A) Situação, ou fato ocorrido: Fiz um empréstimo muito alto a um dos meus assessores para que ele cobrisse custos da última turnê, que deu prejuízo por sua irresponsabilidade e não sei se ele conseguirá me pagar.
B) Pensamento: Vou concordar com o empréstimo porque me sinto responsável em ser solidário, embora o ache um idiota inapto (nesta situação) e exista manipulação, mas ele está acuado, é meu amigo e faria o mesmo por mim.
C) Sentimentos: Raiva, culpa, ressentimento, empatia, responsabilidade, solidariedade.
D) Ações ou reações: Busquei outras soluções, conversar, chegar a um acordo, tentar ganhar tempo — surpresa, choque, embaraço, pena, superioridade, indiferença.
E) Questionamento: É uma questão ética a devolução do dinheiro, uma obrigação moral.
F) Métodos/Metas: Ter assertividade, esperar — não mais ter um relacionamento de trabalho sem uma resposta e um acordo viável.
O maior conflito que vivia na ativa era o de só me sentir bem comigo mesmo quando alcoolizado ou drogado, e, por fim, nem isso mais estava conseguindo. Tudo para mim era dor, solidão e injustiça. Achava o mundo cruel e sem sentido, e as pessoas estúpidas, ignorantes, falsas e más. A autopiedade e a culpa se revezavam com agressividade, intolerância e hostilidade. Parecia fazer tudo por obrigação: me alimentar, dormir (quando não dormia para esquecer, fugir ou por cansaço), me relacionar com as pessoas, trabalhar. Ser feliz era uma obrigação, tentar manter o bom humor, a esperança e a vontade de viver, idem. A droga e o álcool me traziam momentos de euforia e então fazia planos, conversava alegremente com amigos, percebia o meu potencial, aproveitava o resultado do meu trabalho, apreciava ter casa própria com todos os requintes desejados, uma ótima biblioteca, uma sala de som completamente equipada, a geladeira abarrotada de produtos importados, uma sala de vídeo com laser e tudo. Tudo em vão. Não conseguia me sentir plenamente feliz, e isso tudo era fuga. Passei a desconfiar dos meus amigos, e tudo que percebia como falso (ou contra minha vontade ou jeito de ver as coisas) era justificativa para que me isolasse cada vez mais, só procurando as pessoas que realmente me entendiam. Eu era várias pessoas em uma só (usava muitas máscaras) e só com dois amigos continuei a ser quem eu era. O resto não me interessava. Me sentia desprezado e incompreendido. Tinha raiva, culpa, autopiedade e quase nenhuma autoestima verdadeira. Agora, na segunda para a terceira semana de tratamento, está tudo mudado. Tenho me alimentado regularmente, estou dormindo bem, estou me sentindo tranquilo e feliz. Os primeiros dias foram difíceis. Me via cético, ressentido e alheio ao programa. Isso logo mudou. Pouco a pouco estou entrando em contato com meus sentimentos, descobrindo o valor das pequenas coisas, ficando surpreso por conseguir dominar minha impaciência, irritabilidade, raiva e intolerância. Minha autoestima está voltando, assim como meu interesse e carinho por outras pessoas. Entre os aspectos negativos está o meu não conformismo (que é mais forte do que pensava) e a minha necessidade de me sentir especial e diferente (o que devo trabalhar). O mais difícil para mim é praticar o desligamento emocional (me identifico demais às vezes com outras pessoas) e entrar em contato com o Poder Superior. Isso é muito difícil para mim, já que até agora o pessimismo e a desesperança têm sido traços básicos da minha personalidade. Também me irrita ainda tudo que percebo como sendo autoritarismo e/ou arbitrariedade. Ainda não tenho paciência nesse campo. Me isolei nos meus estudos por muito tempo, o que aguçou meu espírito crítico. Sou ainda perfeccionista e exigente (principalmente no campo estético), mas tudo bem. Quem conhece Pasolini e Ernst Lubitsch não vai gostar muito do Domingão do Faustão, por exemplo (acho o programa vulgar, manipulador e “fascistoide”, apelando para instintos baixos e preconceitos — mas agora é até divertido para mim, de tão idiota). Antes fazia questão de me isolar em sofisticação e estéticas “superiores e alternativas”. Agora me vejo aproveitando as coisas simples da vida. Mas não pretendo exagerar, já que prezo muito minha inteligência, sensibilidade e cultura. Primeiro eu, mesmo que eu pareça estar sendo esnobe. Não é nada disso. Qualquer pessoa que comprou um bom sistema 3×1 sabe que é difícil voltar à vitrolinha portátil do passado. O que devo trabalhar é meu incessante fantasiar (preciso definir limites p/ minha imaginação) e minha dependência de pessoas. Desligamento e assertividade, sempre! No mais, espero progredir como ser humano, a cada 24 horas, sempre ciente da minha doença. Isso vai ficar cada vez menos difícil, porque, a partir do programa, minhas principais qualidades estão ressurgindo naturalmente: honestidade, sinceridade, inteligência, sensibilidade, senso prático, coragem, independência e pioneirismo — além, é claro, da minha criatividade. Sempre me achei o máximo, mas agora tenho uma boa razão para isso! Estou voltando a ser eu mesmo!
PS: Devo trabalhar uma tendência que tenho para o orgulho, arrogância e prepotência, definindo limites naturais. E creio que, ao aprender a gostar de mim mesmo, poderei gostar de outras pessoas e não terei os problemas que tive nos meus relacionamentos do passado, ou com minha sexualidade. Terei problemas, é certo, mas nada como na época da minha dependência. Serão os problemas normais, comuns a qualquer pessoa, e não a tragédia grega em Cinemascope que era a minha vida até chegar a Vila Serena. Se conseguir trabalhar meu imediatismo (a vontade de ser sempre o primeiro e ter meus desejos satisfeitos na hora), minha tendência para racionalizar e seguir a Oração da Serenidade e os doze passos, eu chego lá.