12

Quando entra no elevador e aperta o botão do quinto andar, tem tempo para exilar-se de seus próprios problemas e pensar: Pobre Ríos. Num gesto maquinal, que há anos está inscrito em sua rotina de elevadores, enfrenta o espelho e ajeita a gravata. Está despenteado, também, mas não há tempo para usar o pente. Quando o elevador para, vê a mesinha da funerária, com o livro de assinaturas. Tira do bolso a caneta, mas antes de apoiá-la se lembra de que acabou a tinta. Resigna-se então a assinar com a caneta que está junto ao livro. Assina, e pela primeira vez se dá conta no que veio dar, através dos anos, sua rubrica que tinha sido tão organizada. Um simples e mal-desenhado RamBudño é o que sobrou daquele Ramón A. Budiño que constava na primeira página de suas agendas. Não vão saber para quem enviar o cartão de agradecimento, pensa. E então acrescenta, com maiúsculas que imitam os tipos de imprensa, o nome completo.

Ao lado da porta do apartamento 503, que está aberta, estão duas mulheres de negro. As cariátides, pensa Ramón. Uma delas passa o lenço pelos olhos secos. Logo suspira, intercalando um soluço e um leve tremor de lábios. Ramón se sente observado quando desfila entre ambas, mas não as cumprimenta. Passa olhando para a frente, até uma boa reprodução do Candombe de Figari.

– A viagem o matou – ouve dizer à sua esquerda.

– Claro que foi câncer – ouve dizer à sua direita.

Os homens se vestem quase todos de escuro, estão bem barbeados, usam camisas brancas e gravatas de seda. Não há nada mais parecido com um vestuário de festas que um vestuário de velórios, pensa Ramón. E calcula que deve haver umas cento e vinte pessoas no apartamento. Só se pondo de lado é possível infiltrar-se e caminhar até o segundo ambiente, onde está Rômulo Soria. Como envelheceu, pensa Ramón. Soria está falando em voz baixa com dois sujeitos gordos, com gomalina. Na realidade, todos falam em voz baixa, mas é curioso que tantas vozes baixas formem um ruidoso murmúrio coletivo. Alguém faz psiu, discretamente escandalizado, e o murmúrio se aplaca tão repentinamente que no living fica soando uma só voz desguarnecida: “Quer outro cafezinho?” Na realidade, a vergonha funciona depois da segunda palavra, e cafezinho já é dito num sussurro.

De repente as pessoas se afastam num movimento ondulante. Um homem jovem, de terno cinza, com a gravata frouxa, passa pelo corredor improvisado, e todos lhe dirigem mãos, condolências, palmadinhas, consolos. O homem tem os olhos irritados e engole saliva duas vezes. De seu lugar, Ramón vê o sobe e desce do pomo de adão.

– É o filho – avisam os que sabem e os que ficam sabendo nesse momento.

O filho recebe dois abraços mais e depois tenta alcançar uma porta fechada. Já tem a mão na maçaneta, mas uma mulher setentona e magra, com óculos e chapéu, se lança chorando.

– Asdrúbal, pobrezinho, ai que horrível, como você estará se sentindo, um pai tão bom, penso nesta desgraça e não posso acreditar, Asdrúbal, pobrezinho, Nicolás sofreu muito?

– Fique tranquila, dona Sara – diz o filho, mas ela não se solta.

– Nicolás sofreu muito? Quero saber, Asdrúbal, sofreu muito?

O filho faz tal esforço para manter a calma, que a seriedade se transforma numa careta.

– Não, dona Sara, não sofreu muito.

Finalmente se solta e consegue abrir a porta.

Nem um só conhecido com exceção de Rômulo, pensa Ramón. Não consegue chegar até Soria, que continua falando com os engomalinados.

– Aí o senador estragou tudo – diz alguém, nas suas costas.

– Pense o que lhe havia custado organizar o golpe. Não o digo por Aguerrondo, ele sempre teve boa vontade. Mas sabe o que é a polícia. Desgraçadamente, ainda há ali muita gente colorada, então teve que fazê-lo com pessoal de absoluta confiança. Neste país de biógrafos, a universidade é sempre a universidade. Eles acham que é uma coisa intocável. E enquanto isso, tudo fermenta. Qualquer dia, estamos falando em russo. Convença-se, Vásquez, para a América Latina não há alternativa: ou Stroessner ou Fidel. Não valem meias-tintas. E eu, que quer que lhe diga? Me aborrece um pouco a coisa do paraguaio, isso de que lance opositores dos aviões ou jogue cadáveres no rio, mas que se há de fazer? Somos povos muito atrasados, Vásquez, e a tortura é, como direi, uma forma de aprender mais rápido. A coisa é assim: Stroessner ou Fidel. E confesso que, entre esses dois extremos, eu fico com Stroessner. Pelo menos está com a nossa civilização, que é ocidental e cristã, e em seu país impôs a ordem, e além disso dizem que fez um aeroporto estupendo, com pista para jets e tudo. Aqui, ao contrário: em Carrasco, os Boeings têm que dar umas freadas medonhas, porque a pista é como se fosse para calhambeques. Ah, e como lhe vinha dizendo, tinha custado muito organizar o golpe. São coisas que levam tempo. O problema não é o dinheiro. Dólares nunca faltam para estes empreendimentos realmente positivos. O que falta é material humano. E uma vez tudo pronto, quando a polícia consente em localizar-se a prudente distância e em proteger a retirada desses meninos tão simpáticos do Medl, quando só falta dizer como nos filmes: Cinco, quatro, três, dois, um, zero, zás!, o Senador foge e vai para a própria porta da universidade perguntar por Torterolo. Naturalmente, destapou-se a lata. Acabou-se o mistério. Olhe que bonito: por uma tolice, por um capricho, para satisfazer um gosto, nada mais que por causa disso não deu para tomar a universidade, e agora quem sabe quanto se terá que esperar para outro ataque. Não se pode trabalhar com estas múmias, que nestes tempos de Ku Klux Klan ainda querem dar de Maquiavéis. Hoje tem-se que sacrificar o prazer fácil, a brincadeira, para ir diretamente ao garrote. Eu disse isso outro dia, na subcomissão: veremos se aprendem e na próxima deixam o Aguerrondo sozinho.

Outro movimento ondulante. “É a nora”, dizem os murmúrios. A nora diz trêmulos “obrigada” à direita e à esquerda. Pergunta se não viram sua filha. Não, ninguém viu. Outra mulher a detém. Não se dizem nada, mas se abraçam chorando.

Ramón avançou mais um pouco. O ar está rarefeito e não se atreve a fumar. Queria cumprimentar a neta. Veio para isso.

– Como irá o Peñarol a estas horas? – diz um sussurro envergonhado.

– Diga melhor: como irá Spencer? – comenta outro sussurro.

– Esse veneno é xenófobo – murmura o primeiro.

Ramón vê como os ombros se sacodem ao rir-se da maneira mais contida possível.

Rômulo Soria o viu e vem até ele.

– Que vontade tinha de ver você. Pena que seja em circunstâncias tão penosas.

– Sim, claro. Os anos não passam para você. Está igualzinho.

Não, está terrivelmente envelhecido, mas a convenção aceita é acharem-se jovens, sempre jovens, como uma conspiração contra o tempo.

– Pobre Ríos – diz Rômulo.

– Bem, não tão pobre. Conseguiu o que se tinha proposto.

– Isso sim. Mas nunca quis com tanto fervor ter me equivocado num diagnóstico. Era um sujeito excelente.

– Assim me pareceu.

– Quando fui esperá-lo no porto, a primeira coisa que me disse foi: Não via a hora de chegar porque isto está ficando feio.

Agora teria que perguntar se sofreu muito, pensa Ramón, mas sente como se fosse profanar, pior ainda, vulgarizar um feito valente, singular.

– Sofreu muito?

– Olhe, bastante menos do que eu temia. Teve a sorte de que o coração não correspondesse. E então morreu antes do previsto. Sabe o que me disse na noite antes de morrer? Estávamos sozinhos, abriu os olhos e acentuou, bem consciente: Diga a Budiño que se portou muito bem, diga-lhe que gosto muito mais dele do que de seu pai. Conto isso porque ele me falou, sei lá, francamente. Tinha alguma coisa contra seu pai?

– Não, imagino que não.

– Sabe de que me estava lembrando outro dia? Daquela vez em Buenos Aires. Juro que ria sozinho. Afinal tive que contá-lo a Nelly. Lembra quando eu disse a frase ao japonês? E quando tive que fugir dos percevejos? Puxa, aquela pensão era imunda...

– Sim, era nojenta, mas tinha uma grande vantagem: eu era jovem.

Alguém põe uma mão sobre o ombro de Soria e este se volta.

– Doutor Estévez, que prazer vê-lo. Quando chegou de Los Angeles?

Mas o doutor Estévez é surdo, então responde:

– Duzentos.

Soria abre tremendamente os olhos, diz a Ramón: “Com licença”, e leva o colega até à varanda, onde o grito não soe desrespeitoso. Ramón senta numa poltrona forrada de plástico listrado e fecha os olhos. Faz um momento que queria estar assim, para poder garantir a si mesmo tranquila e firmemente, como todos os dias, como em todas as horas: “Tenho que matá-lo”. Se o Velho tivesse sido como Ríos. Mas gostou de quem, de quem gosta, de quem gostará? Nem mesmo uma amante estável; se tivesse tido, ele saberia. Ou talvez não? Impossível, o Velho nunca gostou de ninguém. Se tivesse tido uma amante, uma querida estável, isso significaria que ele o conhece mal. Mas infelizmente conhece bem. Ninguém. Só mulheres de presumidos amigos, mulheres de políticos, mulheres de alguém, mulheres para um par de vezes e basta. Não por amor, não por aventura, só pelo prazer de tirar algo de alguém. Ou por outra razão: negócios. Se se pudesse fazer a conta dos contratos que conseguiu na cama. O cornudo é o assinante ideal dos contratos mais vantajosos, dos contratos realmente leoninos; o cornudo nunca tem inconveniente em acrescentar no último momento, pelo sábio conselho de sua querida mulherzinha, uma cláusula que aparentemente beneficia a outra parte, mas que com o tempo vai beneficiar a ele. Às vezes o tempo se prolonga, mas quem podia prevê-lo. O cornudo sempre pensa que é esperto.

– Senhor Budiño.

Abre os olhos e ali está a neta. Levanta-se apressadamente, mas as articulações não respondem como há dez anos.

– Oh, perdão, senhorita. Não sabe como me impressionou o caso de seu avô. Eu só queria dizer isso.

– Obrigada, senhor Budiño, o senhor foi muito amável conosco.

Incrivelmente, a moça parece agora mais madura e ao mesmo tempo mais jovem que antes da viagem. Talvez porque hoje não tem pintura nos lábios.

– Todos os seus conselhos e indicações me foram muito úteis, agradeço de verdade. O vovô aproveitou realmente essa viagem. Hoje fiquei lembrando as coisas que me dizia. Parece-me que é uma maneira de conservá-lo comigo. Uma tarde, em Toledo, na casa de El Greco, estava tão nublado que nada fazia sombra. De repente o Avô me olhou e disse: esta é a casa de um homem que pensava na morte. Outra vez, caminhávamos pelo Bairro Gótico de Barcelona, vínhamos por uma ruazinha estreita, creio que se chamava San Honorato, e de repente desembocamos num grande espaço aberto, creio que a praça San Jaime. O Avô disse: às vezes acontece com a gente algo assim, a gente vem por uma ruazinha estreita e um pouco tortuosa e de repente desemboca-se na morte, esse amplo espaço. Quando fomos a Capri, um argentino lhe aconselhou que visitasse a ilha em outra época, porque em plena temporada ficava inóspita, por causa dos turistas. O Avô disse: O que acontece, senhor, é que essa é minha única temporada. Na Basílica de San Marco, o guia avisou que o piso da igreja descia um centímetro cada dois anos. O Avô sorriu e disse: Meus medos alcançam menos de três milímetros. Em Genebra nos sentamos num banco da ilhazinha Rousseau, a olhar o lago e também a contemplar as pessoas tão asseadas, tão corretas. O Avô disse: É verdade que Genebra é como o paraíso, ainda bem que penso ir para o inferno. Em Paris jantamos num bateau mouche e os refletores iam iluminando os edifícios de valor histórico. O Avô disse: É uma sorte que não haja refletores para iluminar os mortos. Digo-lhe agora todas estas frases juntas, mas não vá acreditar que de sua parte houve uma insistência no tema da morte. De modo algum. O Avô ria, se divertia, gozava realmente com o que estava vendo, desfrutava com uma sinceridade que excluía qualquer dissimulação. Quando regressávamos no navio, poucos dias antes de chegarmos, estávamos sentados uma tarde nas espreguiçadeiras da coberta, e então, com enormes precauções, dosando a notícia, foi me revelando seu segredo. Mas chegou um momento em que não pude aguentar mais e disse a ele que sabia, que sabia desde antes de deixar Montevidéu. E isto sim, que nunca poderei esquecer. Me olhou, pegou na minha mão, beijou-a não sei quantas vezes, enquanto me dizia: Menina, menina, menina. Eu não sei se fiz bem, senhor Budiño. O doutor Soria diz que sim. Eu disse, porque me dei conta de que tinha começado a sofrer, e eu não queria que, além da dor, tivesse que preocupar-se em fingir para mim. Mas juro que nunca senti tanto carinho e tanta piedade por alguém, como quando o vi beijando-me a mão e dizendo: Menina, menina, menina. Perdoe-me, nessa viagem aprendi a ser forte, e sempre me contenho, mas quando me lembro desse único episódio, tenho que chorar porque senão sinto que vou explodir. O senhor pensa que fiz mal em dizer a ele?