depois de tu teres deixado o corpo do Borneman no meio da rua, tal a pressa que tinhas para salvar o teu próprio couro.

— Já lhe disse que o Borneman caiu da carrinha. Não pude fazer nada quanto a isso.

Hurley ignorou-o.

— Estas duas testemunhas identificaram o Rapp.

— Lá está. Põem-no na cena do crime.

— Adivinha lá o que é que ele estava a fazer quando eles chegaram?

— Não sei... a fugir?

— Não... isso eras tu. Tu é que ias a fugir.

Victor debruçou-se sobre a mesa.

— Você teria feito exatamente a mesma porra.

— Tu não fazes ideia do que eu teria feito, por isso fecha a porra da boca antes que te parta o queixo. Agora, vamos lá voltar ao que interessa. O que é que achas que o Rapp estava a fazer quando estes dois tipos o encontraram?

Victor tornou a endireitar-se e cruzou os braços numa atitude de desafio.

— Não sei.

— Ele estava a prestar primeiros socorros a um dos agentes. Um deles foi atingido no rosto e o outro no peito. Estas duas testemunhas, com quem trabalho há quase duas décadas, dizem que o Rapp estava a tratar do agente com a ferida no peito.

Victor encolheu os ombros como se aquilo não tivesse qualquer importância.

— Diz-me lá por que raio é que o Rapp haveria de alvejar um tipo para em seguida tentar salvá-lo.

— Não sei. Ele é completamente chanfrado e, quando o apanharmos, podemos fazer-lhe essas perguntas todas. Mas isto — disse Victor, estendendo as mãos — é uma treta pegada e você sabe-o.

Um dos telefones na sala de observação tocou e Ridley atendeu. Escutou durante cerca de meio minuto e depois disse:

— Bom trabalho. Continue. Telefono assim que estivermos em movimento. — Devolveu o auscultador ao descanso e olhou para Stansfield com um grande sorriso no rosto. — O Waldvogel já tratou do assunto. Temos escutas e um rastreador. Adivinhem quem foi buscar o Cooke ao aeroporto?

Stansfield estava demasiado concentrado em Victor para mudar de direção tão rapidamente.

— Não faço ideia.

— Paul Fournier.

— Esse nome anda a surgir com uma frequência impressionante.

— O Waldvogel diz que vão parar para almoçar e que depois têm uma reunião. O Fournier disse, e passo a citar: “Eles estão muito empolgados por irem conhecê-lo, mas estão a contar com o resto da lista e querem saber o nome do assassino.”

— E o que disse o Cooke?

— Que não tinha voado até Paris só para almoçar.

Stansfield desviou o olhar de Rapp e olhou pelo espelho. Com um pequeno toque no ombro de Talmage, disse:

— Diga ao Stan que faça uma pausa. Preciso de falar com ele.

Rapp aproximou-se de Stansfield e, numa voz que só este ouviria, disse-lhe:

— Dê-me cinco minutos com ele. Sou o último tipo que ele espera ver.

Stansfield estava a ponderar essa hipótese quando Hurley entrou com ar de querer bater em alguém. Estacou a meio de uma passada ao ver Rapp ao lado do seu superior.

— Mas que raio é que ele está aqui a fazer?

— Calma — avisou Stansfield. — A história dele bate certo. Não é ele o problema — disse-lhe, inclinando a cabeça para Rapp. — Ele é que é. — Apontou para Victor que, do outro lado do espelho, tinha um ar muito cheio de si, tendo em conta a situação em que se tinha metido. — Vem cá — ordenou a Hurley.

Juntaram-se os dois a um canto, onde Stansfield lhe transmitiu tudo o que aprendera nas últimas horas.

— A Greta? — espantou-se Hurley a dada altura.

Stansfield mandou-o calar-se e acabou de o pôr a par. Quando saíram do canto, olhou para o Dr. Lewis e disse-lhe:

— Tom, o Mitch gostaria de ir ali fazer umas quantas perguntas ao Victor. Eu estou a ficar sem tempo. Parece que o nosso diretor-adjunto está ocupado a cometer traição e, antes de fazer alguma coisa acerca disso, gostaria de ter mais alguma prova.

— Consegue manter a calma? — perguntou Lewis a Rapp.

Este franziu o sobrolho.

— Não me parece que manter a calma vá levar-nos a algum lugar agora. Eu vi aquele cabrão matar quatro pessoas ontem à noite. Nenhuma delas era um terrorista. Duas dessas pessoas eram bem conhecidas aqui. Ele é um merdoso... um cão doente, que devia ter sido abatido há muito. Agora não é altura para nos tremerem os joelhos. — A última pessoa que Rapp esperava que o apoiasse era Hurley.

— Ele tem razão. O Victor acha que nos passou a perna. A melhor forma de o abanar é mandando o Rapp lá para dentro.

— Se o Mitch entra naquela sala — disse Lewis —, vai haver violência.

Rapp sacou da Glock com silenciador e disse:

— Podem crer que vai.

Lewis lançou um olhar suplicante a Stansfield.

— Esta não é a maneira de fazer isto. E se ele o mata antes de termos as respostas de que precisamos?

— Prometo que não o mato, doutor. Pelo menos não antes de obtermos as respostas de que precisamos. — Rapp não queria esperar pela autorização, pelo que avançou para a porta.

Hurley intercetou-o no corredor. Agarrou-lhe um braço.

Rapp virou-se com fúria pura no rosto.

— Tire a porra das patas.

Hurley ergueu as duas mãos e disse:

— Isto não é fácil para mim, mas queria dizer que me enganei e que lamento.

Rapp aceitou o pedido de desculpas com um aceno de cabeça e disse:

— Está bem, agora se quiser ajudar-me, assegure-se de que não deixa ninguém entrar naquela sala de interrogatório até eu ter acabado. Não importa o que ouça, mantenha a porta fechada. Consegue fazer isso?

— Sim. Consigo fazer isso.