TIRAR A FELICIDADE DA CARTOLAKimberly Baltzer-Jaray |
Embora já tenha chorado e jejuado, chorado e rezado, Embora já tenha visto minha cabeça (a calva mais cavada) servida numa travessa,
Não sou profeta – mas isso pouco importa;
Percebi quando titubeou minha grandeza,
E vi o eterno Lacaio a reprimir o riso, tendo nas mãos meu sobretudo.
Enfim, tive medo.
“A CANÇÃO DE AMOR DE J. ALFRED PRUFROCK”, T. S. ELLIOT
No início da história de Breaking Bad, Walter White tem muito em comum com J. Alfred Prufrock. Prufrock é repleto de arrependimentos com relação à sua vida, porque foi sempre indeciso, inarticulado, ansioso e preocupado demais com o julgamento de suas ações pelos outros, a ponto de ficar quase paralisado. O personagem de Elliot vive uma vida bastante inautêntica, na qual ele falhara em definir-se como indivíduo livre.
Walt também tem muitos arrependimentos com relação à sua vida, e parece ser vítima das circunstâncias: é um professor de química de alta formação, mal pago, cuja promissora carreira foi encerrada muito cedo por amigos gananciosos e interesseiros. Trabalha meio período num lava-rápido para dar conta do recado, tem uma esposa autoritária, um filho adolescente deficiente e um bebê a caminho. Para completar, recebe a notícia de que logo morrerá de câncer.
Existencialistas como Albert Camus e Jean-Paul Sartre diriam que Walt, assim como Prufrock, vive profundamente imerso numa coisa chamada má-fé, uma coisa ruim (o que você já deve ter entendido, dada a palavra “má”), na qual alguém adota valores falsos e não vive uma vida racional e verdadeiramente livre. Walt não consegue ver o absurdo de sua situação, que o universo é silencioso, sem propósito e, finalmente, sem sentido.
De acordo com os existencialistas, a vida de Walt não tem autenticidade. Ele falha em assumir sua liberdade e responsabilidade, porque se vê definido completamente por outros. Contudo, existe uma diferença crucial entre Walter White e J. Alfred Prufrock: Walt toma o diagnóstico de câncer como uma chamada para acordar para a vida, para tornar-se um indivíduo livre e definir o que resta de sua trajetória; no caso de Prufrock, terminamos o poema com a impressão de que ele está fadado a viver e morrer com o mesmo modo inautêntico de pensar.
Acredite ou não, quando Walt se transforma em Heisenberg, traficante e produtor de metanfetamina, ele se torna um indivíduo autêntico – a pessoa ideal de que falam Camus e Sartre –, encontrando equilíbrio entre sua autodefinição e o papel que os demais exercem ao moldá-lo. Ele reconhece o absurdo do universo e sua morte inevitável, e toma as rédeas de sua liberdade e da responsabilidade por suas escolhas.
Heisenberg não é um alter ego, mas sim Walt sendo verdadeiro para si mesmo, vivendo em boa-fé. Walt como Heisenberg é como o personagem mítico Sísifo, eternamente empurrando sua rocha montanha acima, preenchido pelo sentimento de rebelião e por uma alegria silenciosa, visto que seu destino e essência pertencem a ele e a mais ninguém. E, como Sísifo, devemos supor que Walt está feliz. Quem diria que a escolha de produzir metanfetamina traria tantos benefícios?
O existencialismo é uma filosofia da terra, mais do que do céu – uma filosofia das ruas, dos homens, nascida sem um deus, sem a necessidade de alcançar uma verdade objetiva e sem um código moral primordial. Ele está na vida diária de todo mundo, não somente na de filósofos profissionais; muitas pessoas praticam ideias centrais para o existencialismo sem nem saber que o fazem. Pode ser descrito melhor como uma filosofia do século XX que foca na existência e em como as pessoas se veem existindo no mundo.
O slogan do existencialismo é “a existência vem antes da essência”. Uma pessoa existe, primeiramente; e, apenas depois disso, pelo livre-arbítrio, por escolhas e responsabilidades próprias, define a si mesma, cria significado para a sua vida e prossegue em busca e descoberta de quem é, até que chega a morte. Tarefa nada fácil, visto que as decisões, em geral, causam consequências e estresse, e as pessoas são totalmente responsáveis por suas ações. Isso é precisamente por que a angústia é outro conceito-chave para os existencialistas: sinto angústia porque nada além do meu livre-arbítrio me faz escolher como agir; sou o único responsável por mim mesmo, e essas ações livres têm consequências para mim e para os que me cercam.
Visto que minha responsabilidade pessoal se estende a outros e que reconheço esse fato, essa não é uma filosofia do “faço o que quiser, quando eu quiser”. Na verdade, pelo fato de não existir nenhum deus lá fora que tenha dado aos humanos regras morais segundo as quais viver, somos todos ainda mais responsáveis por criar essas leis, segundo as quais as pessoas possam viver e interagir umas com as outras em paz e boa-fé. Não existir nada no universo além da dureza de uma realidade, sem propósito nem sentido, não quer dizer que não tentemos dar sentidos, propósitos e moralidades a nossas vidas.
O existencialismo não é um assunto puramente filosófico. Muitos de seus contribuintes escreveram peças, novelas de ficção e contos, portanto, é também um movimento literário, social e cultural, além de parte de um movimento político. O existencialismo nasceu rebelde, o James Dean da filosofia, ou “menino mau de boina preta”, e os temas de subversão e rebelião são características-chave de sua filosofia, seja de natureza política, social, moral ou religiosa.
Ele surgiu no movimento underground de resistência em Paris, durante a Segunda Guerra Mundial, com um grupo chamado Socialismo e Liberdade, cujos membros incluíam Jean-Paul Sartre, Simone de Beauvoir e Albert Camus. Imagine “Mole e La Resistance”, do filme South Park: Maior, melhor e sem cortes, e você tem esse grupo de filósofos e o existencialismo em forma de desenho.
O existencialismo oferecia às pessoas a defesa da liberdade individual durante a época do nazismo e fascismo, e na recuperação posterior. Também criticava fortemente as normas sociais e a religião, e foi uma voz igualmente para homens e mulheres. O existencialismo exerceria, mais tarde, papel fundamental no movimento feminista dos anos 1960, com o infame trabalho de Simone de Beauvoir, O segundo sexo. Os existencialistas acreditavam que quando um indivíduo, uma sociedade ou uma religião impunham suas crenças, valores ou regras para serem seguidas cegamente e sem contestação, era o fim do individual. Para eles, as regras impostas desse modo transformam as pessoas em objetos, em seres presos.
No episódio “Crazy Handful of Nothin’”, da primeira temporada, Walt usa pela primeira vez o nome Heisenberg ao encontrar Tuco; no episódio “A No-Rough-Stuff-Type Deal”, da mesma temporada, Walt usa chapéu porkie preto e óculos escuros ao encontrar o traficante novamente, no ferro-velho. Nasce Heisenberg, como o conhecemos.
Como Heisenberg, Walt é produtor de metanfetamina e executivo, com pouca paciência para erros e sócios drogados – um homem que não tem medo de machucar ou matar alguém para cruzar um obstáculo. Contudo, esse esquema de duas identidades não funciona por muito tempo, e Heisenberg lentamente entra e domina a vida de Walt. Vemos Walt enfrentando a esposa e sendo mais agressivo sexualmente com ela, comunicando-se mais diretamente com a família e amigos sobre seus desejos e sentimentos, confrontando alunos e estranhos que tentam desmerecê-lo e até mesmo usando, às vezes, o chapéu preto em casa. Heisenberg não é um alter ego ou persona noturna – é Walt transformado existencialmente.
Na mitologia grega, Sísifo era um rei que foi punido pelos deuses por traição e húbris, pois achava que era mais esperto que Zeus. Sua punição foi rolar uma rocha grande para o topo de um morro íngreme por toda a eternidade: todo dia ele empurraria a rocha morro acima, mas, antes que pudesse alcançar o topo, a rocha sempre rolaria para baixo, forçando-o a começar de novo. Essa tarefa deveria significar uma eterna frustração para Sísifo: a punição de trabalhar inutilmente, sem esperança nem sentido.
Camus, contudo, enxerga em Sísifo um grande herói e não um homem derrotado. Sísifo foi rebelde ao longo da vida, zombava dos deuses e desafiava a vontade deles. Tinha paixão e amor pela vida, e odiava a morte. Sísifo sabe, a todo momento, enquanto empurra a rocha gigante, que seu destino lhe pertence; ele sabia, quando desafiou os deuses, que seria punido, e, portanto, assume a punição. Sísifo também não daria aos deuses o prazer de vê-lo sofrer ou ser derrotado, então zomba deles, clamando a rocha e dando-lhe significado. Camus imagina Sísifo feliz, sorrindo ao empurrar a rocha morro acima repetidamente, enquanto zomba dos deuses que tentaram torná-lo obediente.
Quando Walt se torna Heisenberg, ele é como Sísifo. Sua rebelião tem uma alegria silenciosa: ele se rebela contra a morte, as leis, as normas sociais e sua esposa exigente, tomando as rédeas de seu destino. Walt, como Sísifo, é um grande herói.
Sei o que você está pensando: como pode felicidade e absurdo conviverem? Para um existencialista como Camus – dono da afirmação acima –, a aproximação faz todo o sentido. O absurdo vive no caos e na irracionalidade do universo, um universo que não é orientado para nossas preocupações – pelo contrário, é indiferente a nossas aspirações e empreitadas. Viradas do destino, estranhos padrões de comportamento e eventos imprevisíveis são vislumbres do absurdo. Isso tudo também serve como prova de que não existe Deus ou um destino maior presente no universo. Também para Sartre, o absurdo está no fato de que não há desígnio divino nem propósito último no universo que dite como humanos devem existir: tudo existe por nenhum motivo, uma existência sem necessidade e sem definição. Existir é simplesmente estar ali.
A maior fonte de absurdo de Camus é a morte, visto que nega quaisquer aspirações e realizações. Ela destrói todo significado que criamos e qualquer importância que atribuímos às coisas; isso significa que todos os desejos, objetivos e realizações humanas são irracionais. Toda pessoa do mundo sabe que vai morrer em algum momento, e, mesmo perante esse fato, continua a viver cada dia, criando sentido às coisas, aspirando e desejando. Para Camus, isso é o absurdo em sua faceta mais clara.
A morte é o grande equalizador; todo mundo, de Charles Manson ao papa, de Bono a Walter White, chegarão ao mesmo fim: o nada. Viver cada dia ao máximo e criar sentido para nós mesmos é uma revolta contra a morte e a extinção que ela traz. Camus soa um pouco como Dylan Thomas em seu famoso poema “Não entre docemente naquela boa noite”, porque ele espera isto do indivíduo: “Clama, clama contra o apagar da luz que finda”.
Então, como esse reconhecimento de se estar condenado à morte relaciona-se com a felicidade? Para Camus, quando você reconhece o absurdo do universo, deve também aceitar seu destino como uma responsabilidade sua, que pertence somente a você. Saber que o universo não tem um deus, não tem significado nem propósito, quer dizer que você está livre para criar um para si mesmo, e pode parar de procurar por algo que não existe. Não ter um mestre no universo significa que você é o mestre de si mesmo. A pessoa que reconhece e aceita o absurdo do universo torna-se como Sísifo, um rebelde feliz com sua própria rocha, dono de seu destino.
Quando Walt se torna Heisenberg, ele aceita todo absurdo dentro e em torno de sua vida (sendo o maior sua morte iminente); ele aceita o diagnóstico de câncer e a realidade de que o tratamento não pode ajudá-lo a longo prazo, e ele sabe que tudo o que faz, até o momento do último suspiro, será extinto assim que ele morrer. Mesmo a escolha do nome Heisenberg como seu apelido no mundo das drogas reflete seu reconhecimento do absurdo do mundo: Werner Heisenberg, físico alemão, concebeu e publicou o princípio da incerteza, que afirma que “quanto mais precisamente a posição é determinada, menos precisamente o momentum é conhecido”. Em outras palavras, quanto mais se sabe sobre uma propriedade física, menos se sabe ou se pode determinar e controlar outra. Isso é tão absurdo quanto inquietante, visto que bagunça toda a nossa compreensão de causalidade e parece minar o sentido de qualquer investigação científica futura. Walt tornou-se produtor de metanfetamina, inicialmente, para poder deixar dinheiro para sua família se sustentar depois que ele morresse, mas logo a história ganhou outro teor. Walt encontrou grande força, orgulho e satisfação no que passou a fazer: tinha poder e controle sobre seu laboratório e produto; era apreciado por suas habilidades e pela produção de alta qualidade; e era recompensado com grandes somas de dinheiro e a alta demanda. Fazer metanfetamina não era como o trabalho ingrato de ensinar química no Ensino Médio, era sempre excitante e intenso. Ser Heisenberg passou a ter menos a ver com ganhar dinheiro e mais com sentir que dominava sua vida cada vez mais curta; uma sensação de controle sobre o que fazia e que direção o fim de sua vida tomava.
A produção de metanfetamina é também uma revolta de Walt contra a vida que vinha levando. Antes do diagnóstico de câncer, Walt era um cara que seguia as regras e fazia tudo o que devia fazer – e mesmo assim acabava sem um tostão, infeliz, entediado e humilhado pelos outros. Heisenberg é o completo oposto do antigo Walt: ele vive segundo regras próprias, faz atividades ilegais com gente perigosa e não tem medo de ameaçar, machucar ou matar outras pessoas para conseguir o que quer.
Ser produtor de metanfetamina e executivo do mundo das drogas foi durante todo o tempo uma batalha rumo ao topo, seja aturando a incompetência de Jesse e seu abuso de drogas ou traficantes como Tuco e Gus; seja estando constantemente perseguido pela polícia e pelo cunhado, Hank, agente do Departamento Antidrogas. Mas com cada obstáculo e desvio que ocorreram, Walt aprendeu, adaptou-se e seguiu na luta. A produção de metanfetamina é uma rebelião, em todos os sentidos da palavra, e devemos imaginar Walt feliz ao continuar a luta, criando mais sentido ao fim de sua vida do que durante todo o restante.
Além de criar mais sentido para o fim de sua vida, Walt está sendo autêntico. A autenticidade é ser verdadeiro consigo, enquanto um ser livre. Para Camus e Sartre, ser autêntico envolve reconhecer e exercitar a liberdade para direcionar sua própria vida por meio de escolhas. Quando você decide livremente ser o que escolher ser, está sendo autêntico.
O existencialismo não é uma filosofia que prega que se faça aquilo que se quer, precisamente pelo fato de que com a liberdade vêm as responsabilidades. Sim, o existencialismo soa muito como uma fala do filme do Homem-Aranha: grandes poderes trazem grandes responsabilidades – e a liberdade é um grande poder. Se você está livre para escolher seu próprio curso de ação, livre para se definir, você também se torna inteiramente responsável pelas consequências dessas escolhas e ações. Você fica inteiramente responsável por si mesmo, em todos os sentidos. Ser livre significa que nenhuma outra pessoa ou coisa determina sua escolha ou ação. A responsabilidade requer tomar as rédeas de suas ações e de seu caráter, visto que ambos são parte da criação de sua própria essência.
No episódio “Breakage”, da segunda temporada, Walt pergunta a Hank sobre Tuco e outros chefes do tráfico: “O que você acha que os faz serem como são?”. Trata-se de uma pergunta existencial sobre a autenticidade. Walt também pede a opinião de Hank sobre o local de onde vem alguém como Tuco. Walt faz essas perguntas para descobrir o que cria um traficante de sucesso, já que ele e Jesse estão tentando sobreviver e ser traficantes de metanfetamina bem-sucedidos. Se Tuco é como os demais traficantes, então esse conhecimento pode ajudar Walt a conhecer a concorrência, seus inimigos. Hank conheceu diversos traficantes como Tuco, e sua experiência é valiosa. Mas Walt parece estar perguntando também porque tem certa inveja de Tuco, da sensação de poder que ele irradia, do medo que ele gera. Como Heisenberg, ele deseja incorporar certas características que vê em caras como Tuco, de modo que possa ter um controle mais efetivo sobre sua operação de tráfico e sobre sua vida pessoal – tornando-se mais autêntico, no sentido em que falam Camus e Sartre.
Gustavo Fring, o distribuidor de metanfetamina para o qual Walt passa a trabalhar depois de Tuco, é também outro personagem muito autêntico, um homem pelo qual Walt tem muito respeito. Gus é o oposto de Tuco: é contido, metódico, autoritário, parece quase indiferente: um legítimo executivo bem-sucedido (além de ter a empreitada no tráfico). Como executivo, Gus não usa o produto que vende, apenas o distribui – posicionamento com o qual Walt se identifica e respeita.
Quando Gus fica desapontado ou irritado, toma decisões rápidas e diz poucas palavras, como quando descobriu que Jesse havia matado Gale Boetticher no episódio “Box Cutter”, da quarta temporada. Gus corta a garganta de Victor, seu fiel escudeiro, com um abridor de envelope, na frente de Jesse e Walt, e sem dizer quase nada; para se expressar, ele conta com linguagem corporal, a ação em si, e a força usada para puxar a cabeça de Victor para trás, mantendo o ferimento tão aberto que o sangue jorra para todo canto. As únicas palavras que diz a Jesse e Walt são: “Bem, voltem ao trabalho”, e sai da sala como se nada tivesse acontecido. Gus escolhe livremente seu curso de ações, o que mostra de modo direto e poderoso que ele é um indivíduo livre, que exercita sua liberdade do modo que julgar necessário.
Ser autêntico não é tarefa fácil e, como Sartre aponta, geralmente as pessoas vivem na chamada má-fé. Má-fé é uma forma de autodecepção, e Sartre usa esse conceito para caracterizar aqueles que não estão dispostos a reconhecer a liberdade que possuem, ou aqueles que não conseguem ser responsáveis por suas ações. A má-fé ocorre quando nunca temos muita certeza de quem somos, sem enxergar que somos seres em constante estado de “vir a ser”. Negar a liberdade é negar que você pode mudar quem é, que seu caráter pode ser modificado. Negar que você é responsável por suas ações passadas é negar que sua existência cria uma essência; é pensar que sua liberdade de agir no futuro justifica o que foi feito previamente.
Há duas formas de má-fé que permeiam nossas relações: dar a outras pessoas a responsabilidade e o crédito para definir nossa essência, e ignorar completamente o impacto que outras pessoas têm em nossa essência. Em outras palavras, se ligo demais para o que os outros pensam, acabo caindo em má-fé; e se não dou a mínima, caio de novo. Escapar da má-fé é como se equilibrar na mais fina das cordas sobre uma cama de espinhos!
Quando conhecemos Walt, ele está vivendo uma vida inautêntica, mergulhado até a cabeça na má-fé. Sua vida parece ditada pela esposa autoritária, Skyler, e pela situação financeira da família. Ele está infeliz e não se sente realizado trabalhando como professor de química do Ensino Médio e como atendente de lava-rápido. Quando recebe a notícia de que tem um câncer não operável no pulmão, sua reação inicial é recusar o tratamento e morrer. Walt parece aprisionado, destinado a viver a mesma vida desagradável, portanto a morte lhe surge como única saída.
Assim que Walt se torna Heisenberg, tudo isso muda. Ele começa a agir livremente e a definir a si mesmo, como no episódio “Crazy Handful of Nothin”, da primeira temporada, em que ele explode o escritório de Tuco com fulminato de mercúrio e o obriga a pagar pela metanfetamina que ele roubara, pelo tratamento dos ferimentos de Jesse e a comprar toda semana um quilo de metanfetamina. Walt também aceita as consequências de cada ação que executa como Heisenberg, como quando ele atropela os dois traficantes de quinta que trabalham para Gus para salvar Jesse, no episódio “Half Measures”, da terceira temporada. Walt sabia que atropelar aqueles homens poderia custar-lhe a vida. Quando mais tarde ele conversou com Gus, encarou a responsabilidade de ter matado dois homens e tentou negociar um curso de ação que beneficiasse a todos.
Vemos novamente a autenticidade de Walt no episódio “No Más”, da terceira temporada, quando ele conta a Skyler a verdade sobre a produção de metanfetamina, sabendo que ela poderia entregá-lo à polícia ou tomar-lhe os filhos. Ao contar, ele tomou para si a responsabilidade pelo seu comportamento e mentiras, e não deixou que as reações dela dominassem seus próprios sentimentos. No episódio “Full Measure”, da terceira temporada, Walt manda Jesse matar Gale, seu parceiro de laboratório, e também assume a responsabilidade por essa atitude.
Sendo autêntico, Walt também está tentando escapar de sua má-fé. Antes de tornar-se Heisenberg, ele deixava que outras pessoas definissem sua personalidade, e, por não agir livremente, não conseguia assumir a responsabilidade por sua vida. Após tornar-se Heisenberg, Walt tenta encontrar o equilíbrio entre o que seus amigos e sua família pensam e o que ele quer.
Às vezes, Walt tende a considerar seus desejos mais prioritários do que os de qualquer um, passando seus relacionamentos para o outro polo da má-fé – como quando ele quer voltar para casa e voltar a morar com a família, sem se importar com o desejo de Syler (“I.F.T.”, terceira temporada). Ele simplesmente volta para casa, sem se incomodar com o que ela queria ou dizia e com o fato de ela estar dormindo com o chefe dela, Ted. Ocasionalmente, Walt tentou forçar Jesse a fazer coisas que ele não queria, como cuidar do roubo de metanfetamina de Skinny Pete, ou dar cabo de Gale. Mas, no geral, Walt fez uma transição imensa ao tornar-se Heisenberg, e essas mudanças são perceptíveis em todas as faces de sua vida. Heisenberg não é um alter ego: é Walt sendo um grande e autêntico herói. Walt assume sua rocha, escala morro acima e define a própria vida.
Quando Walt se tornou Heisenberg e vestiu o chapéu pork pie, ele iniciou uma revolução em sua vida. Walt começou a criar a própria essência para tornar-se uma pessoa autêntica. Ele se transforma em um grande herói quando começa a produzir metanfetamina e assume o nome Heisenberg: sabendo que tem câncer de pulmão e que seus dias estão contados, Walt recria-se como uma fênix a partir das cinzas e segue com sua rebelião contra a morte, as normas sociais e sua antiga vida.
Assim como Sísifo e sua rocha, Walt tem uma alegria silenciosa porque, dentro de sua revolta, ele assume seu destino e sua essência. E assim como Sísifo, devemos imaginar Walt feliz... Com chapéu pork pie preto e óculos escuros, é claro.