– Ah, que sorte que veio, senhor Budiño. Há umas dez pessoas esperando-o. O doutor Mesa. Dois candidatos a guias, recomendados pelo Conselheiro. A senhorita Souto. O senhor do USIS que esteve no outro dia. O homem da imprensa. O intérprete, aquele venezuelano. Pedrosa, o dos ônibus. Também um rapaz do Club, quer que lhe consigamos cartazes de Tóquio, para uma boutique que vai instalar com a tia.
Secretária esplêndida, carnuda etcétera. Hoje veio sem a libra esterlina, de modo que a visibilidade melhorou consideravelmente.
– Senhorita, por favor. Já lhe disse que tem que servir de filtro para mim. Não posso passar horas atendendo lerdos. Para esse boboca do cartaz, dê-lhe um de Piriápolis, e se não gostar que se enterre. Que entre o doutor Mesa, e transfira todos os outros para o senhor Abella. Meu irmão não telefonou?
– O senhor Hugo?
Tenho só um irmão, tola.
– Claro, senhorita, meu irmão Hugo.
– Não, senhor Budiño, ele não telefonou. Mas sua esposa ligou.
– A esposa de meu irmão?
– Não, dona Susana.
– Ah.
– Disse para avisá-lo de que ia ao cabeleireiro.
– Está bem.
– Muito prazer, doutor Mesa. Meu pai já me falou do senhor. Aqui estou às suas ordens. Explique-me seu problema.
Pensar que este é o testa de ferro do escrivão que faz os trambiques com o sócio do Velho. Parentesco longínquo. Assim como primos de terceiro grau.
– Como não, doutor, como não.
Vou dar-lhe a excursão com museus.
– Naturalmente, doutor, todos os principais: o Prado, a Pinacoteca, o Reijsmuseum, a Galleria degli Uffizi, os Capitolinos, a Albertina, a casa de Rembrandt, o British Museum e evidentemente o Louvre.
Acertei-te na testa, velhinho. Pensava que eu estava esquecendo Paris e você quer muito Lido e pouco Louvre.
– Doutor Mesa, hoje não vamos falar de preços, que sempre é a parte desagradável... Mas naturalmente, doutor, sendo o senhor recomendado pelo escrivão Faggi, que é tão amigo de Papai, terá o melhor e nas melhores condições... Poderia ser, por exemplo, vejamos, para o dia 22 de maio, se preferir o avião... Ah, de navio as coisas mudam. Naturalmente, para descansar é o ideal... O avião é a solução quando aperta o fator tempo, quando a urgência faz com que se deva transformar os dias em horas.
Essa frase já me sai sozinha, como o saúde para quem espirra.
– Olhe que hoje em dia, doutor Mesa, com os jets, pode-se levar menos horas de voo até a Europa que dias de navegação. Uma coisa desconcertante. Mas para relaxamento das tensões, cura de repouso, eliminação de preocupações, como tônico, sei lá, como renovação geral, aconselho o navio para todo mundo. Vai viajar sozinho? Entendo, entendo, sozinho, mas vai viajar também uma amiga, sim. Naturalmente, doutor, a viagem sempre é mais agradável em boa companhia. Já anotei. De preferência, cabina dupla. Trouxe o passaporte? E o da senhorita? Muito bem, minha secretária vai anotar seus dados e eu providenciarei para que o senhor fique satisfeito. Encantado, doutor Mesa, sempre às ordens.
Três horas. O relógio da copa é sempre insuportável de madrugada. Não quero tomar comprimidos. Prefiro a insônia. Além do mais, gosto de rememorar. Por que será que quase sempre, quando acordo de madrugada, quase a única lembrança que me vem é a da primeira vez? Me marcou, sem dúvida, a Rosario. E sem nostalgia. O mar tranquilo, ao entardecer, como um espelho. Atrás, as árvores. Jogávamos tênis todas as tardes. Portezuelo é ideal para isso. Meus dezessete anos. A idade que Gustavo tem agora. Gustavo já terá estado com uma mulher? Oxalá. Certamente que sim. Mesmo com alguma de suas companheiras. Por alguma razão não olha para elas com muita cobiça. Deve se acalmar por aí, provavelmente. Rosario estava na casinha de Céspedes. Eu na de Portela. O mar como um espelho e atrás de nós as árvores enormes. Nem uma folha se mexia. Caminhamos um pouco? Bom, disse ela, gosto de ir pisando ramos secos. Era tão agradável o cheiro dos pinheiros. Não havia muitos chalés naquela época. E em certas zonas as árvores estavam muito juntas. A gente podia esconder-se de todo mundo. E além disso o mundo ficava longe. Lá onde se viam, onde se vêem as luzes. Um pouquinho de medo sempre cai bem. Me dá a mão. Nossas roupas de banho justas secaram e não faz nenhum frio, apesar da hora. Tenho perfeita consciência de nossa respectiva nudez, principalmente da dela. Que pernas. Cada vez menos luz. E lá longe o mundo, as buzinas, um tango. Vem, senta, digo. Um buraquinho sob medida, entre dois arbustos. Tem até teto. Está nervosa? Não. Tenho a ideia de que sua pele estará salgada. A minha também. Os pelos de meu braço estão amassados, como colados pelo sal já seco. De repente vejo algo em Rosario que me transtorna por completo. No vértice inferior do tronco, junto ao começo de suas pernas, saem do maiô uns poucos pelos, também grudados na parte interna das coxas. Não há nada a dizer. Ela percebe o que eu vi e também está alterada, também está à espera. Abraço-a. Minhas mãos ainda sem perícia não dão conta. Primeiro os seios, naturalmente. Saem do maiô como que escapando de uma prisão. Ela sorri. Por Deus, como sorri. Redondos, tão cheinhos. Uma lembrança táctil que não me abandonará jamais. Ainda posso senti-los. E efetivamente estão salgados. Toda ela está salgada. O bom desse ato é que os dois somos inexperientes. Fazemos uma quantidade de coisas que, depois descobriremos, não são as mais pudicas. Mas é tão natural. Como não sabemos que a tradição manda que a primeira vez tudo seja urgência, atropelo, violência, nosso prolegômeno é longo e delicioso. É magnífico aprender com quem não sabe. Como Rosario ignora que na primeira vez deve resistir, mostrar-se com medo e envergonhada, faz tudo com uma alegria que a ilumina, toma carinhosamente o meu sexo e nunca voltarei a gozar tanto com uma carícia tão antiga e tão nova. Tudo está à nossa disposição. Não temos ideia do que é vício e do que está autorizado pela moral fajuta, estamos Acima do Bem e do Mal. Tudo é simplesmente lindo, lindíssimo. O bom é que eu não sei nada do que ela pensa, de como é Rosario intelectual, Rosario sociológica, Rosario política, Rosario econômica, Rosario filosófica, ou talvez aos dezessete anos ninguém seja nada disso. Ela também não me perguntou nada. Essas coisas tão importantes para isso que se chama verdadeira comunhão de corpos e almas. Simplesmente, éramos seu corpo e meu corpo e a alegria de ambos. Nenhum de meus posteriores atos de amor será tão perfeito como este em que não cumprimos com as normas da comunhão perfeita. Talvez se o houvéssemos repetido durante anos teríamos chegado inevitavelmente a alguma forma de tédio, mas Rosario e eu só o fizemos três vezes num mesmo crepúsculo de janeiro e a melhor das três foi incrivelmente a primeira. Ideal. Ela tampouco ficou grávida. Que mais se pode pedir? Talvez o segredo daquela plenitude tenha sido haver alguma coisa de jogo, de bom humor. Em nenhum momento fomos patéticos, nem nos juramos amor eterno, e ninguém disse te amo. Estávamos contentes, nada mais. O mais sentimental que lhe disse foi: você é bárbara. E o mais comovedor que ela me disse: nunca pensei que fosse tão lindo, meu Deus. Me pareceu um ato de verdadeira e excepcional unção que ela usasse meu Deus como uma mera interjeição de prazer. Dizia sem fechar os olhos, isso era o estupendo, olhando-me contente, agradecida, e nosso abraço intermitente era também de boa amizade, de camaradagem recém-descoberta. E ainda hoje, quando Rosario é a respeitável esposa do doutor Azócar, com três filhos crescidos, duas empregadas e um chalé em Carrasco, nos encontramos às vezes em alguma festa, e nosso diálogo corre sem dissimulações, desprovido de rancores, fresco, sem nenhuma menção àquela tarde de fevereiro de 1934. Claro que guardamos um mútuo agradecimento e nos olhamos com uma simpatia cúmplice. Todo nosso correto tratamento por senhor e senhora é acompanhado pela doce lembrança de nossa intimidade, com beijos inaugurais e carícias exploratórias e pernas enlaçadas e costas com raminhos. Não tenho inveja de Ulises Azócar, que, por outro lado, tem cara de homem satisfeito e seus motivos terá. Francamente não gostaria de deitar-me agora com Rosario madura, já que a tive novinha e no bosque, porque a versão atual jamais poderia ser tão estimulante como a de vinte e sete anos atrás e talvez só servisse para apagar ou pelo menos modificar em mim e nela uma imagem sem defeitos. Mais meia hora, diz o carrilhão. Se pudesse dormir. Estou mais tranquilo. Essa reconstrução sempre acalma meus nervos, me dá vontade de continuar vivendo. Vou experimentar os métodos de relax. Começando por baixo. Primeiro relaxar os dedos dos pés, depois os tornozeeelos, as bataaatas das pernas, as coooxas, o veeentre, o estôoomago, o peeeito, os ooombros, o pescoooço.