Rapp e Hurley estavam estacionados a quatro quarteirões do Hotel Balzac. Hurley estava ao volante e Rapp no lugar do passageiro. Rapp tinha perdido a conta ao número de vezes que vira Irene e Hurley discutir, mas nunca vira ninguém erguer a voz a Stansfield, quanto mais discutir tão abertamente com ele como ambos tinham feito. E, para tornar a coisa ainda mais estranha, para variar Hurley e Irene estavam de acordo. Stansfield estava decidido a ir com eles ao Hotel Balzac, mas Hurley ameaçara demitir-se se o chefe pusesse um pé que fosse fora do complexo da embaixada. Era possível que aquilo não passasse de uma simples missão de vigilância, mas também poderia tornar-se algo bem mais perigoso e complicado. Stansfield não podia estar minimamente perto daquilo. Já era suficientemente mau que o maldito diretor-adjunto da CIA estivesse a lixar o seu país, não precisavam de juntar à lista uma detenção do diretor-adjunto de Operações. Por fim, Stansfield cedera e dera autorização a Rapp e Hurley para que fossem sem ele.
Ambos estavam de fato e gravata, e Rapp tinha um passaporte e um cartão de crédito novos, bem como o distintivo e a arma que tirara ao agente ferido da DGSE.
Também tinha posto lentes de contacto azuis e uma barbicha para tentar assemelhar-se ao agente. Se alguém observasse com mais atenção, descobriria que Rapp não era o homem da foto, mas, se precisasse de usar aquele documento, não tencionava deixar que o vissem com atenção.
Ridley e a sua equipa estavam a três quarteirões de distância do outro lado do hotel, numa carrinha de vigilância. Rapp e Hurley recebiam a transmissão em direto dos dispositivos que tinham plantado em Cooke. O plano era gravar tudo o que fosse dito, deixar que o diretor-adjunto se incriminasse a si mesmo e depois apanhá-lo discretamente quando o deixassem no hotel onde se instalara.
Cooke e Fournier fizeram um almoço demorado, pelo que Rapp e Hurley estavam a postos quando eles chegaram ao Hotel Balzac. Tinham ouvido a conversa fora do restaurante e agora estavam a ouvir as apresentações dentro da suíte. Rapp estava a levar tudo com calma até ter ouvido o seu nome. Ele e Hurley entreolharam-se exatamente ao mesmo tempo quando ouviram Cooke dizer:
“Ele frequentou a Universidade de Siracusa e foi recrutado pela Irene Kennedy que, por acaso, é muito próxima do Thomas Stansfield e é outra pessoa que podem ter em conta para exercer pressão.”
— O cabrão! — bradou Hurley.
Rapp já ia bem mais além. Estava a imaginar cada pessoa naquela suíte. Cooke era um traidor, Fournier uma cobra traiçoeira e, segundo a informação e os nomes fornecidos pelo monsenhor De Fleury, Irene identificara os outros dois. Samir Fadi era um operacional de nível médio da jihad islâmica e era muito provavelmente o sacana que o alvejara no ombro. O segundo homem era bem mais importante. Max Vega era um empresário espanhol abastado, cujo pai era um saudita radical. Ao longo dos últimos anos, tornara-se uma figura essencial no financiamento de vários grupos muçulmanos fundamentalistas. Rapp sabia quem era porque o seu nome era o seguinte na lista de alvos autorizados.
Foi-lhe fácil tomar a decisão. Agarrou na pega da porta do carro e disse:
— Stan, se quiser abater-me, força, caso contrário vou entrar. Se não mato aqueles cabrões todos já, estou morto.
Hurley não se mexeu nem disse o que quer que fosse durante o que lhe pareceu uma eternidade, e depois preparou o carro para andar e disse:
— Há uma entrada lateral para os funcionários e as entregas na Rue Lord Byron.
— Eu sei onde é.
— Há uma escadaria quase imediatamente à esquerda. Eles estão no último andar. Sugiro que deixes o dinheiro. Vai dar um ar mais sujo à coisa.
— Boa ideia.
Vinte segundos depois, passaram pela porta da frente. Cinco segundos mais tarde, Hurley parou em frente à porta de serviço.
Rapp abriu a porta e disse:
— Obrigado, Stan. Fico mesmo grato.
— Não tens de quê. Só não te deixes matar e não deixes impressões digitais.
— Nunca deixo.
— E, para que saibas, nunca gostei do plano do Thomas. O nosso trabalho é matar estes cabrões, não tentar pô-los a trabalhar para nós.
— Não vai ouvir-me a discordar disso.
— Espero ao fundo da rua. — Hurley apontou pelo para-brisas. — Tens cinco minutos. É melhor pores-te a andar.
Rapp bateu com a porta e contornou a bagageira para chegar ao passeio. A entrada de serviço era uma pequena porta de garagem. Estava destrancada. Agarrou no distintivo da DGSE e entrou. Um ajudante lançou-lhe um olhar de relance. Rapp sorriu, abriu o distintivo e disse:
— Polícia.
A escadaria ficava mesmo onde Hurley dissera. Rapp subiu os degraus dois a dois tão depressa quanto era capaz. Quando chegou ao último andar, tinha o coração acelerado, mas sabia que recuperaria numa questão de segundos. Parou junto à porta de incêndio e inspirou profundamente duas vezes. Depois usou a anca para empurrar a barra para baixo sem deixar impressões digitais. Na outra ponta do corredor, estava Omar. Com os seus dois metros de altura, certamente pesaria quase cento e quarenta quilos.
Rapp caminhou na direção dele a um passo veloz. Debitou umas quantas desculpas suaves em francês e, tal como esperava, Omar começou a caminhar para si. Parecia-lhe pouco provável que estivesse armado, mas tinha de partir do princípio de que estaria. Quando estavam a uns dez metros de distância um do outro, Rapp disse:
— Trabalho para o diretor Fournier. — Sacou do distintivo que trazia no bolso do peito e continuou: — Preciso de falar com ele.
Omar parou a meio do corredor, à espera de inspecionar o documento.
Tinha de medir a coisa ao milímetro. Se se aproximasse demasiado, Omar poderia deitar-lhe as mãos. Se estivesse demasiado longe, Omar poderia cair com tanta força que deitaria móveis ao chão. Tinha o distintivo na mão esquerda e estendeu o braço ao máximo, de forma a parecer que estava a tentar ajudar o guarda-costas. Deslizou a mão direita entre as pregas do casaco do fato e agarrou na FNP. Sacou a arma, manteve o braço recolhido e girou o pulso de maneira a ficar com o silenciador apontado diretamente ao coração de Omar. Normalmente, usaria apenas uma bala, mas, com um tipo daquele tamanho, nunca se sabia, pelo que premiu o gatilho três vezes e depois lançou-se para a frente.
Omar teve a reação esperada. Levou as duas mãos ao peito e depois começou a cambalear. Rapp fechou a capa do distintivo e esforçou-se ao máximo por fazer o corpo cair suavemente. Os joelhos embateram primeiro e depois foi só uma questão de o inclinar para trás. Pousou-lhe a cabeça no chão e procurou a chave do quarto. Já se tinha hospedado no Balzac, pelo que sabia que ainda usavam as velhas chaves. Umas coisas grandes, volumosas. Encontrou-a no bolso esquerdo no casaco do fato de Omar. Enfiou umas luvas de látex, agarrou na chave e avançou rapidamente pelo corredor. Mover Omar não era uma opção, pelo que tinha de trabalhar depressa.
De arma na mão, inseriu a chave silenciosamente na fechadura. Girou-a, deixou-a na fechadura e empurrou a porta. Cooke e Fournier estavam sentados praticamente à frente dele, um pouco para a direita. Rapp levou um dedo aos lábios, fazendo-lhes o gesto universal para ficarem calados. Foi o suficiente para os imobilizar enquanto avançava pela suíte, encontrando os outros dois homens no sofá à esquerda. O mais alto ia abrir a boca quando Rapp o atingiu na testa. Enquanto girava a pistola para o outro homem no sofá, levou a mão esquerda ao interior do casaco e encontrou o punho da Glock com silenciador. Disparou a FNP uma segunda vez e atingiu o segundo homem na testa.
Por mais que quisesse dizer algo a Cooke e Fournier, sabia que Ridley e os outros estavam à escuta, pelo que manteve a boca fechada, girou a Glock e alvejou os dois homens no peito. Deu quatro tiros a Fournier e três a Cooke. Os primeiros no coração, espalhando os outros para que parecesse obra de alguém menos capaz. Avançando para Samir, colocou-lhe a Glock na mão e disparou duas vezes contra o sofá do outro lado. Deixou a arma cair no chão aos pés de Samir e depois agarrou nos papéis e no envelope no colo de Max.
Olhou para as suas fotografiass e para a informação biográfica. Dobrou tudo e enfiou os papéis no bolso do lado direito do peito. Tirou um lenço do bolso de trás e limpou rapidamente a pistola FNP. Colocando-a na mão de Fournier, apontou-a a Max e disparou duas vezes contra o tronco deste. Alvejou Samir mais umas vezes e deixou a arma na mão de Fournier. A polícia ficaria intrigada quando descobrisse que ambas as armas tinham sido usadas no tiroteio com os dois agentes da Direção-Geral. A julgar pela reputação de Fournier, não haveria muita gente em Paris a ficar triste ao saber daquela notícia. Rapp passou para Cooke e percorreu-lhe o interior do casaco para ver se tinha um duplicado da informação que entregara a Max. Encontrou outro envelope e enfiou-o no bolso.
Recuou e girou sobre si mesmo para ver se lhe tinha escapado algo antes de se encaminhar para a porta. Agarrou na chave e deixou a porta fechar-se atrás de si. Correu até ao corpo de Omar, devolveu a chave ao bolso e apressou-se a ir para as escadas. Desceu tal como tinha subido, dois degraus de cada vez, só que, desta feita, não se cansou tanto. Descalçou as luvas de látex imediatamente antes de se deparar com dois funcionários que estavam a fumar junto à porta das traseiras. Ignorou-os e saiu para a luz forte da tarde. Virou à esquerda e caminhou a passo estugado, mas nada que chamasse a atenção. Era só um tipo atarefado a tentar voltar para o escritório depois do almoço.
Um quarteirão mais à frente, olhou em redor, mas não viu sinal do automóvel. Não esperou. Continuou pela Rue Lord Byron acima, pensando o que teria levado Hurley a decidir lixá-lo. Devia ter ficado a pensar em como Stansfield reagiria. Era bem provável que lhe pusessem a cabeça a prémio, mas agora não havia nada que pudesse fazer. Tinha de entrar na estação de metro mais próxima e ir até onde o comboio o levasse.
Os seus pensamentos regressaram a Greta. Stansfield cuidaria dela, e também faria os possíveis para garantir que ele nunca mais a via. O avô dela era o banqueiro clandestino da agência. Permitia-lhes mover fundos operacionais sem o dar a entender às pessoas erradas. O homem desempenhava uma função crucial no grupo e ficaria lívido quando soubesse que a neta tinha sido posta em perigo por um dos assassinos de Stansfield, mas Rapp sabia que tinha de arriscar vê-la só mais uma vez. Nunca se perdoaria, se não o fizesse.
O Mercedes preto surgiu a seu lado. Hurley espreitou pela janela aberta e perguntou:
— Precisas de boleia?
Rapp parou e abanou a cabeça.
— Onde raio é que estava?
— Um maldito polícia de trânsito mandou-me sair dali. Tive de dar a volta ao quarteirão.
Rapp entrou e Hurley acelerou. A ressaca de adrenalina entrou em ação e ele baixou o vidro da sua janela para apanhar um pouco de ar fresco.
— Como correu? — perguntou Hurley.
— Bastante bem. — Rapp levou a mão ao casaco e agarrou nos dois envelopes. Abriu o segundo que não tinha verificado e deparou-se com a carantonha de Hurley. — Veja só. Também ia traí-lo a si.
Hurley lançou-lhe um olhar de relance.
— Que cretino. Eu era o bónus.
Percorreram o quarteirão seguinte em silêncio e depois Rapp perguntou:
— O que é que me espera agora?
— Não sei bem. Tenho estado a tentar perceber isso, mas acho que é capaz de ser boa ideia não dares nas vistas durante algum tempo.
— Pois... deve ter razão.
— Onde é que queres que te deixe?
— Há uma estação de metro daqui a dois quarteirões. Isso deve dar.
Hurley assentiu com a cabeça e disse:
— Não tenho sido muito justo contigo. Peço desculpa por isso. — Hurley parou o carro num lugar. — Contacta-me daqui a umas semanas. Vou ver se consigo acalmar os ânimos.
Rapp entregou-lhe o dossiê que tinha informações sobre Hurley.
— Agradeço.
— Tem cuidado.
— O senhor também. — Rapp saiu do carro e tornou a olhar para Hurley. — Quatro cretinos mortos. Nada mau, para uma tarde.
— Eu diria que foi bem bom.
— Boa sorte.
— Para ti também, miúdo.
Rapp fechou a porta e ficou a ver Hurley afastar-se. De uma estranha forma, sentia-se como se fosse senhor de si mesmo pela primeira vez em dois anos. Não tinha ninguém a quem prestar contas, nenhum lugar onde estar nos próximos tempos. Meter-se-ia num comboio, depois num avião, e desapareceria durante uns meses. Veria como era tentar levar uma vida normal. Desceu as escadas do metro ao lado de outras pessoas. Quando chegou à plataforma, já sabia que tudo aquilo não passava de uma fantasia. Voltaria, se o quisessem. Não era como as outras pessoas e nunca seria. Tinham-no mudado para sempre.