6. Decifrando a fala
O caçador teria sido o primeiro a 'narrar uma história'porque era o único capaz de ler, naspistas mudas (se não imperceptíveis) deixadas pela presa, uma série coerente de eventos. 'Decifrar' ou 'ler' as pistas dos animais são metáforas. Sentimo-nos tentados a tomá-las aopé da letra, como a condensação verbal de umprocesso histórico que levou, num espaço de tempo talvez longuíssimo, a invenção da escrita.
Ginzburg (1990:152)
Como explicar, ao longo de anos, o alheamento que percorreu todas as estruturas de poder do Banco, incluindo os órgãos técnicos diretamente responsáveis pela vigilância desse tipo de problema, apesar de sua crescente freqüência?
Admita-se, como faz um dos depoentes, não sem uma ponta de dúvida, de que se trate de uma 'ignorância' real, sem dar a essa palavra qualquer sentido pejorativo, simples desconhecimento de diretores, gerentes e administradores sobre o que estava acontecendo com a saúde dos seus subordinados. Presume-se que esse desconhecimento não se inscreva, de hábito, nos anais das empresas que construíram, sabe-se, sistemas de controle e informação bastante eficazes. Se assim é, nenhum desconhecimento ou desinformação é inocente, faz parte de uma política.
O desconhecimento tem, porém, nos diversos níveis hierárquicos, conteúdos e nuanças diferentes. Os diretores seriam menos 'informados' e sentem-se menos responsáveis, porque distanciados do local onde os que realizam o trabalho mais manual — os trabalhadores de nível hierárquico mais baixo - adoecem. Conseqüentemente, ignoram a ocorrência dos fatos cotidianos, fora de sua alçada e de seu olhar. Para eles, trabalhadores adoecidos ou não, é uma abstração. Ouvem, cada vez com mais freqüência, falar de LER, mas essa doença é ainda mais abstrata. Podem argumentar, não sem uma pitada de razão, que a administração central está voltada para o cumprimento de outras funções, mais diretamente ligadas às missões e objetivos do Banco.
Somente a partir do momento em que há o comprometimento da capacidade de trabalho de um contingente crescente da força de trabalho, ameaçando metas e objetivos e aumentando despesas, é que as LER passam à ordem do dia da diretoria. É aí já se foram anos. É sob a ótica da força de trabalho, principalmente, que são vistos os empregados dessa ou de qualquer outra empresa.
Faz sentido, pois há percepção dos adoecidos sobre 'a falta de tratamento humano' dispensado pela diretoria do Banco. O desconhecimento sobre os sentimentos das pessoas subordinadas, o trato e distrato das suas necessidades e problemas fazem parte da desumanização das relações de trabalho, marcadas pela verticalidade e impessoalidade.
Para os adoecidos, no entanto, os diretores não são culpados por seu adoecimento, mas por não resolverem o problema das LER e as necessidades que engendram. O beneplácito da desinformação lhes é concedido, mas não o da omissão.
O comportamento da diretoria em relação a essa doença se reproduz no nível das macrogerências ou diretorias regionais, apesar de sua maior proximidade com os locais onde o trabalho manual se realiza em maior escala. Mas as informações que lhes chegam são fragmentadas, restritas à sua área, e seu poder de intervenção é menor. A circunstância de constituírem um poder intermediário, pouco visível, as tornam mais protegidas da acusação de responsáveis ou co-responsáveis.
Tal proteção não têm as gerências, administrações e chefias locais. De todos os escalões hierárquicos superiores, são os de menor poder, mas onde o mesmo se exerce sem disfarce. Sabem, razoavelmente, o que ocorre com os seus subordinados e com a saúde deles, mas ao contrário, ignoram o que está fora do seu campo visual, com relação aos subordinados dos outros. São os mais expostos, os mais visíveis e, simultaneamente, os que têm maior obrigação e oportunidade de ver, enxergar o cotidiano. Se não o fazem é por estarem despreparados ou simplesmente por não querer.
Como afirma um depoente, são dois os casos em sua agência, raros portanto. Desse modo, ele e o outro adoecido são considerados 'estranhos'. Se os casos são raros em cada local de trabalho, a presunção é que o número de casos no conjunto dos locais seja insignificante, estranho ou exótico. Prevalece a impressão local.
O silêncio da administração superior sobre a verdadeira dimensão do problema LER corrobora para essa percepção fragmentada e equívoca das administrações locais. Essas não vêm esse modo de adoecimento - novo para elas — como decorrência do trabalho, apesar de haver se tornado, progressivamente, um grave problema de saúde dos trabalhadores de sua unidade e do Banco. Ao não compreender sua magnitude, administra-o, ou tenta, individualizando-o como caso e coisa fortuitos.
E o fazem como costumam fazer com outros casos e coisas, ou seja, de várias maneiras, a mais comum duvidando do subordinado queixoso que apresenta queda de produtividade e se ausenta, alegando estar adoecido de uma doença que negava e ocultava. O caminho mais fácil é responsabilizar o próprio subordinado, vendo no ato de adoecer uma forma disfarçada de insubordinação. É um modo de invalidar suas queixas, problemas e necessidades e, com isso, precaver-se do aparecimento de outros casos e queixas semelhantes.
Não é difícil invalidar pessoas que têm sofrimentos, sempre solitários e que lidam com medos, ameaças e perdas concretas; mais fácil ainda se é mulher, indo da insinuação pouco sutil de estar ou ser nervosa', ao xingamento escrachado de 'estar louca'. As LER são manifestações ditas psicológicas, insinuando-se uma debilidade psíquica intrínseca do adoecido e sua autoculpabilidade. Como os adoecidos, em sua maioria, são mulheres, as LER passam a ser um atributo feminino, 'coisas de mulher', expressão carregada de preconceito que mal disfarça a estratégia de inibir a revelação da doença por parte dos homens adoecidos. A prevalência maior de LER no gênero feminino é, sem dúvida, um fato atordoante, mas talvez fosse menor se não houvessem esses juízos depreciativos ao gênero dos que mais adoecem e aos já adoecidos.
Neste ponto, vale indagar o seguinte: qual empresa que funcionasse em um único local de trabalho suportaria que 5% dos seus trabalhadores diretamente ligados à produção estivessem adoecidos e 2,6% afastados por uma mesma doença do trabalho, sem tomar conhecimento e providências compatíveis com a gravidade da situação e sem originar protestos e resistências dos trabalhadores e de suas entidades.
A dispersão dos trabalhadores por 1.700 dependências, entre elas 600 agências, favorece o ocultamento do que está ocorrendo em cada uma. A produção de informações que não sejam aquelas relacionadas aos objetivos específicos da empresa é precária e seu tratamento pior.
O órgão que deveria processá-los — a Divisão de Saúde Ocupacional e Relações do Trabalho (DSORT), que assume as atribuições do Serviço Especializado em Engenharia de Segurança e Medicina do Trabalho (SESMT) que a legislação obriga -, tem sido incapaz de formular políticas e ações compatíveis com a gravidade da situação, corroborando a tese de que a desinformação não é inocente, mas parte de uma política. O que parece ter exposta essa não inocência e essa política foi o descontrole da situação, pondo em risco a produtividade do Banco.
Pelos depoimentos, a negação da doença e as práticas discriminatórias não se restringem aos administradores locais. Caixas, escriturários e chefias menores, quando sadios, têm comportamento parecido. A negação e o preconceito envolveriam, também, os companheiros que realizam o mesmo trabalho, sujeitos a igual adoecimento.
Os acidentes de trabalho típicos geram conhecido sentimento de horror e freqüentes, embora passageiras, manifestações coletivas de revolta contra violência tão explícita. No entanto, a tese da culpa do acidentado pelo próprio acidente se sustentou por várias décadas no País, alicerçada na teoria tão cínica quanto perversa de que a maioria tinha como causa o 'ato inseguro' praticado pelo trabalhador. Técnicos e tecnocratas patronais a difundiram largamente nos Congressos Nacionais de Prevenção de Acidentes (CONPAT), nas Semanas Internas de Prevenção de Acidentes (SIPAT), nos cursos de engenharia de segurança e medicina do trabalho e nos de formação de agentes das Comissões Internas de Prevenção de Acidentes (CIPAS). Resíduos dessa teoria e desses discursos ainda impregnam a consciência dos trabalhadores, introjetados por maciça propaganda. Foi, porém, impossível negar o número crescente de intoxicações por vapores e gases de chumbo, dissulfeto de carbono, benzeno e mercúrio, de pneumopatias provocadas por poeiras e de surdez devido ao ruído, em decorrência dos processos industriais, evidências físicas e químicas objetivas das condições e ambientes de trabalho; mas a mensuração de agentes patogênicos nos locais de trabalho e sua comparação com os discutidos e discutíveis níveis de tolerância da legislação, no entanto, são legalmente aceitos para a caracterização da insalubridade e risco do ambiente e a responsabilização, quando muito reparadora, da empresa e do empregador. Ainda assim, tem sido muito difícil, mesmo para as categorias de trabalhadores mais organizadas, sujeitas a tais agravos, elaborarem, além de denúncias e protestos, políticas e ações sistemáticas capazes de obrigar o patronato a alterar processos de produção com vistas à, prevenção de acidentes e doenças tipificados como do trabalho.
As LER padecem dessa materialidade e possibilidade física de mensuração. Uma portaria ministerial de 1987 e uma norma técnica do INSS, de 1992, admitem-nas como doença do trabalho e identificam os movimentos repetitivos como causa principal e mais próxima. Esse nexo de causalidade é evidenciado pelo número de casos em determinadas atividades e funções.111
As LER, nos Bancos, são doenças do trabalho prevalentemente de escriturários/ caixas e funções correlatas, não de administradores, gerentes e diretores. A ocorrência de LER nos locais de trabalho onde aqueles exercem suas atividades é, ou era, tida como rara, singular, estranha. Por isso os trabalhadores sadios, embora sujeitos ao mesmo adoecimento, também as negavam e ainda o fazem. O que virá convencê-los é a perda dessa percepção inocente sobre a singularidade dos casos, o conhecimento da sua pluralidade real, indesejável e ameaçadora.
Afinal, ninguém quer adoecer. É sempre doloroso e prenuncia o que menos se deseja e, por isso, o que se quer menos lembrado, a morte. Não é isso o que temem os adoecidos de LER, embora o sofrimento físico e psíquico possa, ocasionalmente, aumentar esse desejo indesejado. O que efetivamente temem é a morte social, expressa pela incapacidade de trabalhar em uma sociedade que fez do trabalho um fetiche.112
Trabalhar é uma virtude, não trabalhar, uma ignomínia. Mas antes do envoltório moral ou religioso, trabalhar é uma necessidade concreta. Todos precisam trabalhar para sustentar a si e aos seus. Estar destituído dessa capacidade, ainda que involuntariamente, implica sanções e conseqüências. E é tão forte esse sentimento de dever que os que estão incapacitados sentem-se culpados, perdem a auto-estima e se ressentem com as incriminações veladas e mais ainda com as explícitas.
A doença é perturbadora não só para os adoecidos, mas para os que não estão ou não declaram o adoecimento. Temem adoecer e se ressentem objetivamente da ausência do companheiro de trabalho, com razão. Além disso, o trabalho bancário não é distribuído uniformemente pelos dias do mês. Há dias mais corridos e dias mais calmos. Obviamente, as empresas bancárias estabelecem seus critérios de contratação e locação de pessoal, com base na massa de trabalho necessário nos dias calmos. Nos dias de 'pico' são exigidos dos assalariados mais trabalho e produtividade. Essa assincronia de exigências torna-se crítica quando, uma vez que seja, um trabalhador falta em dia mais sobrecarregado.
Há tolerância e compreensão dos trabalhadores quando a ausência do companheiro lhes parece justa. No caso de um acidente grave, de uma doença convencionalmente aceita, ou de situações como gravidez e parto, socialmente referendadas. Essa compreensão diminui ou desaparece ante uma nova situação que os desfavoreça. E se essas ausências passam a ser freqüentes ou o afastamento do trabalho é prolongado, as incriminações veladas se fazem recriminações explícitas.
Esse comportamento dos trabalhadores sãos do BANESPA, que pelos depoimentos parece freqüente, é percebido e registrado pelos adoecidos como acusação despropositada, discriminatória; mas ele tem vários conteúdos e sentimentos que o faz diferente do comportamento aparentemente igual dos administradores. Trabalhadores adoecidos e não adoecidos, mas sujeitos a ter LER, são frações da categoria de trabalhadores situadas na hierarquia inferior e exercem funções e tarefas iguais ou assemelhadas. O que as diferencia, momentaneamente, é a presença revelada da doença em uns e não em outros, a maioria; e se têm comportamentos diferentes é por causa dessa nova contingência. Deve-se, portanto, supor que os adoecidos, quando sãos, tivessem o mesmo comportamento dos que hoje se sentem sobrecarregados por suas ausências. Esses, há bem pouco, se identificavam com aqueles como companheiros e até como 'uma família'. Porém, os não adoecidos não se tornaram moralmente piores e menos solidários, nem os adoecidos, com a aura indesejável de sua doença, se fizeram mais ou menos virtuosos. São todos trabalhadores, pessoas vivendo suas necessidades, conflitos e subjetividades. A 'estranheza' recíproca que as LER trouxe é uma situação nova e constrangedora. O adoecido, que se via nos outros e com os quais se identificava, posto que era neles que via a si próprio, por meio de manifestações de afeto, solidariedade e elogios, senteos diferentes, afastados, recriminadores. Os sadios, que se identificavam com os adoecidos quando sãos, os percebem diferentes, trabalhando pouco ou mal e se comportando socialmente de maneira 'estranha'.
Essa estranheza recíproca não sé estabelece de imediato, pois medeia um espaço de tempo razoável entre os primeiros sintomas das LER e o autoconhecimento do adoecimento, tempo em que ele é negado e ocultado, apesar da dor, por temor das conseqüências. A tristeza e a irritabilidade, sinais premonitórios que acompanham a perda da capacidade de trabalho, são vistas externa e socialmente como vontade deliberada de não trabalhar. Quando a doença se faz pública, com o afastamento por determinação médica, um longo caminho introspectivo de sofrimento foi percorrido e já ocorreu o distanciamento afetivo dos companheiros de trabalho, desestruturando suas relações. Para piorá-las, o adoecido sente-se mais doente do que se reconhece e declara. A negação da doença pelos outros é também sua, reforçada pela dubiedade médica.
Nesse ponto o sofrimento físico foi exacerbado pelo sofrimento psíquico, dificultando ainda mais a inserção social na empresa, junto aos amigos e familiares. O desespero é visível aos outros, mas falta a esses a subjetividade física da dor e do sentimento das múltiplas perdas de quem adoece; e o olhar leigo, habituado a surpreender os sinais exteriores de outros adoecimentos, não logra perceber as marcas interiores e profundas das LER, até porque a ambigüidade desse padecimento inquietante estabelece, por um tempo razoavelmente longo, uma cumplicidade na negação da doença entre os circunstantes e o adoecido. O que vai expô-lo e torná-lo objetivo é a incapacidade subjetiva de o adoecido 'fazer o que fazia antes', os limites que a dor impõe, mas não o sofrimento psíquico que a incapacidade provoca. Esses novos limites, definidos pela dor, o adoecido não aceita tranqüilamente, recusandose a negociar consigo próprio e tornando mais difícil a negociação com os outros.
Nos casos graves, essa subjetividade carregada de pessimismo com relação aos seus limites, à cura e à reintegração no trabalho é reforçada pela empresa e seus prepostos, perplexos com uma doença em que a assistência médica tem sido uma abordagem tardia, restrita e freqüentemente mal-sucedida.
A terapêutica está voltada para a dor, via medicamentos, e para o uso de recursos fisioterápicos flagrantemente aleatório. O repouso, fundamental para o tratamento, por interromper a continuidade traumática do trabalho e esfriar o processo inflamatório, nem sempre é respeitado.
Há recalcitrância da empresa, da previdência social e até do adoecido que, por razões diversas, resiste ao afastamento e quer o retorno mais breve ao trabalho. Os médicos, por sua vez, não insistem tanto nesse ponto, particularmente se as resistências são grandes e institucionais. Justificam o 'lavar de mãos' com a legislação previdenciária, cujo conteúdo concede enorme poder discricionário aos peritos do INSS.
O afastamento do trabalho por tempo inferior a 15 dias é, por lei, de competência do empregador. Acima desse tempo é de competência do INSS, junto com a obrigação do pagamento do salário do afastado. Essa é uma situação indesejada pelo adoecido e da qual se vale a administração para evitar afastamentos prolongados, concedendo, com certa freqüência, como benesse, vários afastamentos sucessivos, mas inferiores ao prazo fatídico de 15 dias.
Em qualquer dessas circunstâncias, o laudo do médico que assiste o doente é a peça mais importante e desencadeadora de todo o processo de reconhecimento legal da doença; se ele o documenta bem, as coisas são mais fáceis, mas não necessariamente resolvidas. Infelizmente não são muito freqüentes os laudos médicos circunstanciados. O hábito é fornecer um atestado, quando muito consignando à lesão, raramente atribuindo-a, nesse documento, ao trabalho. O nexo causai ou deixa de ser feito ou é transferido para outras instâncias: aos serviços próprios da empresa (DSORT, CABESP) OU aos serviços estatais de saúde do trabalhador, que são poucos, para não dizer raros. Se o nexo causai não é estabelecido ou não é aceito, a doença é descaracterizada como do trabalho e o adoecido de LER perde os parcos 'benefícios' dessa situação particular, diminuídos bem recentemente, ou seja, a equiparação com os acidentes do trabalho e a possibilidade de receber o auxílio acidentário vitalício, a contagem de tempo de serviço para a aposentadoria pela previdência e a estabilidade precária de um ano no emprego.
O fato de o reconhecimento das LER como doença do trabalho no Brasil ser recente, só em parte justifica a recalcitrância da empresa em emitir a Comunicação do Acidente de Trabalho (CAT), documento indispensável para sua caracterização, recalcitrância que encontra eco, por motivos diferentes e bastante óbvios, nos peritos do INSS, orientados para duvidar sempre do vínculo de qualquer doença com o trabalho, resistindo ao laudo do médico que assiste o doente com LER, invocando, às vezes com razão, a fragilidade ou inconsistência das provas e, despropositadamente, cobrando exames complementares.
Os médicos, os de origem brasileira ainda mais, costumam ser muito econômicos nas revelações que fazem sobre a doença, mesmo para com os maiores interessados, os doentes. Alegam, equivocadamente, a necessidade ética do sigilo profissional. Há muitos anos essa prática confusa, omissa, às vezes defendida com arrogância, serve para que as empresas e o INSS descaracterizem as relações dessa e de outras doenças com o trabalho, alimentando reservas e preconceitos. Em várias dessas situações, os afastamentos autorizados ou não pela perícia médica foram realizados sem o reconhecimento dessa relação, penalizando os adoecidos em seus direitos e prerrogativas.
Colhido nessa rede de resistência e comportamentos técnico-burocráticos e vivendo seu sofrimento e incapacidade de fazer e trabalhar, que parecem insolúveis dentro dessas lógicas e desse sistema reparador de baixa eficácia, até no aspecto estritamente médico, não é de se estranhar o pessimismo dos adoecidos de LER, nem injusto o tom acusatório de suas queixas, principalmente quanto aos médicos, independentemente de serem assalariados da empresa, do INSS ou autônomos credenciados por sua caixa beneficente. Se as críticas são suavizadas quanto aos últimos, cujos cuidados são ministrados em consultórios e serviços privados, respeitando o estatuto social a que estão acostumados, se fazem ácidas com respeito ao INSS, cuja clientela, acomodações e formas de atendimento são outras e onde se sentem potencialmente maltratados. Nesse sentido, os relatos são minuciosos e repetidos e não podem ser atribuídos a preconceitos e exigências descabidos de conforto ditadas por sua condição de bancários.
O comportamento técnico-burocrático dos peritos do INSS, inclinados a negar benefícios, torna-os indispostos a ouvir e perceber o sofrimento psíquico dos adoecidos de LER, incapacitados de fazer e trabalhar e desejosos, embora preocupados, em retornar à sua cotidianidade anterior, sofrendo com suas limitações, dificuldade de realocação e medo de desemprego.
A percepção individual dos adoecidos sobre as práticas de médicos e técnicos da empresa, do INSS e dos credenciados, por sua caixa beneficente, deixa entrever as políticas próprias e socialmente impróprias dessas instituições, e mais que isso, as fragilidades do modelo médico-assistencial vigente, medicalizador, com terapias de duvidosa eficácia e intervenções cirúrgicas inclusive, às vezes desnecessárias e até desastradas. Não é de admirar que os adoecidos com LER recorram, com desusada freqüência, a tratamentos pouco convencionais, quando não francamente alternativos.
A negação da doença pelos médicos, ainda bastante forte, e da sua relação com o trabalho, ao mesmo tempo que servem para reforçar a discriminação e o preconceito por parte da empresa, do INSS e dos trabalhadores sujeitos e não adoecidos, fortalecem a crença e o discurso construídos sobre as LER, de que se trata de 'uma doença psicológica', subalterna ao modo de ser do adoecido e, portanto, de sua exclusiva culpa. O senso mais ou menos comum dentro da empresa é de que as LER são de pessoas psicologicamente fracas, fora da realidade, 'loucas'.
Alguns médicos, mais afoitos, falam de uma predisposição psíquica, biológica ou genética. Ora, a elaboração dessa crença e a construção desse discurso invalidante, aparentemente científico, que os trabalhadores não adoecidos acabam incorporando à sua maneira e alimentam suas práticas discriminatórias, têm como conseqüências mais imediatas a de responsabilizar o trabalhador pelo próprio adoecimento e enfraquecer a tese da determinação do trabalho com relação às LER. A teoria gestada não mais seria do 'ato inseguro', mas a de haver um tipo, caráter ou personalidade fraca ou insegura dos trabalhadores que adoecem, teoria tão ou mais perversa que a anterior.
A resistência do INSS, implícita nas práticas de técnicos seus da Perícia e do CRP, resulta dessas crenças e de discursos preconceituosos. Hegemônicas, correm no sentido da negação da doença, da causalidade do trabalho e de sua determinação social, descambando para acusações frontais de farsa ou fraude, cuja intenção seria a percepção de 'benefícios' previdenciários indevidos ou o simples desejo de não trabalhar.
São condutas que abalaram profundamente a confiança dos adoecidos nos que exercem a medicina. Embora façam distinção entre profissionais da empresa, profissionais do INSS e profissionais liberais ou autônomos, perceberam que as práticas são parecidas, em que a reticência, a mais presente, é interpretada como desconhecimento, incompetência ou má vontade. Apesar de realizadas em diferentes instituições, as políticas são semelhantes porque os pressupostos teóricos e ideológicos são os mesmos e pelo fato de que os médicos lidam mal com a relação trabalho-doença. Seria preciso outro nível de envolvimento que habitualmente não têm, e provavelmente a maioria não quer, em decorrência de sua origem, identidade social e envolvimento ideológico e político.
O processo de negação da doença e de invalidação do doente é um só, mas difuso, se externando em múltiplas e simultâneas pressões, de conteúdos parecidos, todos de dominação, exercidas por vários sujeitos. As mais próximas e verticais são as das chefias imediatas, mas há, também, as pressões laterais dos colegas não adoecidos. As dos órgãos técnicos da empresa que cuidam da assistência médica — Caixa Beneficente dos funcionários do Banco do Estado de São Paulo (CABESP) - e do controle e realocação dos adoecidos (DSORT) são de outra natureza, premidos pela exigências muito óbvias de recuperar a produtividade dos adoecidos, evitar afastamentos prolongados e despesas. Há, também, como se viu, pressões externas e bastante explícitas da previdência social. E há, também, a dos familiares, menos reveladas nas falas dos adoecidos, que afloram nas próprias queixas e auto-recriminações por não poder cuidar das atividades de casa, dos seus e até de si mesmo.
Não se entenda esse processo de negação do adoecimento e de invalidação, porém, como uma conspiração. As LER, já se disse, são emblemáticas, expressão perversa, esdrúxula só na aparência, do conflito entre o capital e o trabalho, transposto para as relações sociais e para o campo das relações trabalho-saúde-doença.
A conclusão de que as LER, que aliás não ocorrem apenas nessa específica empresa e no setor bancário, têm essa dimensão social maior e se subordina à etapa atual do desenvolvimento capitalista, em que a aceleração da incorporação da automação e da informática cumprem um papel importante, pode levar à suposição errônea e paralisadora de que não há nada a fazer especificamente; ou se há, essas intervenções devem ter caráter pontual e técnico que tangem à engenharia, à ergonomia e à medicina do trabalho ou assistencial.
Historicamente, as intervenções técnicas têm sido de alta eficácia na prevenção e controle de diversas doenças infecto-contagiosas e epidêmicas, sem que, necessariamente, as bases materiais e as desigualdades sociais sobre as quais elas foram produzidas sejam alteradas. A febre amarela, a varíola, a peste e mais recentemente, a poliomielite, foram virtualmente erradicadas do País, graças às tecnologias em saúde. É provável que com a AIDS venha a ocorrer o mesmo. A gastroenterocolite, ainda responsável pela elevada morbi-mortalidade infantil no País, e a cólera, estão aí, na dependência da expansão e tratamento da rede de água e esgoto, ou seja, podem ser controlados por tecnologias conhecidas, de reconhecida eficácia que nada têm a ver, no caso, com tecnologias médicas.
A questão das LER, uma doença sem desfecho fatal, é bastante complexa, porque a causalidade interna do trabalho é menos precisa e sua determinação externa, mais abstrata. Melhorias ergonômicas e do ambiente físico do trabalho, do desenho e manejo dos equipamentos podem resultar em efeitos contraditórios, por exemplo, na aceleração do ritmo e da intensidade do trabalho. É preciso sempre lembrar que foi a incorporação acelerada da automação — que reduz globalmente, sem dúvida, o volume do trabalho manual, mas eleva individualmente sua intensidade — que fez surgir as LER com a dimensão que têm hoje. Ou seja, melhorias dessa ordem aumentaram a produtividade, provocaram perdas maciças de emprego e queda do valor do trabalho. Essas são causas de adoecimento que não devem ser esquecidos. Sem desmerecer as intervenções de caráter técnico que devem ser cobradas e negociadas, a preocupação maior deve ser com outro tipo de medidas e ações mais abrangentes, algumas das quais dizem respeito aos trabalhadores como classe social, começando pelos acometidos de LER.
A elaboração de uma nova subjetividade passa, obrigatoriamente, pela tomada de consciência do problema LER, enquanto questão coletiva e social. As perdas e os novos limites impostos pela incapacidade parcial, definitiva ou não, precisam ser incorporadas como dados da realidade. Se a necessidade de trabalhar é concreta, nem por isso devem persistir sentimentos de culpa pela redução da capacidade de exercer as atividades iguais e com igual ritmo, exigências do fetichismo do trabalho, do seu conteúdo ideológico de moralidade e religiosidade. A perda dessa 'inocência' é imprescindível e se dá com o conhecimento e a reflexão.
Sem questionar a preocupação com o autoconhecimento que terapeutas oficiais - psiquiatras, psicanalistas, psicólogos etc. - podem propiciar, ou a eficácia das terapias ocupacionais ou do simples exercício da fé, a referência diz respeito a outro gênero de conhecimento que permite uma aproximação maior e coletiva com a realidade concreta, em que a intersubjetividade e o fazer político são fundamentais.
Parece que passos nesse sentido foram e estão sendo dados pelos adoecidos bancários de LER, como alguns depoimentos revelam. A permuta de experiências nas ante-salas de serviços de fisioterapia, consultórios e corredores do INSS, cada vez mais assídua, até pelo elevado e crescente número de ocorrências de LER, não se detém na narração quase compulsiva de suas histórias e pela necessidade incontida de se fazerem ouvir. Os depoimentos sob análise, as histórias em suas coincidências e repetições, tornam evidentes a precariedade das soluções individuais, mesmo se consideradas as mais simples, de caráter iminentemente reparador, asseguradas em lei, como são a assistência médica, previdenciária, trabalhista e para a readaptação no trabalho.
A constatação da fragilidade das saídas individuais, no entanto, não é suficiente por si mesmo, para gerar uma consciência e soluções coletivas. Isso demanda uma ruptura mais profunda e a existência concomitante de agentes catalisadores mobilizados pela afluência e dimensão da questão, tornada problema social e de saúde pública.
Os Encontros dos trabalhadores do BANESPA adoecidos de LER, longamente amadurecidos, parecem indicar o momento exato da inflexão do que era até então e tão-somente uma doença individual cuidada por médicos e técnico-burocratas do Banco, para o de uma doença do trabalho e social, uma questão de natureza pública, cujo encaminhamento e soluções demandam políticas e ações de outro tipo, graças à consciência crescente e à ação organizada dos próprios trabalhadores. Os depoimentos obtidos e aqui analisados atestam esse processo lento, difícil, mas em curso.
Esse movimento coletivo não vai apagar as cicatrizes deixadas pelas LER enquanto doença individual, nem restaurar a integridade da capacidade de trabalho parcial ou definitivamente perdida por muitos. Ao menos nesse último aspecto e na medida do possível, essa atribuição continua reservada à ciência médica e aos seus práticos. Mas a construção coletiva desse processo de intervenção tem, também, alguma eficácia terapêutica, fazendo-os enfrentar a adversidade sem o sentimento de impotência que transparece muitas vezes nos depoimentos.
São a consciência e as ações coletivas que vêm mudando a qualidade dos cuidados e rompendo com a omissão e resistências institucionais e instituídas. Não necessariamente irão ao encontro de demandas individuais, mas poderão apressar sua satisfação e, certamente, contribuir para a passagem da subjetividade fatalista, ainda fortemente presente, para outra subjetividade, de caráter assumidamente interativa, capaz de fortalecer práticas coletivas eficazes.
Até onde esses depoimentos permitem a afluência da realidade que pretendem descrever, ainda que fragmentariamente, e a análise construída sobre eles tem o cientismo que os valide e a si? Até onde se resguardam da crítica de que representam simples opiniões dos depoentes, como trabalhadores sujeitos, vozes sufocadas, despidas, por isso mesmo, de qualquer valor sobre o que narram e interpretam?
De antemão, em nenhum instante essa análise e os depoimentos que se seguem, decorrentes de um movimento social que continua, pretendem ser a realidade ou seu retrato. A realidade social é extraordinariamente dinâmica e mutável e não pode ser recuperada de maneira tão simples.113
Os testemunhos foram espontâneos e assumidos. Narram experiências humanas para que outros as conheçam e tirem delas o proveito possível. O valor que se lhes dê vai depender dos que tomarem conhecimento e refletirem sobre o descrito. São manifestações individuais, quase desabafos, olhares que se interpretados em seu conjunto ganham em significado.
Quando juizes togados ouvem as partes e testemunhas, analisam as provas dos autos — estas também descritas e transcritas — e sentenciam, louvam-se da palavra. As ditas 'provas materiais' são inexistentes ou, invariavelmente, poucas. Mesmo a reconstituição de um crime faz-se em narrativa que pretende revelar as coerências e contradições anteriormente descritas pelas testemunhas, mas que não reproduz o acontecido. O passado é sempre passado e, no máximo, incorporado à lembrança ou à história.
O que faz um bom e respeitável magistrado é sua capacidade de arbitrar, de ajuizar sobre o plausível, usar o bom senso, mas sobretudo acuidade, para se aproximar da verdade. O que mais o habilita a fazer o que lhe é socialmente atribuído é essa capacidade de aproximação do acontecido ou do que está acontecendo, de discernir, de ver o não visível aos outros, que lhe permite construir uma representação socialmente válida. Do contrário não será um bom juiz.
Ao longo de sua carreira, o magistrado pode e deve construir um saber sobre os seus julgados. Se for sensato, saberá que em muitos errou. Será a reflexão criteriosa sobre acertos e erros que o fará mais experiente e capaz de aproximar-se mais da verdade, até porque a percepção e o significado do certo e do errado, do justo ou injusto, é um juízo de valor mutável com o 'andar' da sociedade, mutações, aliás, bem mais velozes que as biológicas.
O positivismo que se critica no direito moderno não está em seus métodos de averiguação, que podem ser tão indiciários quanto os da clínica, que busca construir o diagnóstico sobre eventuais sinais e, com maior freqüência, sobre sintomas narrados pelo adoecido ou um familiar seu, isto é, por um outro.
A priori, não se nega a validade do saber e da prática médica, como não se nega a do juiz. A perspicácia dos que trabalham com as ciências do direito e da medicina será tanto mais pacificamente reconhecida quanto maior a capacidade de discernir, de 'decifrar' ou 'ler' o que outros não conseguem.
A crítica ao direito, à medicina e a outras ciências contemporâneas, biológicas ou não, se faz contra a exigência dogmática da evidenciação linear e grandiloqüente da prova, do nexo causai, da relação causa-efeito, da materialidade absoluta, da necessidade positivista do 'descobrimento' de leis, pretendendo-as subjacentes a qualquer fenômeno, seja ele biológico,físico ou social. A crítica é contra o império da ciência com base exclusiva na materialidade dos fatos, como se a vida se resumisse aos seus aspectos aparentes e nada existisse antes, em torno e adiante.114
As ciências da matéria lograram, com êxito e freqüência, a reprodução de fenômenos sob estudo, graças ao conhecimento de leis materiais e biológicas que permitem ter sob controle suas determinantes mais próximas. Robert Koch, por exemplo, após identificar o bacilo da tuberculose, pôde reproduzi-la em cobaias, estabelecendo os postulados experimentais das ciências biológicas que têm suas bases lá no passado, em Newton e Galilleu. Como diz Koyré (1991), na "revolução contra o empirismo estéril dos aristotélicos, revolução que se fundamenta na convicção profunda de que as matemáticas são mais do que um meio formal de ordenar os fatos, constituindo a própria chave da compreensão da natureza".
É extraordinária a dívida da humanidade perante aqueles cientistas, por conta do desenvolvimento da ciência moderna, e com esses outros, contemporâneos, pelos conhecimentos produzidos sobre as doenças infecto-contagiosase parasitárias e seus agentes causais próximos.
Mas a tuberculose experimental de Koch não é igual à tuberculose humana, endemia e fenômeno social que vem atravessando séculos. Sabe-se hoje que a comprovação laboratorial da presença do bacilo da tuberculose no corpo não é sinônimo da existência da doença. No entanto, para existir a tuberculose é imprescindível a presença do bacilo, diretamente envolvido no seu aparecimento e curso. Em suma, em toda tuberculose há a presença e a multiplicação do bacilo, mas nem sempre sua presença provoca a doença. Se a primeira assertiva parece confirmar a relação de causa e efeito, a segunda a nega, expondo a relatividade do princípio de causalidade única e de uma dimensão não contida na relação dual entre bacilo e hospedeiro. O princípio da unicausalidade não dá conta dessa flagrante contradição, porque é impossível reduzir a realidade humana e social às paredes e bancas de um laboratório e controlar as dimensões de um fenômeno que só em seus aspectos mais visíveis pode ser estudado e controlado. No caso da tuberculose, não dá conta porque esta, como qualquer outra doença no homem, não se restringe às suas determinantes biológicas, sendo tanto como ele próprio um fenômeno biológico, psíquico, histórico e social, em que a dissociação se presta, quando muito, para entendê-lo melhor e melhor abordá-lo em cada um desses aspectos.
A microscopia permite a percepção morfológica de coisas e seres, tanto mais minuciosa quanto maior for o alcance do instrumento e meios utilizados, e a experiência de quem observa; mas essa percepção 'objetiva* - não por acaso a lente é assim chamada —, não deixa de ser uma percepção, uma representação da realidade, não a realidade em si. Como percepção é um olhar que pode ser mais ou menos competente, não deixa de ser um modo subjetivo de ver a matéria, viva ou não. Sem tirar o mérito dessa técnica e das ciências e sujeitos que dela se servem, indispensáveis à aproximação da realidade material ou biológica, não se pode reduzir o conhecimento a esses métodos, nem tampouco aos modelos matemáticos, igualmente úteis em muitas circunstâncias em ciências sociais.
Homem e doença, seja a tuberculose ou as LER, estão imersos na sociedade de cada tempo. Para compreendê-las, os conhecimentos da medicina, de outras ciências biológicas ou exatas são indispensáveis, mas insuficientes. É preciso recorrer a outros conhecimentos e ciências, como a filosofia, a história, a antropologia, a sociologia, a psicologia, a semiótica etc, cujos métodos e instrumentos de aproximação da verdade não são os mesmos dos laboratórios. Cada ciência permite conhecer fragmentos da realidade e inferir outros. Esse conhecimento, porém, se faz por aproximações e se constituem em representações, sempre fragmentárias, por isso mesmo temporais, aceitando-se, de saída, a impossibilidade de conhecer a realidade em sua totalidade.115
Depoimentos, independentemente dos seus autores, são também um modo de captar a realidade social, de aproximar-se dela. Envolvem, tanto quanto outros, a necessidade de julgamentos. Ora, julgar só por exceção é atribuição e exclusividade de togados. Todos, sem o sermos, arbitramos sobre nós mesmos e sobre os outros. Fazêmo-lo com nossos familiares, amigos, subalternos, superiores e estranhos, tanto como qualquer deles faz conosco, a aceitação desses juízos sendo tanto maior quanto mais próximo estiver da realidade dos outros, que não é apenas 'percebida' pelo olhar, mas 'sentida'.
A reconstituição dos fatos sociais será tanto mais fidedigna se quem a fizer, ao invés de observador ou testemunha, for o próprio sujeito que os vivenciam ou vivenciaram 'por dentro', fazendo parte dele. Porém, o fato social não carece apenas de uma reconstituição veraz, mas de interpretações que traduzam a realidade subjacente e pouco visível. Aí, a simples vivência é insuficiente, havendo necessidade de buscá-la com saber e, óbvio, com método.
Métodos e instrumentos são de incontestável importância, mas a possibilidade de captar a realidade, sempre fugidia, não reside tão-só neles, mas nas suas escolhas, que podem ser mais ou menos adequadas, sempre socialmente determinadas, somente em parte se devendo ao conhecimento, experiência e sensibilidade dos que imaginam haver, com absoluta isenção, decidido usá-los.116
No caso dos depoimentos dos adoecidos de LER, a consistência sobre os fatos e sentimentos que narram são muitas, vários coincidentes com o que largamente vem sendo descrito. O que se procurou e se crê ter descoberto foram indícios, pistas de fenômenos menos aparentes, conteúdos subjacentes às suas narrativas, que apesar da individualidade dos seus autores revelaram, quando analisadas em seu conjunto, a emergência de uma realidade e de um movimento social em construção, com base em aspectos comuns à sua condição de adoecidos pelo trabalho. O que possibilitou perceber essa construção não foi um olhar apenas curioso, fatual, estático, de quem observa o trem passar, mas de quem está dentro dele, passando.
Quem está habituado ao exercício da clínica, a ouvir e inquirir pessoas, dar-lhes o devido crédito e ordenar a seqüência dos seus infortúnios de sorte, a elaborar hipóteses diagnosticas, sabe quão importantes são essas narrativas que convimos chamar, em medicina, de anamnese ou história da doença. É assim que se obtém, do doente, a representação da sua doença. É o saber do médico que permite comparar a representação revelada e ordenada com aquela outra prévia e teórica que ele próprio tem e que a prática e a "intuição baixa", nas palavras de Ginzburg (1990:143-179), enriqueceram, levando-o a suspeitar que as duas, a ordenada e a prévia, são uma mesma doença. O discernimento e a experiência sugerem perseguir indícios - os sintomas descritos e subjetivos mais que os sinais objetivos —, as coisas no corpo que revela e, ao mesmo tempo, às vezes, sem querer, esconde. É um processo indiciário, 'a curiosidade com sentido', matriz do conhecimento, desde que o homem se fez.
O saber, que é mais do que experiência, não é construído aritmeticamente pela junção das coisas aparentes e aparentemente reveladoras, mas da acuidade de descobrir o escondido, por meio dos indícios que traduzem a essência ou qualidade do que é, ou não, mera aparência. A análise de documentos -e esses depoimentos são documentos do cotidiano dos adoecidos de LER - requer esse tipo de saber e esse exercício indiciário, não necessariamente médico.
Mesmo no campo da história, é costume documentos produzidos por sujeitos subalternos serem postos em dúvida. A tradição, também aqui positivista, reza que documentos devem ter a chancela oficial e possuir escribas nomeados, consentidos ou referendados, entre os quais, só por exceção, se encontram as vítimas de qualquer tipo de opressão.117
A doença também tem os seus 'historiógrafos oficiais', em geral médicos que produzem as versões consentidas de suas origens, causas e andamento, como se ela fosse apenas natureza, isto é, pertencesse, exclusivamente, ao biológico do ser, ao meio ambiente e a outros elementos intermediadores mais próximos e materiais, ou seja, ao reino natural. É dentro desses limites das coisas que reside a eficácia, aliás, considerável, das intervenções tecnológicas no campo da medicina.
A referência não é tão-só ao pragmatismo da cirurgia e dos cirurgiões modernos, mas à medicina social assumida pelo Estado desde o século XVI. 118 Apesar de sua eficácia, formidável em muitos aspectos, a medicina não dá conta, ou o faz de forma insuficiente, no plano individual, das doenças coletivas dos tempos atuais, cuja determinação se dá pelas relações sociais resultantes do conflito entre o capital e o trabalho. E aí é que se coloca a necessidade de buscar outros caminhos para entendê-las, de um saber menos específico e com outros aportes, sem prescindir das leis da matéria e biológicas.
As várias ciências sociais costumam trabalhar com instrumentos e meios de investigação não experimentais, embora haja uma tendência moderna para se recorrer à medição dos fenômenos sociais por intermédio dos avançados métodos em estatística que o acesso aos programas para computadores vêm proporcionando. Todavia, não se trata dos meios, mas do próprio objeto de estudo, em que a experimentação e a matemática habitualmente se dão mal, em especial com referência aos sentimentos, às relações e à história do homem.
Seria impossível não validar essas falas dos adoecidos e não tentar compreender seu verdadeiro significado, falas que, ironicamente, são aceitas na privacidade dos consultórios, mas rejeitadas quando ganham as ruas. Tornar público o sofrimento incomoda, acirra as contradições e faz explícita a violência do trabalho e social que se quer manter oculta.
A fala
... o real nunca é dado na sua aparência imediata, eis que essa corresponderá sempre apenas à captação subjetiva dele; o que eqüivale a desqualificar o dado imediato da consciência como significativo do real em sua essência. Segue-se que esse dado imediato de consciência precisará de algum modo ser transformado pela razão em dado mediado de conhecimento, será necessário romper a conexão entre o real e sua captação subjetiva e restabelecê-la objetivando-a em outro nível. É como essa necessidade decorre da concepção mesma do real, é possível definir essa ruptura como epistemológica. Tal ruptura, portanto, impõe a aquisição pelo sujeito do conhecimento, de posturas adequadas à finalidade de detectar a verdade do real: a isto corresponderá a exclusiva validação da informação empírica enquanto expressão significativa de uma hipótese teórica, que a definirá como 'dado' de observação científica. Não mais informação 'ingênua' em um campo de apreensões desarmadas, mas produto da ação intencional de um olhar propositadamente enviesado por uma hipótese de pesquisa.
Gonçalves (1986)
Ao fazer a leitura "flutuante"119 dos primeiros 102 depoimentos contidos nos questionários preenchidos pelos adoecidos, no decorrer do Iº Encontro dos Banespianos sobre LER, percebe-se haver mais coisas comuns entre eles do que o simples partilhar do mesmo sofrimento. Subjacente às suas queixas individuais, haviam observações e críticas sobre as várias instituições e sujeitos, a partir de demandas criadas pelo adoecimento. Elas compunham um conjunto coerente e compartido de representações sobre a empresa, superiores hierárquicos, instituições prestadoras de serviços e de benefícios, médicos, a família, os amigos, colegas de trabalho e a preocupação onipresente de como sair dessa situação indesejável.
Assimilada essa primeira impressão da leitura, ensaiou-se a análise de 20 desses depoimentos, um a um. O que era impressão, tornou-se certeza, estimulando o passo seguinte, de identificar e classificar percepções e sentimentos expressos nos 102 depoimentos iniciais, elaborando-se uma síntese provisória. Uma tarefa difícil, facilitada pela escrita legível, pela escolaridade elevada, pela linguagem clara e pelos sentimentos e representações compartilhados, provavelmente porque seus autores tinham em comum o fato de pertencerem à mesma classe, categoria e situação no trabalho e também o de há muito tempo trabalharem na mesma empresa.
Nesse esboço de análise tentou-se apreender as representações construídas no processo de experiência-aprendizado, começando pelas dores e necessidades suscitadas e as relações criadas e recriadas por essa saturação de incômodos. Somente depois procedeu-se à leitura dos outros 244 depoimentos contidos nos questionários recebidos por mala-postal até a data prefixada, passando a confrontar a forma e o conteúdo dos dois conjuntos. Afora serem os últimos os mais longos e detalhados, provável resultado de um tempo maior de reflexão na ocasião de redigi-los, havia uma enorme identidade com os primeiros 102 depoimentos, permitindo a liberdade de agregá-los. Os conteúdos foram agrupados de acordo com a temática e transcritos os trechos que pareceram sintetizar seus significados, com o cuidado de reparar se, ao deslocá-los, preservavam o sentido original. A seguir, esses trechos foram ordenados, segundo o processo de experiência e aprendizagem no tempo, como se os adoecidos compusessem não a simples somatória de indivíduos, mas um corpo social coletivo em movimento, que sem deixar de ser o que era, passara a ser o que estava sendo.
Ao proceder assim, não se estará remontando a história natural das LER, nem da representação médica da doença do outro, mas tentando surpreender os momentos distintos da gestação desse movimento social e coletivo, a partir dos diferentes momentos vividos por seus protagonistas, expressos nos dados quantitativos já analisados, e nessas falas.
Dor, perdas e medos
{D. 1} Quando cheguei no posto onde trabalhava com o diagnóstico do médico, me transferiram para a agência. Em parte foi bom, em parte ruim. Parte boa: fui afastada do caixa; parte ruim: me senti discriminada, porque onde eu trabalhava, o posto (...), tinha serviço para ser feito na retaguarda. Fui trabalhar na recepção; bom porque não forçava as mãos. (...) eu não admitia que tinha o problema, negava o tempo todo. Dizia para mim mesma que a dor no braço era porque tinha dormido com o corpo em cima da mão etc. Ficava dando desculpas para não ir até o médico. Só que chegou uma hora que foi insuportável agüentar a dor. Na minha agência tem gente trabalhando com dor e que não tem coragem de ir ao médico. Não me lembro agora o nome de todos os remédios que tomei. Não sei se tem a ver, mas tive muita queda de cabelo, acho que em função dos remédios, talvez, não sei, nervoso, estresse etc. No momento estou melhor. Sem medicamentos a dor volta e vai. Se esfria é um horror (...) Obs.: um dos problemas que enfrentamos é o pessoal da agência achar que estamos tentando enganar, estamos mentindo. Não tem nada de psicológico. É dor mesmo, no duro! Só quem sente, sabe.
{D.18} Sinto que o meu lado emocionalficou muito abalado com a doença. Sempre fui muito ativa, sinto vergonha de aparecer no Banco, preocupada com o que os meus colegas estão pensando de mim. O meu lado psicológico ficou bem abalado com essas questões. A terapia tem me ajudado, mas ainda tenho esses sintomas de culpa. Tenho muita vontade de sarar.
{D.22} A maior dificuldade é a perspectiva de vir a me tornar um inútil para realizações que causem grandes satisfações, como ser pai e dar aosfilhos todas as condições de uma vida saudável, financeiramente, psicologicamente e principalmente ser um orgulho para os filhos, sem doenças como as LER, que por não aparentar sintomas é terrível psicologicamente.
{D. 106} Não tive oportunidade de participar do Encontro sobre LER pois estava em recuperação da cirurgia feita para tentar resolver meu caso; mas fico contente em saber que poderei estar sempre informada do assunto através de vocês. Nossa agência tem muitos casos e cada caso tem sua história e sintomas diferentes. No meu, depois de dois anos de constatada a doença, resolvi optar pela cirurgia, diferente de alguns outros colegas; por enquanto (faz hoje um mês) obtive sucesso. No começo, quando do primeiro afastamento, a maior dificuldade foi o apoio da administração, pois a doença era pouco conhecida. Cheguei até a ter muitos dos sintomas que constam na última página do questionário,120 mas a psicoterapia me ajudou a ver de outra maneira e melhorei muito.
Tento conversar com todos os colegas que têm LER e com aqueles que suspeitam de tê-la e sinto que quase todos pensam da mesma maneira e não se tratam, com medo das implicações do dia-a-dia, da dificuldade diante do INSS e de terem de mudar de função. Esses preconceitos fazem com que procurem ajuda somente quando a doença chegou a um estado insuportável de dor e, às vezes, os resultados são piores. Muitos não se interessam em saber da doença até que algum amigo mais próximo venha ter. Acho que uma campanha muito forte no sentido de dar algumas dicas de prevenção a todos os funcionários, principalmente os que trabalham na área de digitação, caixa e movimentos repetitivos ajudaria a prevenir (...)
{D. 109} Estou atualmente trabalhando, mas sinto ainda muitas dores nas costas, pescoço e braços, dormência e inchação. Passei dois meses bem e voltei a ter sintomas (...). Só tomo medicamento agora se as dores ficam insuportáveis. Tenho que voltar ao médico para fazer uma reavaliação do meu problema. Fiz cirurgia delicada, mas somente do lado esquerdo, mas estou sentindo que agora que voltei a trabalhar e executar todas as tarefas, piorei.
{D. 130} Tenho sentido, ultimamente, cãibras na mão direita, principalmente repuxando o nervo mediano ao mexer na água fria, impossibilitando-me de lavar as louças, ou de pegar objetos pequenos e leves. Parei de fazer fisioterapia, pois afetava o nervo e me fazia sentir cada vez pior; cheguei a ponto de não conseguir folhear as páginas, conseqüentemente um 'desespero total' pois tenho filhos pequenos, hoje com seis anos de idade (gêmeos) (...)
{D. 134} Atualmente sinto o braço muito adormecido, os dedos incham facilmente mesmo com o uso da luva. Dor muito forte no pescoço bem próximo ao ouvido. Quando ando, o balanço dos braços causa muita dor no cotovelo. Não estou conseguindo levantar nada que necessiteficar com os dedos abertos (ex. um pacote, mesmo que leve, mas que precise ficar com os dedos curvados). Se tento mexer os dedos sinto como se estivessem levado choque, como um tremor. Tenho a impressão de que tudo isso não vai passar, mas procuro não lembrar e não vejo a hora de ter alta para voltar ao trabalho, pois mesmo sabendo que deixei passar muito tempo para iniciar o tratamento, foi por falta de informação. Acreditava que a dor tinha que ser muito forte e o meu braço só apresentava cansado e os dedos muito irritados; isso passou quase três anos até que comecei a não ter mais posição para dormir e agora quando dói muito, principalmente no frio, tenho que dormir quase sentada.(...)
{D. 136} (...) Sei que o meu problema se agrava mais porque não tenho paz em casa, pois o meu marido, além de ser alcoólatra e viciado em drogas, não aceita fazer tratamento nenhum. Nosso casamento já acabou, mas mesmo fazendo terapia ainda não encontrei coragem para me separar. Fiquei sabendo através de colega do Banco que quem está afastado não mais terá complementação de salário. Quero saber se existe alguma verdade sobre este assunto.
{D. 144} Quando saí de licença há um ano, só sentia dores no punho e na mão. Depois de alguns meses comecei a sentir dores piores e em lugares diferentes como: antebraço, cotovelo, ombro, pescoço, costas. Foi quando em março de 1994 fiz a primeira ultra-sonografia do braço inteiro até o ombro e o resultado mostrou que tinha agravado mesmo. Em agosto de 1994 voltei a repetir a ultrasonografia, dando o mesmo resultado sem apresentar melhoras com relação ao exame de março. Sinto muitas dores, acordo durante a noite com a mão toda adormecida, não posso ficar com os braços para cima, não posso deitar mais sobre o ombro direito. Quero muito voltar ao trabalho, mas tenho medo, porque fico pensando que tipo de serviço vou fazer se não puder mais voltar na minha função normal, fico pensando também com relação aos colegas pois sempre fui de colaborar com eles, e o pior de tudo é não poder mais datilografar, pois sempre foi esse meu serviço no Banco, mesmo quando não estava trabalhando como operadora de telex. Fiquei nessa função durante 11 anos (três anos na agência (...) e oito anos na (...). Sempre gostei muito de ser operadora de telex.
{D. 153} Foram várias as vezes que me afastei por dores nas mãos, não sei ao certo o número de dias. Não sei ao certo quantos dias foram, pois os documentos ficaram com o Banco, porém sei que foram mais de seis meses. Foi-me concedido da primeira vez de afastamento 30% de auxílio; da segunda vez me concederam 40%, mas ainda não consegui receber e já faz mais de um ano. Por enquanto não tive oportunidade de ascensão em minha carreira e sinceramente acho muito difícil que esta oportunidade apareça. As atividades que consigo realizar sem dores, as faço com muita satisfação, afinal LER não é o fim do mundo para mim. Há muitas coisas que a gente pode fazer (sabendo) conhecendo os nossos próprios limites. Adoro trabalhar, principalmente lidar com público e era o que eu estava fazendo antes do último afastamento. Só sofro quando percebo que os meus limites se esgotaram, e então as dores começam.
{D. 155} (...) ia ao médico e me era receitado antiinflamatórios e eu continuava trabalhando, isso há mais ou menos uns quatro anos. Neste período fiquei com o braço imobilizado pelo menos três vezes. O problema agravou-se quando fiquei grávida, o braço começou a doer muito,fiquei com o braço imobilizado por 15 dias e não pude tomar remédios (...) Depois que o bebê nasceu resolvi procurar um especialista de mão (...)
{D. 165} Temo a não ascensão profissional (...) Apesar de a cirurgia que fiz ter trazido um certo percentual de melhora ela não leva a nada (...)
{D. 169} Fora esses sintomas, tem inchaço, dor e dor; parece que o ombro está deslocado, tem dias que não consigo escrever ou, como hoje, começa a doer e às vezes tenho que parar pois perco a coordenação motora. Os objetos caem com facilidade. Não consigo levar nada nas mãos, pois tudo me parece muito pesado, não consigo levantar o braço. No frio piora. Estou sempre com frio, o braço fica gelado. Acho que tem que ser feito um trabalho de conscientização junto aos demais funcionários, pois muitos ainda acham que é doença psicológica ou 'não dói tanto', ou têm medo de serem afastados do trabalho, não entendem que no começo da doença ainda pode haver cura.
{D. 171} Eu estou me sentindo bem neste momento, o meu braço dói mas eu procuro me esquecer e continuar a minha vida, embora sei que muitos afazeres eu não possa fazer como passar roupa, lavar louça e passar panos e móveis e fazer algum esforço a mais, que sinto dor. Sei que tenho que conviver com isso, não consigo escrever com clareza, pois sinto dor para escrever tanto à maquina como à caneta e tenho minha força da mão muito prejudicada, embora não ache que seja preciso me afastar do trabalho para fazer os tratamentos em períodos longos como já fiz em 90. Só com os antiinflamatóríos e algumas vezes as fisioterapias acho que posso ficar trabalhando ok.
{D. 175} (...) Não me sinto curada, mas bem melhor. Sinto que movimentos repetitivos realmente fazem voltar a dor. Tive uma filha há oito meses e percebi que ao cortar legumes, amassar papinha e até dar comida a ela, comecei a sentir dores novamente. São serviços de casa que nunca tive que fazer antes. Já no Banco não estou tendo este tipo de problema hoje. Arrumei alguém para me ajudar em casa, mas é inevitável eu ter que carregar a criança, dar de mamar no peito ou até dar a comida a ela. Procuro fazer alguns exercícios em casa mesmo para aliviar a dor. Meu peso aumentou muito depois da licença. Minha capacidade de concentração praticamente acabou. Minha memória está péssima. Sinto que a médica com a qual me trato não sabe o que fazer comigo.
{D. 185} Faz mais de um ano que estou afastada. Ainda dói um pouco. Obs.: Antes da doença a gente no trabalho era considerada importante, mas depois a gente sente uma certa discriminação dentre as pessoas. Inclusive eu, que trabalhei a vida inteira na compensação. É difícil a gente se acostumar em outro tipo de serviço. E no Banco a gente fica que nem peteca, cada dia em um serviço.
{D. 186} Apesar de sentir sintomas característicos da LER, não procurei auxílio médico.(...) Meu intento não logrou êxito: não pude tirar minhasférias, além do que mefoi sugerido 'colaborar dobrando minha carga de trabalho, em pleno mês de dezembro!!! Estou afastado há mais de um ano e meio(...). Não consigo escrever, atender telefone, lavar um carro, fazer um (?), cortar minha barba com aparelho elétrico, escovar meus dentes etc. (...)
{D. 190} Fico triste com as LER pois tudo o que faço uso as mãos. Gosto de desenhar, de pintura; fazia tricô, crochê, e agora mesmo para escrever a mão cansa e se abuso fico com dor. Se faço algum serviço em casa, o que é difícil não fazer, o braço pesa e a mão fica meio boba. Mas tenho que conviver com isso e aprender a depender dos familiares para as coisas, até mesmo abrir uma garrafa. É duro, pois quando a gente está melhor esquece e sem querer faz alguma coisa; então lá vem a dor (...)
{D. 194} Após 16 anos digitando, trabalhando em horário noturno e em regime de produtividade e muitas vezes tendo que fazer horas extras, contraí LER (nem podia ser diferente). É aí que se percebe quanto é bom um trabalhador com saúde. (...) Ao voltar a trabalhar (reassunção) encontrei várias dificuldades, sendo obrigada a mudar de função e de horário, o que acarretou a perda do adicional noturno, com o que não concordo (...) Com relação ao futuro dos acometidos por LER, perante o Banco, administradores, e até mesmo muitos companheiros, somos inúteis ou mentirosos (...)
{D.202} Após o período de afastamento voltei para a mesma agência para desempenhar as mesmas funções. Fiquei profundamente angustiado, irritado, deprimido, com crise de choro por qualquer motivo; tenho trabalhando com minha psicoterapeuta essas desilusões, frustrações. (...) Sou formado pela UNICAMP (...) É muito triste ver o tempo passar e você sentir que nada mudou, os guichês continuam altos; como as máquinas, as cadeiras são ruins, se trabalha de pé doem as costas; se trabalha sentado força-se o ombro e doem o braço, antebraço, punhos e mão; a sensação de que se você morrer, colocam outro em seu lugar e bola pra frente. Nós somos um número de matrícula desprovido de sentimento, buscando números para que o BANESPA continue a sobreviver. É uma pena que os diretores não vejam que embaixo deles existe uma grande maioria de funcionários insatisfeitos, que não rendem metade do que poderiam por estarem totalmente insatisfeitos com as condições de trabalho oferecidas. Ainda bem que o Plano Real 'espantou' a clientela do Banco, pois se as filas voltarem, daqui a pouco não haverá mais caixas para atendê-la (...)
{D.203} Acho que a pessoa que tem LER é um pouco rejeitada; acham que isso não passa de um pouco de frescura, ninguém entende o mal-estar que isso causa ao nosso organismo. Principalmente uma pessoa como eu que nunca tive problema algum, sempre trabalhei bastante, sempre dei de mim no Banco como em casa. Trabalhei muitas e muitas vezes fora do horário. Quando de repente no final de uma carreira a gente cai num problema de saúde desses, sem poder fazer com que os membros superiores obedeçam tudo o que estava acostumada a fazer com muito amor. Depois a gente torna-se uma inútil tanto no trabalho como em casa: não posso fazer isso nem aquilo pois os membros não obedecem mais, e o cansaço chega de repente. Ai as pessoas te olham como se não quisessem nada da vida. Desculpe, mas é isso que sinto.
{D.204} Quando comecei a sentir os primeiros sintomas, havia um supervisor na agência que fazia ameaças toda vez que alguém reclamava que sentia dores em alguma parte do braço. Isto fez com que os casos de LER se agravassem; até aí não era uma coisa muito falada até o surgimento do primeiro caso de afastamento. No meu caso, quando comecei a sentir dores procurei um ortopedista que não soube diagnosticar. As dores vinham e iam, como se fosse apenas um 'excesso de serviço'. Até quando eu comecei a piorar: já não conseguia segurar a caneta para escrever, não tinha força nem para segurar um prato, aí fui no dr. [?] que me repetiu os exames (raios X, ultra-som, eletroneuromiografia) e nenhum deles acusou a lesão (...). Fui para cirurgia e mais uma surpresa: tive de retirar a ponta do osso que estava esfarelada e também havia um furo no complexo triangular. Depois de toda a confusão, acabei voltando ao trabalho com uma perda parcial do movimento de prono-supinação, o que me incomoda em muitas atividades. Tentei executar um serviço no setor de 'auto-atendimento', mas não obtive apoio por parte da gerência. Para os colegas eu estava fazendo 'corpo mole'. Então desisti dessa atividade e pedi para trabalhar no setor do antigo CESER121 (processamento, fechamento, retaguarda, não sei bem como chama). Eu somo a compensação e os títulos, é puxado, sinto dores em dias mais agitados, mas estou me sentindo bem, me sentindo útil, novamente dentro do meu local de trabalho. O funcionário portador de LER é malvisto no local de trabalho, nenhum setor quer aproveitá-lo dentro de suas limitações. (...)
{D.206} Passei por momentos muito difíceis com as LER Além das dores tive depressão, desânimo de saber que não podia ser caixa, uma função que eu adorava e trabalhava com muito prazer e muito mais que meu horário de seis horas, sem descanso até para ir ao banheiro, mas fazia com satisfação; não quis ficar muito tempo de licença, pedi para que me liberassem logo, fiquei só dois meses; tentei trabalhar duas horas por dia no caixa mais não agüentei muito tempo, o médico me deu um atestado dizendo que eu não tinha condições para datilografar, somar, digitar. Aos poucos fui aceitando a situação com a ajuda de uma psicóloga, dra..., de terapia de vidas passadas; consegui, finalmente, aceitar a minha situação. Adoro lidar com o público, sei que sou simpática e com muita paciência, mas muitas vezes pensei em desistir do Banco por me sentir inútil, não realizada, por não fazer nada, a não ser dar informações; tive períodos muito difíceis, não tinha vontade nem de levantar da cama, nem de ir para o trabalho; olhava no relógio toda hora para ir embora, mas insisti em não entrar de licença. Hoje sei dos meus limites, em casa não posso lavar roupa, ou seja, esfregar roupa, passar, fazer faxina, coisas que força o braço; no Banco só me puseram uma vez no setor de poupança numa época que abria muitas poupanças, dezembro, e tive muitas dores, as dores no braço, ombro e muita dor no peito, voltei novamente para informações. Hoje tenho tratamento constante com massagens (toda semana), passes porque sou espírita, e ainda estou na terapia; aceitei a minha posição e parei de querer enxergar o futuro incerto (...). As dores voltam só quando eu tenho que me esforçar em casa com o serviço doméstico. Não posso dizer que estou feliz, mas bem melhor do que tudo aquilo que passei nos dois meses que fiquei de licença.(...)
{D.207} (...) hoje estou conseguindo escrever, talvez amanhã não consiga ou faça com maior dificuldade. O mesmo acontece com as dores ou com a 'força' nas mãos e braços. Apesar de não ter realizado outros tipos de exames acredito que em muitos casos como o meu, o diagnóstico não seja tão preciso. Não temos acompanhamento ou orientação alguma por parte do DSO122 ou mesmo do Banco. Estamos sozinhos mesmo quando trabalhamos 16 anos para a empresa e a ajudou e muito a ser o que é. Foram muitas horas extras, muitos dias até sem o intervalo de lanche ou mesmo almoço; e agora somos tratados como se fossemos o pior do funcionalismo. Ainda tenho capacidade para o trabalho e me sinto revoltada quando tentam me fazer pensar que não. Quero voltar a trabalhar sim e com certeza me aposentar por tempo de serviço e não como uma inválida. Posso não poder usar minhas mãos e braços como fazia anteriormente, mas ainda estou viva e tenho muito o que realizar.
{D.208} (...) depois que tive a confirmação de ter LER, no mesmo instante senti como se minha vida virasse de cabeça para baixo. De pessoa equilibrada, feliz e ativa passei para alguém que só consegue chorar e se sentir só, não encontrar sentido na vida, ser completamente inútil, pois nem meu filho posso carregar mais. É desesperador, é doido. Até mesmo meu casamento sofreu um grande abalo, pois sinto que meu marido se preocupa comigo o tempo todo e é como se eu estivesse inválida e acho que ele me sente assim. Não sinto prazer na vida. Só sei dizer que esta é a pior fase de minha vida e tenho medo de não sair daqui. Estou fazendo psicoterapia e começo a ver uma luzinha no fim do túnel. Sinto muita saudade do Banco, dos amigos, do convívio, da carreira, enfim, sinto saudade de ser útil para alguma coisa.
{D.209} Sinto muitas saudades do pessoal da agência, pois poucos me procuram. Sinto muita insegurança quanto ao meu futuro profissional e dificuldades de me adaptar aos serviços domésticos que antes faziam parte da minha vida como rotina e que hoje tenho dificuldades de executar. (...)
{D.210} (...) Após as LER muita coisa, ou quase tudo, mudou, começando pela caligrafia, pois hoje não consigo manter a letra uniforme. Há dois períodos distintos: antes e depois das LER É como se o tempo parasse, pois no dia de hoje eu continuo sendo 'eu era', 'eu era datilografa', 'eu era digitadora", 'eu jogava vôlei', 'eu fazia natação', 'eu tocava teclado', 'eu fazia os serviços de casa' etc. Tudo no passado. A ação dos medicamentos antidepressivos acabaram com a memória, não consigo guardar sequer o número de um telefone. Troquei o cérebro por uma agenda. Não dirijo mais, pois a dor no braço compromete. A tensão, a angústia do nada poder fazer, trouxeram as longas noites de insônia; com ela, os tranqüilizantes, e com eles, a ausência da memória. As fisioterapias tomaram lugar do lazer: nada mais de academias, saunas e bate-bola no final de semana. Com a perda dos reflexos, vários comprometimentos; instabilidade, irritação, desejo de ficar só, isolamento, medos absurdos, pensamentos estranhos. Perde-se o direito a uma vida normal quando se sente que no próprio convívio dos colegas a doença chega primeiro. Para o Banco somos ineficientes para o trabalho diário, mas para nós mesmos, na nossa vida particular tudo faz parte do 'eu era'. Cirurgias, anestesias, mais medicamentos, para quando se pensa que tudo pode mudar, somos discriminados por 'limitações'. Eu necessito de um tratamento a longo prazo, para isso solicitei transferência para São Paulo, local de maior recurso; fui transferida para o PAB123 (...) e depois de estar aqui instalada, no dia de assumir a vaga ouvi que não poderia trabalhar no PAB, local de muito serviço, por causa de minhas 'limitações' causadas pelas LER. Fui encaminhada ao DSO para avaliação e aguardar nova locação. Após 30 dias de angustiosa espera, uma 'carrinha' comunicava que não havia vaga para mim, portadora de LER que sou e com 'limitações'. "Você deve retornar a sua agência de origem". "Sabe como é, quando se tem 'limitações' fica difícil novas vagas"! Ninguém sequer perguntou quanto gastei para me acomodar, nem se a prioridade da minha transferência, que era o tratamento dos braços, ia ser prejudicado. Eu apenas deveria retornar. Achei então por bem usar minha licença-prêmio para cobrir mais um período e procurar recurso. Preciso do tratamento, e quero trabalhar enquanto isso ocorre. Não posso mais ficar freqüentando hospitais e médicos. No desespero, escrevi uma carta de próprio punho ao presidente do BANESPA, sr...., pedindo socorro, solicitando, implorando mesmo, uma ajuda para permanecer aqui. Não gosto do serviço de agência, ultimamente o contato com o público me faz mal. Não consigo trabalhar com a rapidez que é preciso. Gosto de trabalhar longe das pessoas que cobram uma presteza que não tenho mais. Me coloquei à disposição para arquivo, biblioteca, qualquer coisa. Mas não obtive nenhum resultado. Aqui está pois um relato de quase tudo, pois é difícil escrever e manter a caligrafia legível. Preciso, necessito do tratamento e para isso estou disposta a ir até as últimas conseqüências. Até mesmo abandonar tudo.
{D.231} (...) No meu caso em especial me sinto um pouco frustrado, pois executava serviços técnicos de alto nível, participava de grupos de trabalho e muitas outras coisas boas. Hoje, separo alguns relatórios e confiro algumas coisas via terminal. Isto tudo mostra que as LER trouxeram uma queda na minha qualidade de serviços. (...)
{D.251} Tenho pavor de perder o emprego e não conseguir outro por causa das LER Meu marido tem síndrome do túnel do carpo e também é banespiano. A incerteza de um futuro sadio me apavora também. Tenho medo de não poder cuidar de um filho quando desejarmos tê-lo. As vezes só de datilografar umaficha contábil ou tirar uma listagem para conferir os talões de cheque, as mãos e os braços já doem. Ultimamente é comum eu sentir dor de cabeça e o pescoço duro. Atualmente sou muito insegura e tenho verdadeiras crises de choro. Tem dias que preciso me controlar, mesmo no Banco, para não chorar. Depois das LER tenho me sentido muito mais nervosa. Fico vermelha à-toa. Por mais que eu tente ser otimista e ter esperança de um dia a medicina descobrir a cura, o medo acaba vencendo. Tem dia que só tenho vontade de dormir e outros que não consigo cochilar. Eu só tenho 27 anos, já imaginou quando eu tiver 40, 50?
{D.263} Sendo eu uma pessoa de família numerosa, isto é, 14 irmãos e mãe de seis filhos, que sempre realizava reuniões festivas, nas quais era eu a mais agitadora (na decoração, nos preparativos); minha família toda canta e toca; hoje eu fico em casa me remoendo, enquanto todos festejam, negando inclusive aos meus filhos este prazer. Sempre gostei de escrever poemas e versos, só que já não é mais possível pois a escrita causa-me fortes dores, ocasionando a fuga de minhas inspirações; tornei-me uma pessoa 'chata', negativista e até insuportável, pois só enxergo o lado negro da vida; também, se o dia tiver 25 horas eu sinto dor durante todo o período e mais umas horas, sonho que estou com dor (quando durmo) e acordo com a mesma dor. Não compareci ao Encontro porque justamente no dia, minha pressão, que sempre foi baixa, resolveu subir para 19/13, tão grande foi a expectativa de juntar-me aos companheiros.
{D.264} Voltei ao trabalho há quatro meses (...) depois de ficar quatro meses de licença em tratamento. Estou afastada do caixa (gostava dessa função), agora ajudo o rapaz da seção c/c; me sinto estranha porque sempre tive uma seção para tocar, além do caixa, e agora somente auxilio alguém, embora digite bem pouco (somente algumas contas para abrir ou alguma operação no terminal de vídeo). Tenho muita dor, cansaço, queimação no pulso e muita dor e sensação de peso no ombro. Também para escrever, como agora, tenho muita dor nos dedos, principalmente o polegar e o indicador, e também no pulso, além do ombro. Tenho medo de não ficar recuperada e continuar a ter sempre dor, tenho medo quando acabar (agora em setembro) o período de acompanhamento pelo DSO. As vezes penso que realmente tenho que fazer psicoterapia e aprender a lidar com muitas tensões, medos e incertezas (...)
{D.265} (...) não sou o mesmo. Sinto-me muito deprimido e com muita insegurança, tenho medo em relação ao meu futuro dentro do Banco. Nossa economia não é estável e isso ajuda muito para que eu fique mais inseguro. Sempre desempenhei um trabalho contínuo dentro do Banco, somando e separando documentos, com uma produção acima do normal em relação aos meus colegas; mas, sem desmerecê-los, isso era uma aptidão natural. Hoje desempenho uma função medíocre dentro do Banco e me sinto muito deprimido, com uma sensação que eu estou sendo vigiado pelo meu superior, pode ser até impressão de minha parte mas é assim que eu estou me sentindo... um estranho no ninho depois de tantos anos de trabalho nesta empresa à qual que sempre me dediquei. Não sei se vai dar para ler este manuscrito.
{D.266} Após diagnosticada as LER, passei a não fazer nada, nem as tarefas diárias. Escovar cabelos e dentes é um sacrifício. Dirigir um carro é dificultoso. A cada tarefa pequena é necessário muitos minutos, às vezes horas, para que a dor passe; se insisto no que estou fazendo, logo incha. Há um mês estava sem dor e sem inchaços, mas isto depois de muito tempo sem fazer nada; foi pedido pelo médico que eu começasse a realizar tarefas como escrever, datilografar. Resultado: dores fortes e inchaço.
Se nada acontecesse seria encaminhada para CRP;124 agora não sei o que vão fazer comigo, se me encaminham para CRP ou se continuo da maneira que estou, sem fazer nada. Comecei a sentir pequenas dores que logo passavam; com o tempo e o acúmulo de serviço as dores apareciam com minutos de trabalho no caixa; com a saída de um dos caixas com LER, o serviço se intensificou, as horas aumentaram, as filas também e a pressão da chefia também. Com a extinção dos CESER, o número de toques no caixa, no nosso posto de serviço (Fórum) aumentou e com isso a dor também, até que ela se tornou insuportável; resultado: licença.
{D.268} Eu não tenho me sentido triste ultimamente; às vezes, sinto é não poder fazer certas coisas que eu fazia antes das LER, como, por exemplo, escrever, lavar o carro, tocar um violão, pintar, dar umas palmadas nas crianças. Quando tento ajudar alguém com certo tipo de serviço que antes podia ajudar e que hoje não posso, me sinto meio inútil. Como exemplo: na montagem de um dormitório, no carregamento de material (tijolo, argila, pedra).
{D.269} Sinto-me discriminada na minha agência e não só por alguns colegas de trabalho, pois por essa doença não transparecer diretamente na minha fisionomia (não estou pálida, mancando, magra, ou seja com cara de quem está doente), as pessoas me tratam como se eu estivesse fingindo, como se eu estivesse de licença porque não estou afim de trabalho. Porque esse tipo de pessoa não sabe o desconforto dessa doença, a dor constante e a depressão que vem com ela.
{D.275} Foi emitida mais de uma CAT125 porque a doença retornou. Na primeira vez em que isso aconteceu recusei-me a ser afastada apesar da orientação médica, devido à insegurança e mal-estar no ambiente de trabalho reinante após o diagnóstico médico. Tive muitas dificuldades na reabilitação pois 'não havia' um lugar onde pudesse trabalhar e assim, por muitos meses, fiquei como uma bolinha de ping-pong, de um setor para outro. Continuei o tratamento por meses a fio até obter certa melhora, que coincidiu com o período em que fiquei em determinado setor, onde realmente me senti bem e readaptada. Então, fui novamente transferida e, desta vez, para um posto de atendimento sem qualquer tipo de infra-estrutura e terrivelmente movimentado, com poucos funcionários (posto do...), com enorme sobrecarga de serviço. Então o quadro clínico, físico e emocional reverteu novamente e tive de voltar aos remédios e às sessões de fisioterapia. Dessa vez por oito meses consecutivos até o afastamento, que se deu em (...). Ainda me encontro afastada e em tratamento.
{D.294} Depois de bancária sou dona de casa. Trabalho para ajudar no orçamento da casa pois meu esposo é funcionário público municipal com renda de R$ 153,00, com doisfilhos. Tenho todas limitações para executar tarefas do lar e profissional. Como posso possuir empregada, faxineira, com a responsabilidade da casa que tenho? Como já ouvi de departamento do Banco que era a solução, aí eu pergunto: como é a melhor solução para meu caso, funcionária que produziu 21 anos e agora simplesmente uma pessoa conhecida dentro da empresa? É justo? É justo? É justo?
{D.298} (...) Minhas atividades domésticas realizadas diariamente me causam dores (sou mãe, tenho dois filhos menores, sou separada); isto me assusta, pois quando eu retornar ao Banco terei que acumular novamente duas funções (profissional e dona de casa), me sobrecarregando. Sinto-me culpada pela doença; também me causa medo ao retornar ao Banco, ficar dizendo 'não, eu não posso', apesar de saber que esta doença é involuntária a mim mesma. Tenho ciência de minha limitação física imposta pela doença, mas não tenho trauma ou revolta por isso, procuro adaptar-me. Em minhas atividades domésticas, para não usar e abusar dos meus membros superiores, deveria ter empregada doméstica (financeiramente não tenho condições) ou tudo automatizado.
{D.307} Eu não quis me identificar porque não confio que não haverá nenhum prejuízo para nós funcionários portadores de LER. Depois também não acredito que será feito algo a nosso favor porque nem mesmo no meu próprio setor há empatia, nenhuma preocupação. O DSO já fez uma pesquisa assim anteriormente e agora, o que está sendo feito por eles em nosso favor? Eu só respondi o questionário por diversão, embora está difícil até para isso. É difícil escrever tanto! Num futuro muito próximo irá cumprir-se o que a Bíblia diz em Isaías 33:24.126 E é nisso que eu realmente acredito.
{D.308} (...) Quando trabalhava, era apaixonada pelo que fazia. Não media esforços para chegar bem mais cedo ao trabalho, para ajudar meus colegas, os quais eu tinha como uma família, bem como nunca tive pressa para parar logo com o trabalho e ir logo embora para casa; só o fazia, sempre, além do meu horário, sem me preocupar se o Banco ficaria ou não devendo-me pagamento pelas horas a mais que trabalhava, além das horas extras que fazia e ganhava. Hoje eu vejo que não é nada disso quando eu ouço colegas nossos dizendo que o que temos é doença de cabeça, 'frescura, que não queremos trabalhar' (...) teríamos que ter por lei apoio psicológico por parte da empresa; temos, ao contrário, 'guerra psicológica' (...)
{D.313} Como funcionária do BANESPA há 24 anos, sempre no interior do estado, sempre senti pressão dos administradores para com os escriturários e caixas. Sempre trabalhando fora do horário, de duas ou mais horas fora do horário, trabalhando rápido, sob forte tensão. Acho que isso ajudou em muito para eu ter LER. E pelos outros casos que eu estou conhecendo, vejo que o funcionário está com os mesmos problemas que eu tive. E eles têm medo de assumir a doença e ser prejudicado por isso. (...)
{318} Os 60 dias em que passei em casa foram vividos da seguinte forma: 30 dias correndo atrás de papéis, que o INSS dizia não ser deles e a agência dizendo não ser dela. Meu supervisor, no meu último dia de trabalho, chamou-me em particular e disse: 'essa doença não existe' (...), mesmo eu lhe mostrando o comprovante do médico e já estando com a tala na mão. Saí da minha agência chorando e humilhada. Nesse dia nem quis voltar para casa; fiquei chorando numa estrada sem acreditar no que tinha ouvido e no que estava acontecendo comigo. (...) Na agência pareciam que tinham ódio de mim ou estivessem com medo de serem contagiados. Minha vida mudou completamente; às vezes, acho que meu casamento também acabou. Acho que a LER conseguiu acabar com tudo. O preconceito contra a doença é o que mais dói na gente. Eu fui discriminada pelo supervisor (...) e o gerente da agência nem tentou tomar conhecimento do fato que me acontecia. (...)
{D.320} Continuo em tratamento médico, mas temo ter esgotado todos os recursos. Tenho dificuldades em avaliar minhas melhoras devido à impossibilidade de combiná-las com esforços. Não consigo manter uma rotina de atividades domésticas. Canso-me facilmente. Sem falar que as dores voltam se continuar insistindo. Outra questão é que, ao mesmo tempo que experimento melhoras em alguns sentidos, aparecem outros sintomas. Por exemplo: com o tempo, as dores que eram intensas e contínuas, tornàram-se mais suportáveis e espaçadas. A fraqueza intensa que sentia nos braços é agora menor. No entanto, os problemas relacionados com a coluna têm aumentado. Em vista disso sinto-me desanimada e tenho medo do futuro. Tenho grande necessidade de respostas, mas não sei se há alguém que as tenha. Penso que este sentimento é compartilhado por muitos portadores de LER e que só por estes pode ser entendido plenamente.
{D. 321} Eu ainda não voltei a trabalhar mas sinto muito medo de voltar e piorar (sentir aquelas dores fortes novamente). Eu quero muito voltar a trabalhar, mas também quero que respeitem o nosso problema. Tem pessoas que não acreditam e aí a gente se sente pior do que antes. (...)
{D.343} (...) Obs.: antes de acontecer a paralisação da minha mão eu já sentia dores fortes e contínuas há uns seis meses. Reclamei com a chefia e não fui compreendida. Sofri muito neste período e tive várias crises de choro no banco. Atualmente estou afastada desde 28/01/93. Apesar do tratamento que faço todas as semanas com o acupunturista (neuropsiquiatra), fisioterapeuta e RPG, sinto fortes dores no pescoço, coluna cervical, ombros, cotovelos, braços, punhos e dedos. Acho que meu tendão encurtou.
As práticas de invalidação
{D.8} Hoje sinto dores nas costas, mãos, braços, pulsos e antebraços. Procurei o fisioterapeuta que me atendeu na época da licença e ele disse que o rato de eu estar grávida de cinco meses estaria colaborando para eu ter uma recaída em termos do quadro (LER). Tenho medo de sair de licença novamente, pois a experiência anterior do afastamento trouxe-me aborrecimentos e discriminação. Agora, na atual condição de gestante, temo por carga dupla de aborrecimentos. Sinto-me produtiva, responsável e capaz de exercer qualquer outra função. Quando fui reintegrada na agência, saí do caixa e fui para a retaguarda do caixa. Executava arquivos de talonário e cartão personalizado e 24 horas, bem como o arquivo, em ordem de carta, de requisições de cheques. Também era uma função repetitiva e imprópria. Saí de lá, pois o chefe dizia que o serviço realizado por mim era perfeitamente descartável e sem importância alguma. Colocou-me à disposição para a agência onde fiquei três dias para saber onde trabalharia (qual setor). Denunciei ao DSO essas e outras coisas e nada aconteceu. Tenho esperança, ainda, de que essa realidade mude.
No INSS os médicos peritos humilham os lesionados e dão sermão atrás de sermão. (E muito chato!) Uma supervisora da agência (...), ao me ver saindo de licença por LER, disse: 'LER não é caso para DSO e sim para AUDIT'.127
{D.10} O medo de fazer parte de um grupo de discriminados que além de sofrer de muitas dores é obrigado a escutar das pessoas que está 'enrolando', 'gostando de ficar à-toa', 'funcionário público é assim mesmo, só vem ao Banco pra pegar o holerith e o vale-refeição'. (...)
{D.16} Apesar de somente agora estar começando o tratamento, é muito preocupante a situação de um portador das LER hoje na empresa. Não pedi afastamento para não me sentir inválida, para estar presente ao dia-a-dia da empresa para ser produtiva, mas não sei até que momento esta situação permanecerá pois há discriminação, falta de respeito e de coleguismo na unidade de trabalho. O caso é visto como 'frescura de mulher'. A dor, com certeza, está aumentando e tomando o braço no total e não há regime de serviços a serem executados. Não portei LER por questões emocionais (como tantos dizem com sarcasmo), mas a pressão 'agora' é outra e daí sim o surgimento, o afloramento de problemas psíquicos pode surgir. Tantos anos de grande dedicação não podem acabar assim!
{D.17} Logo no começo do tratamento de LER, quando fui afastada, tive que fazer diversos exames médicos para o clínico geral pois me sentia tremendamente estressada. Além dos problemas de saúde, das dores crônicas, as pressões no ambiente de trabalho estavam me levando ao desespero. Os supervisores e colegas dizem que isso (LER) não é físico, é psicológico e que é fingimento, não importa quantos raios X sejam mostrados, ou quantos laudos médicos sejam feitos endereçados à chefia. Além do que, como adulta e independente, ter que depender sempre do auxílio das mãos de outras pessoas, mesmo familiares, é muito difícil e desgastante.
{D. 19} O grande problema que se enfrenta quando se tem uma doença como LER é a falta de compreensão das pessoas ou da maneira delas (...) acharem que é frescura, invenção ou desculpa para não trabalhar de nossa parte (...) várias vezes as pessoas perguntando para mim nome do médico para elas pegarem licença. Outros chamarem-me de louca, que é uma doença 'psicológica', e é grande o problema que se enfrenta também no INSS com o pouco caso dos médicos. (...)
{D.20} Após a doença quase não consigo escrever, sinto-me muito tensa, alguns dias muito agitada, tenho vontade de trabalhar e não tenho coragem de fazer nada. Sinto-me rejeitada por alguns dos colegas de trabalho.
{D.59} (...) Medo de voltar a trabalhar e sentir dores e ser discriminada (como já escutei o gerente falar, em reunião, que isso é doença de vagabundo). (...)
{D.105} Sinto-me discriminada pelos colegas da agência, principalmente pela gerência, que fez até reunião geral logo após o meu afastamento alertando que 'esta doença não existe', que é coisa da cabeça. Nas poucas vezes que lá compareço poucos colegas me cumprimentam e o gerente da agência nem me olha; sequer perguntaram até hoje se estou melhor. Numa das reuniões para a qual fui convidada a comparecer por causa da mudança da lei de aposentadoria, foi dito que os funcionários que foram afastados 'não estão fazendo falta', o que me magoou muito, pois sempre me esforcei ao máximo no desempenho de minhas funções, sendo que nos últimos tempos em atividade eu estava trabalhando 10 ou até 12 horas por dia.
{D.148} A maior barreira a ser enfrentada, sem dúvida, é a desinformação e ignorância de vários colegas de trabalho sobre a LER, principalmente dos administradores. Te olham com um olhar de desconfiança e falam em tom sarcástico, como nada tivéssemos e que tudo aquilo fosse uma encenação. Já os colegas de mesma função se solidarizam com o problema e percebem que (...) é um problema que eles também estariam sujeitos.
{D.242} A pessoa portadora de LER é discriminada como se fosse um aidético ou leproso. As pessoas te olham e dizem: você também está 'lerda'?, 'Como você, como supervisora, tem isso?', 'Olha, você sabia que o Banco está demitindo quem está afastado ou é portador de LER?'. Estes comentários infelizes são feitos pelos colegas e superiores hierárquicos. Me sinto muito triste quando tenho que ir ao meu local de trabalho, pelos olhares e comentários infelizes.
{D.274} Acho necessário uma maior informação para os administradores que agem como se o problema fosse uma falta de disposição do funcionário para o trabalho e não uma doença com todo problema físico e emocional que ela traz. Também, uma orientação para que o funcionário não seja tratado como se tivesse uma doença mental ou por causa de dificuldades com os membros tivesse também paralisia cerebral que o impossibilitasse de pensar e continuar trabalhando. (...)
{D.276} (...) quando levado ao conhecimento da administração é que a barra pesou. Qualquer dor, por pior que seja, é menor que o desprezo e a retaliação que se sofre. Fiquei 15 dias afastada e mesmo agora, tendo problema nos dois braços, prefiro trabalhar, embora no último dia 31/08 tinha sido tirada do serviço que fazia para ir trabalhar novamente no CESER (soma-se o tempo todo) e quando disse que para lá não poderia ir, fui colocada no gelo, sob a alegação de que não há serviço no Banco que eu possa realizar por causa da LER. (...)
{D.292} A alta do médico e do INSS foi a meu pedido, porque me sentia em desespero por estar com a doença e a dor eu sinto em casa e no Banco. Sempre trabalhei no caixa porque gostava do serviço e por estar sempre em contato com os clientes; nunca fui de trabalhar atrás de uma mesa e máquina de escrever. Já escutei a palavra 'rejeitada' de chefe, e isso me magoou muito; fiquei muito sentida ao ouvir esta palavra. (...)
{D.309} (...) Quando retomei na agência, o gerente administrativo me afastou do caixa, mas me colocou no recadastramento, na época em que havia muito movimento. Eu escrevia, carimbava, grampeava a tarde inteira; quando reclamava que estava com dor, ele alegava que era porque eu estava parada muito tempo e isto era normal (...) encaram nosso problema como 'frescura' para não trabalhar por causa de alguma dorzinha, muitos dizem. Aqueles que não têm o problema ou nunca tiveram acham que nossa doença não é nada, que é psicológica (...)
{D.323} A primeira vez que voltei ao trabalho, voltei contente. Depois foram tantas humilhações que hoje só em pensar em voltar fico ainda mais doente. Na última vez que voltei, meu administrador pediu que eu não conversasse com os colegas e os proibiu de falar comigo. E da última vez ainda, um dos meus administradores disse que teria um servicinho bom, sossegado, gostoso de se fazer: era no computador. Aí eu vi que era caso perdido. Depois de chorar direto vários dias, achei que era hora de ter mais amor próprio, procurar não me sintonizar muito com esse tipo de coisa e parar de pensar em morrer. (...)
{D.324} (...) fiquei quatro meses de licença, sentia-me rejeitada na agência, não conseguia manter relacionamento com meus colegas da ativa; a doença é invisível e todos falam que os doentes de LER são aproveitadores, vagabundos. Acabei por fazer um ultra-som em máquina não adequada (de propósito) para poder voltar a trabalhar, logo, ser normal outra vez. Fui transferida para o PAB (...), atendimento linha de frente e tive que assimilar todas as funções rapidamente pois o tempo voava, o volume de serviço era imenso e eu não podia marcar bobeira, isto é, de desmanchar uma imagem de 'ótima funcionária' que eu havia demorado 15 anos para construir. Quer queira quer não, o Banco, os colegas acabam exercendo pressões que vêm de todos os lados para você se sair bem em tudo, e não ser tida como lixo, pois a maioria pensa que LER é lixo. Aprendi tudo; para mim sempre foi fácil aprender; consegui me sobressair, exercia inúmeras funções, a correria era geral, não se parava um minuto, eu acabava ficando além do horário e trazia serviço para casa. O cansaço ia aumentando assustadoramente. Em casa, eu desmoronava, não prestava para nada, trabalhar no Banco consumia toda energia que eu pudesse ter no corpo. Perdi completamente a força nas mãos, não dormia à noite de dor nos braços, não conseguia dirigir, as pequenas coisas se tornavam grandes problemas, estava cada vez mais incapacitada, impotente diante de tudo aquilo que vinha acontecendo. Hoje, para escrever esta redação, o esforço é enorme, a caligrafia horrível, nunca parei de tratar, trabalhei oito meses e finalmente fiz o ultra-som e a doença estava bem pior.
Continuo sentindo a discriminação no Banco; sinto dor sempre, evito ao máximo ir lá, só em último caso. O problema agora é que sinto estar cada vez mais dependente de outras pessoas pra tudo, parece que acabou minha liberdade, minha capacidade pra fazer qualquer coisa. É duro ficar assim, principalmente para mim que sempre achei o trabalho, a produção, o ser útil, ótima fonte de saúde mental.
{D.328} O maior sofrimento que me causou o trabalho foi o local de trabalho, onde 'colegas' nos olham de lado porque não podemos colaborar o mesmo número de horas de graça e que por esse motivo me sobrecarregavam dentro das minhas seis horas contratadas pelo Banco. (...)
{D.331}(...) Retornei ao INSS pela 2ª vez depois de uma cirurgia, ficando afastada dois anos. Estou prestes a retornar pelo mesmo motivo, agora agravado bila¬ teralmente. Só queremos que nos dêem um pouco mais de valor, pois afinal não pedimos para ficar doentes. Tenho capacidade limitada, não posso produzir como antes, mas sou um ser humano que quer e tenta ser útil; nem propostas de seguro de vida podemos fazer, perante nossos colegas somos folgados, a administração nos anula, e ficamos esquecidos nos cantos; mal sabem eles o quanto sofremos com isto e como corremos atrás de médicos e INSS, ficando horas sentada num banco desde sete horas da manhã para simplesmente conseguir passar por uma perícia médica.
{D.335} (...) Mas eu gostaria que houvesse uma melhor compreensão do problema por parte dos colegas, principalmente pelo fato de que todos estamos sujeitos a esse problema. Espero que um dia as LER sejam aceitas como um fato real e não como 'fricotes', como atualmente pensam colegas e a diretoria do Banco. Espero, também, ver extinta a expressão 'LER deza', que atualmente se ouve quando dizemos o nosso problema.
{D.344} Quero relatar aqui fatos que acontecem e que acho desumano com um funcionário que durante anos dedicou a maior parte do tempo em serviços para o Banco, visando sempre o lucro dessa instituição (...) quando obtive alta do meu médico e do INSS, por apresentar considerável melhora voltei a trabalhar, mas em agência, pois a CESER fechara. Por se tratar de uma agência nova e pequena, achei que teria uma boa oportunidade para bom desempenho e aprender novos serviços. Lá cheguei e entreguei à gerência uma carta do meu médico, alertando que eu não poderia fazer certos tipos de serviços, pois estava de alta provisória. Logo que comecei, colocaram-me para fazer serviço de. retaguarda, pois com a extinção da CESER ninguém sabia fazer o serviço, e com a promessa que seria por pouco tempo e depois faria outro serviço fiquei dois meses e depois fui para a central de atendimento, aonde fazia de tudo um pouco: abertura de conta, poupança, débito em conta etc. Também esclareci minha chefia que precisava, uma vez por mês, fazer acompanhamento médico, o que nãofiz, pois cada vez em que falava em ir ao médico, só queriam saber como é que eu ia fazer para repor o horário. Acabava desistindo e em um ano fui três vezes, ainda porque o DSO me mandou alguns relatórios para o médico preencher. Quando foi em março, sentia dores novamente, fiz outro exame, e voltou a acusar o meu problema, mas por profissionalismo não me afastei; eu mesma procurei me ajudar, mas fiquei muito desanimada quando me disseram que ninguém se responsabilizaria pelo que viesse a acontecer comigo, mas quando ameacei em ir ao DSO resolveram mudar de opinião. Daí em diante continuei meu serviço, dias passando bem, dias com muita dor e desânimo. Quero ressaltar que em nenhum momento fui poupada de algum serviço; eu é que me continha e com ajuda de colegas, pois são passados os mais diversos serviços. Agora, em outubro, tirei 20 dias de férias e quando voltei me foi passado os serviços que mais exigem esforços repetitivos, pois um colega responsável pelo setor está saindo de férias (ações, seguro, mapas de produção e fora o serviço diário de rotina, como abertura de conta etc.). Logo no primeiro dia tive que passar ordens de comprar ações pelo telex, ainda tive que aprender a lidar com telex,fiquei digitando mais ou menos duas horas seguidas. Resultado: não dormi a noite toda de dor que nunca mais passou. Eu acho muita sacanagem fazerem isso comigo (...) Estou chateada, desanimada e revoltada. Não adianta carta de médico, DSO, conversas; ninguém tem consideração com os funcionários. Estou tão ruim quanto quando me afastei. Sinceramente não sei mais o que fazer. Peço que me auxiliem dizendo que atitude tomar, pois não gostaria de ser prejudicada mais ainda pelo Banco, porque pelo que todos sabemos estamos passando por uma crise muito séria, temos medo de demissão. (...)
As buscas e as mazelas Institucionais
{D.6} Faz um ano e sete meses que estou afastada; embora tivesse grande melhora, ainda não consigo fazer quase nada em casa, nem dirigir, não posso viajar e tudo piora o meu estado. Hoje estou me sentindo melhor, porque estou vendo que não estou sozinha. Mesmo assim estou confiante de que ainda posso fazer algum tratamento e que eu possa voltar a fazer tudo o que eu fazia antes.
{D.48} Me senti útil quando voltei a trabalhar. Me sentia arrasada, depressiva e limitada antes. Agora, com toda a ajuda do terapeuta, acupuntura, hidroginástica e natação me sinto espiritualmente em paz comigo. Acho muito ruim a CABESP128 não querer me reembolsar os gastos com acupuntura. E eu não recebi nenhum aviso de que não seria ressarcida. Me senti desamparada, como antes; o INSS é desesperador; fui até a CABESP ver sobre o reembolso e fui tratada como no INSS. Achei terrível, parecia que eu era uma mentirosa, ladra e idiota. Ainda não paguei o total à massagista; ela fez em três parcelas para eu pagar. E tenho que procurar outro acupunturista cadastrado, se eu quiser. A hidro e a natação eu sempre paguei pois a CABESP não reembolsa. Estou chateada, mas vamos ver no que a AFUBESP129 pode me ajudar. Acho que mereço respeito por parte dos banqueiros, porque ajudo eles a ganharem muito dinheiro. Entro no Banco com saúde e saio prejudicada, isso não tem cabimento.
{D.50} Coincidência ou não, no dia que emiti a CAT (...) o dr.... foi na minha agência (...) juntamente com (...) fazer uma palestra sobre LER. Depois em uma sala reservada, somente com os lesionados eu comentei que estava com LER e mostrei meu laudo médico. O dr. (...) disse que meu laudo não dizia nada e que meu médico estava tirando o dele da reta. E quem podia provar que eu não tinha pegado a doença lavando ou passando roupa? Isto está registrado no DSO pois fui direto para lá, fiquei desorientada. Agora me diga se dá para acreditar em alguém.(...)
{D. 78} Desde 07/89 tenho LER Fui afastada por auxílio-doença e não por acidente de trabalho por falta de informação e má-orientação, fiquei oito meses afastada e voltei na mesma função, ou melhor no CESER, em outra bateria, mesmo o atestado tendo o código de tenossinovite. Voltei a entrar em licença em 07/92 e estou de licença ainda, agora com CAT retroativa à 89.
{D.79} Há anos que trato das minhas dores como se fossem só bursite ou calcificação nos ombros e problema da coluna (desde 1974). Meu médico, dr. (...), nunca me alertou sobre LER, pois ele não é e nunca foi favorável ao afastamento por LER Só fazia raios X da coluna e ombro; desde 1982 que ele é meu ortopedista sem nunca ter diagnosticado meu problema. Só em 1992, quando não pude mais escrever é que através da eletromiografia foi diagnosticado Síndrome do Túnel do Carpo, que fiz a cirurgia e em seguida todos os exames comprovaram LER, mas o DSO, por erro, me afastou seis meses com auxflio-doença, pelo INSS. Atualmente (há dois meses) é que o dr. (...) do DSO verificou que meu caso é gravíssimo e me afastou com a CAT, pelo INSS, pela primeira vez.
{D.87} A minha preocupação com relação às conseqüências das LER vai no sentido de que a volta para o trabalho se dá de maneira inadequada. Tanto administradores quanto os escriturados, com raras exceções, não entendem ou não acreditam na intensidade da dor e na preocupação que temos com as limitações adquiridas. Não existe sequer uma tentativa de aproveitamento do nosso potencial produtivo na área intelectual, de criação, de produção teórica etc. Normalmente, aos piores serviços (aqueles que eles acreditam que não nos incomodarão fisicamente) é que somos encaminhados. O CRP, por sua vez, tem um papel meramente figurativo (no meu caso, até hoje não se fez presente no meu estágio) e não ajuda muito na readaptação.
(D. 94} Tive durante três anos dores terríveis e o médico a quem eu comparecia dizia que eu tinha um cisto no punho; durante dois anos seguidos me fez infiltrações, no terceiro ano indicou uma cirurgia para retirar o cisto; feita a cirurgia ele constatou que não havia cisto e fechou a cirurgia. As dores aumentaram, fiquei com a mão direita imobilizada. Indicado pelo DSO, um outro médico de São Paulo, depois de muitos exames, fez uma cirurgia exploratória onde diagnosticou os meus problemas de LER (...) O diretor do Banco e a gerência me indicaram uma médica que me receitou tomar remédios que me deram dependência e muitas reações psicológicas e orgânicas (...). Me senti meio cobaia.(...)
{D.95} (...) com relação ao INSS, a impressão que se tem é que os peritos não conhecem a doença. Não sabem que em 30 dias não estaremos curados, pois quase todos eles nos pedem para voltar nesse período, o que é muito penoso (...) com relação à administração, é simplesmente lamentável um adrninistrador não conhecer as LER dentro do BANESPA. Pelo menos eu prefiro crer que é por ignorância (desconhecimento sobre o assunto) que eles têm tomado certas atitudes. (...)
{D.100} Quando dei entrada na CAT no INSS, apesar de portar o diagnóstico médico da CABESP, da Coordenadoria de Acidente do Trabalho do PST (SUS)130 e a ultra-sonografia positiva para a LER, a Perícia não reconheceu o AT131 até que eu entrasse com recurso. (...)
{D.101} Gostaria de registrar que sou canhota, porém nesses seis anos em que trabalhei no caixa sempre digitei com a mão direita e a doença surgiu nesse lado direito. Sempre quis retornar ao trabalho, porém ao ser encaminhada para o GRP, tive que aguardar por seis meses por uma vaga para a primeira entrevista. Se o Banco pudesse interferir nesses assuntos ajudaria muito ou mesmo apressaria a solução dos casos e todo o trabalho que temos junto a esse órgão.
{D.116} O maior problema dos afastados é o INSS, onde somos maltratados, como se tivéssemos pedido para ficar doente. Acham que não queremos trabalhar porque estamos ganhando na moleza. Na última perícia minha o médico me virou os braços para todos os lados, apertou; depois, nos outros dias, tive dores horríveis sem poder levantar da cama. Pior é que a gente tem que ficar quieta, sem ter para quem reclamar, acho que devíamos ter mais apoio do Banco para esses casos.
{D.172} Espero que o Banco crie logo métodos de prevenção para evitar a doença, pois na prática, nas agências nada disso acontece. Espero também que reconheça de alguma forma o esforço de colegas que, como eu, voltaram a trabalhar voluntariamente (...)
{D.176} Durante todo o tempo que estive de licença, sofrendo humilhações do INSS e mesmo quando reabilitada sem condições de retornar e sem alta médica, não foi feita uma perícia de avaliação com profissionais capacitados e da especialização da área a que se refere, sendo, no entanto, a mesma feita por ginecologista. O que nos deixa muito a desejar pela injustiças que por aí ocorrem. Isso é mesmo revoltante!
{D.193} (...). A falta de um diagnóstico e tratamento precisos, mais o afastamento prolongado sem uma assistência adequada, na minha opinião, é que agrava o quadro de LER. Pois além das lesões físicas, causa sérios problemas psicológicos para os portadores de LER (...)
{D.197} O meu tratamento foi prejudicado um pouco pela gravidez, pelo fato de ter que carregar o neném, pioraram as dores. Quanto ao CRP, minha médica escreveu uma carta ao INSS para me encaminhar para este órgão. O médico do INSS se recusou a receber a carta; fui maltratada pelo médico, o qual me deu alta dizendo que não me encaminharia ao CRP, pois ia dar alta a todas as pessoas com LER.
{D.211} Nos meus dois anos e quatro meses de afastamento, fiz duas operações, com intervalo de um ano uma da outra. Depois da primeira operação (compressão do túnel do carpo), o médico me descartou, dizendo que eu voltaria a trabalhar em duas semanas, mas isso não ocorreu, pois ainda continuava com dores no punho, braços, dedos enrijecidos, 'fisgadas' e 'choques' na mão. Continuei tratando, mas sem resultados, durante mais de um ano, até que, com muita esperança, implorei ao outro médico que me assistia que me operasse novamente. Depois de muito sofrimento, sem resultado pela segunda vez, comecei a ter crises de choro freqüentes, angústia, tristeza e dores fortes no peito. Entrei em profunda depressão, até que comecei a me tratar com um psiquiatra e muitos medicamentos, que eu uso até hoje. Pedi alta ao meu médico, pois a conselho de meus colegas de trabalho, me sentiria melhor voltando às minhas atividades. O médico do INSS não quis me mandar ao CRP, concluindo em meu cartão pericial: 'alta sem seqüelas'.
{D.212} Eu sofri três operações. Sinto muita dor. Respondi este questionário com a mão esquerda, embora eu seja destra, mas eu estou com muita dificuldade de escrever ou fazer qualquer coisa com a mão direita, mas por incrível que pareça eu também estou com a mão esquerda muito inchada, por isso não está muito clara a minha escrita. (...)
{D.213} A doença e sua inevitável conseqüência em relação à capacidade de trabalho (produção) precisa ser esclarecida e respeitada pela administração do Banco, sem o que não haverá perspectiva alguma de sequer prevenir as LER. A má distribuição de trabalho (funções/tarefas) está sempre presente nos setores com casos de LER, além, é claro, da pressão, desorganização e prepotência da administração. O excesso de trabalho com as horas extraordinárias transformadas em horas ordinárias, aumentando conseqüentemente a jornada diária de trabalho, somado à necessidade de rápida execução das tarefas diárias, também têm contribuído para o aparecimento dos casos de LER. É preciso que se esclareça a todos os afetados pela doença que durante o afastamento e na eventual aposentadoria por invalidez o Banco economiza recursos; pois é o INSS que deve cobrir a maior parre dos benefícios. Se o número de casos de LER, não apenas no BANESPA, mas em geral, vêm crescendo, por que o INSS não providencia medidas para cobrar, de maneira efetiva, das empresas envolvidas, a prevenção e correta realocação dos lesionados?
{D.216} O que eu achei incrível foi que depois que o INSS me mandou para o CRP já cheguei lá para praticamente voltar a trabalhar, pois a psicóloga achou que minha cabeça estava ótima, a terapeuta ocupacional só nos chama para dizer que temos que acostumar com a dor, o médico do CRP nos fala que estamos lá só para ganhar os 40%; então nós acabamos voltando para o trabalho, pois não agüentamos ouvir tanta besteira. No meu caso tenho inchaço no braço todo e está acontecendo de reter líquido no corpo; às vezes, amanheço toda inchada, quando tem muito movimento no Banco e os telefones não param de tocar, não consigo nem me segurar no metrô ou ônibus, pois não sinto as mãos; outro dia eu cheguei a cair do ônibus. Mas apesar de tudo não agüento voltar para o INSS para ser maltratada.
{D.217} O afastamento foi uma decisão difícil devido a situação que se apresentava no Banco. Durante o período que trabalhei no Banco tentei assumir e desempenhar todas as minhas funções da melhor maneira possível. Tenho a consciência tranqüila que fui uma empregada à altura do Banco. Porém, ao ser afastada sinto-me desajeitada para entrar no Banco, olhares me fitando e desconfiando da doença (obs.: a essa altura minha mão já dói para escrever e a letra começa a piorar), pois não é visível como um gesso na perna ou um hematoma. Com o médico em Santo André me senti muito insegura em determinado momento do tratamento; procurei novos médicos, não dei atenção a nenhum outro comentário de pessoas que tivessem LER. Acreditei nos meus médicos, fiz o que eles mandaram. Agüentei o mais que pude as dores sem que houvesse uma dependência dos remédios. Preenchi o meu tempo livre com atividades físicas (hidroginástica) e intelectuais (leituras, conhecimento de novos assuntos). Coloquei o meu 'astral' lá em cima. Decidi me cuidar para poder voltar o melhor possível a desempenhar as minhas funções no Banco e espero que lá chegando nem mesmo tocar no assunto sobre LER, porque infelizmente na sociedade que vivemos as pessoas e muito menos os 'colegas' de serviço gostam de reforçar seus defeitos e não virtudes.
{D.225} O primeiro sintoma de LER foi mais ou menos há 10 anos. O primeiro diagnóstico foi tendinite. Fiquei com o braço direito imobilizado por 10 dias (...) Aparecem as dores, procuro o médico e sempre é diagnosticado LER Vêm as imobilizações e as licenças. Depois afisioterapia. Já faz tanto tempo...
{D.226} Recebemos o certificado de capacidade para trabalhar, e voltamos à ativa com promessas de uma reabilitação na própria empresa, com a devida orientação de que não devemos recorrer junto à JRPS.132 Eu me pergunto: e o Centro de Reabilitação Profissional, cadê as vistorias? e os centros de saúde das regiões, a real assistência à saúde? Quem não viveu o problema ou mesmo tenha tido conhecimento de causa e efeito, direta ou indiretamente é colocado como acomodado, desinteressado e outros adjetivos que acabam gerando, de uma forma ou de outra, problema de ordem psicológica. O trabalhador não pode reclamar de dores ou ir ao médico, pois acaba sendo marginalizado, portanto não há intervenção nos ambientes de trabalho com vista a eliminar ou reduzir as agressividades impostas.
{D.234} A readaptação deveria ser implementada pelo Banco, em conjunto com o INSS. O INSS, através do núcleo de reabilitação, deveria fazer um acompanhamento, mas não faz, e por sua vez a reabilitação pelo Banco não existe; o que acontece então? Eu respondo: o funcionário deve 'se virar' pois a gerência administrativa pouco ou nada pode fazer, seja por desconhecimento do que fazer ou por má vontade mesmo. Você é quase que jogado de um lado para outro sem saber o que fazer. Após três anos transcorridos do meu retorno à agência ainda me lembro das humilhações por que passei, bem como das gozações que fui alvo, não desejo esta doença nem para o meu pior inimigo. A minha revolta ainda é latente apesar de estar bem melhor, mas tenho que continuar fazendo fisioterapia periodicamente."
{D.244} Gostaria de registrar, neste questionário, as divergências existentes entre os próprios médicos quanto ao diagnóstico da LER e o tipo de tratamento mais adequado. Este fato nos leva à insegurança, muitas vezes sem saber a quem recorrer e em quem acreditar. Eu mesma já fiz vários tipos de tratamento, fisioterapia, tomei uma série de medicamentos, passei por vários cirurgiões e especialistas em mão e obtive respostas diferentes em relação ao tipo de tratamento que deveria seguir. Tenho indicações para uma cirurgia que até o momento não fiz por medo e insegurança, pois alguns dos especialistas em que passei não indicam, no momento, o tratamento cirúrgico. Já outros especialistas só acham solução para a LER através de cirurgia, mas sempre frisando que o resultado pode não ser 100% positivo e que seria uma alternativa para a solução do problema, isto é, uma tentativa, já que os outros procedimentos não apresentam nenhuma melhora. Em decorrência desses fatos me sinto confusa, insegura e, ao mesmo tempo, pressionada pelo INSS, que espera de mim uma definição para dar andamento no meu processo de acidente de trabalho. O pior mesmo é que estando afastada tanto tempo das minhas atividades no Banco, depois de tanto tratamento, medicamento e visitas a vários médicos e especialistas, eu me sinto pior, com dor constante, formigamento e inchaço nas mãos e no punho esquerdo, sem condições de realizar qualquer tarefa rotineira que exija um pouco mais de esforço. Exames recentes que fiz já indicam os mesmos sintomas e tenossinovite no punho direito.
{D.247} Fui o primeiro caso diagnosticado na agência; tive muitas dificuldades para a aceitação da doença por parte dos administradores e colegas e, também, falta de informação e orientação quanto a parte burocrática que o INSS exige, por parte da agência.
{D.257} O total de dias em que fiquei afastada foi exatamente um ano e dois meses. O INSS deu alta e encaminhou ao CRP em maio de 94. Fiz adaptação de 30 dias a contar do dia 06/06 até 06/07. Recebi alta e retornei às atividades em 07/07 na função de balcão de informações. No dia 27/07/94, voltei ao meu médico e este pediu novamente o meu afastamento. Entrei novamente com a CAT e fui afastada em 28/07/94, pelo INSS. Quando fui fazer a perícia o médico perito falou-me que eu não tinha nada e já assinou minha alta para o dia 29/08/94. No dia 23/08/94 voltei ao meu médico e ele afastou-me por mais 60 dias, mas como eu já havia recebido alta antecipada do INSS, procurei o DSO na pessoa do dr.(...). Este fez um relatório encaminhando à perícia do INSS contestando a minha alta. Foi pedido então pelo perito um exame de eletromiografia, o qual constatou que eu havia melhorado da compressão dos nervos, mas que meu braço ainda estava inflamado; ainda sendo assim recebi alta novamente.
{D.258} Embora não tenha tido alta do meu médico, pois os exames continuam dando resultado positivo e continuo com muitas dores, o médico da perícia do INSS me encaminhou para o CRP, dizendo que essa doença é crônica, com alguns períodos de melhora e outros de crises, e que devo aprender a conviver com essas dores e que deveria procurar a adaptar-me a um novo tipo de função no trabalho, e que não adianta continuar afastada do trabalho.
{D.271} Saí de licença em outubro de 1993. Em dezembro, quando passei na perícia, o médico do INSS me deu alta por eu não ter levado nenhum relatório médico. Mas eu achei que já dava para trabalhar, pois estava me sentindo muito deprimida por estar afastada do serviço. Mas quando passei pelo DSO para avisar que o médico havia me dado alta, nem sequer consegui falar com a médica, que era a dra. (...), pois o dr. (...) que estava acompanhando meu caso estava de férias. Falei com a médica por telefone, pois ela disse que não havia necessidade de ir até o consultório e me mandaram para o mesmo setor, sendo que o dr. (...) havia dito que teria que mudar de seção. Em uma semana de trabalho, minha mão e meu pulso incharam novamente e tive que reiniciar o tratamento, tendo que colocar novamente gesso por 15 dias e voltar a fazer fisioterapia. Achei um descaso muito grande por parte da dra. (...) e mesmo da chefia da minha seção.
{D.2 78} A meu modo de ver, creio que desde a época que foi diagnosticado o meu caso, pouca coisa mudou no que tange a uma ação preventiva da doença por parte do Banco. Alguns avanços foram conseguidos em relação ao tratamento e readaptação, mas acredito que o preconceito e a incredulidade em relação à LER exista, fortemente, na cabeça da maioria dos administradores e alguns escriturários. Com relação ao auxílio concedido pelo INSS em relação ao meu caso, devo dizer que desde março de 93 foi concedido e até hoje (24/10) não recebi nenhum centavo. Gostaria muito que a AFUBESP me desse apoio para resolver essa situação, já que normalmente num prazo de 40 dias os beneficiários passam a receber o auxílio-acidente (...)
{D. 316} A observação que eu gostaria de fazer é que eu não entendo porque o CRP dá alta do tratamento alegando que a gente já ficou seis meses, sendo que houve meses em que teve só cinco dias, oito dias, dez dias etc, de tratamento, e eles contam como se fosse um mês. Eu senti que eles (não são todos) não querem saber se você melhorou ou não. O que eles vêm é o prazo em que se está tratando. Como pode haver um prazo? Como podem saber se você está pronto ou não? Senti também que há uma desconfiança em relação aos adoentados por parte de quem está nos tratando. Eles deveriam fazer ou pedir mais exames, para provar se houve ou não melhora. Acho que o Banco deveria se preocupar mais em relação aos seus funcionários. Tanto antes da LER como depois. Somos bem tratados antes da LER; depois dela, depois que nos afastamos, nossos 'colegas' nos ignoram. No começo isso me afetava, mas agora não. Só acho que o Banco deveria abrir os olhos destas pessoas tão pobres de espírito. Demos muito de nosso sangue para o Banco para sermos tratados com tanta indiferença. Eles têm que ver que poderemos dar, não importa que seja em outra função. Só queremos ser tratados com mais respeito.
{D.317} Fui afastada das atividades em 22/01/92. No começo foi uma maratona, de médico, laboratório, INSS,fisioterapia, que me tomava todo o tempo. Mas com o passar dos meses e com maior consciência da limitação de não poder fazer coisas, ou ter atividades 'normais', comecei a pirar. Fui para a terapia e em setembro de 92, não agüentava mais ficar parada. Fiz a reabilitação pelo CRP e retornei, definitivo, ao trabalho em janeiro de 94. A limitação nas minhas atividades no Banco é mais ditada por mim mesmo. Apesar da chefia entender, não gosta muito. (...)
Retomo ao trabalho e incapacidade
{D.9} Acho difícil que quando retornar ao trabalho continue sendo vista como a mesma profissional. Mesmo porque não serei a mesma, apesar de acreditar que eu possa recuperar-me e até surpreender, pois tenho muita fé que esta situação vai passar. Não quero ser vista como portadora de LER para sempre, e tenho medo de que precise esconder a doença para ser aceita novamente como a boa funcionária que tenho certeza ter sido. Por isso, junto todas as minhas energias positivas para garantir a cura, com todas as letras. Não acredito que eu precise de terapia, tenho a consciência tranqüila e o único pedido que tenho a fazer é a compreensão dos colegas, que é primordial para que os bons resultados apareçam. Como disse no início, talvez não seja vista como a mesma profissional, mas que pelo menos para mim eu continue sendo capaz de superar estas crises.
{D. 15} Gostava tanto do meu serviço (nem eu sabia disso) que ao me afastar do mesmo, de meus colegas que considerava 'uma família' e de meus clientes, deixei lá metade de mim, literalmente falando. Estou afastada há uns 17 meses, mas ao ver a indiferença e até a desconfiança existente, pergunto-me se vale a pena me entrosar novamente e tentar me readaptar. A perda não é só física.
{D.27} Gostaria de registrar que além de todas as dificuldades que tive/tenho com a doença, o que mais ficou marcado foi o descaso dos administradores e alguns colegas. Gostaria muito que houvesse maior esclarecimento com a administração para que isso fosse evitado. Estou em reabilitação no INSS de São Bernardo do Campo e fui informada que irei receber um auxílio-doença de 40% (do salário do INSS), mas que nunca mais poderei trabalhar no caixa. Achei um tanto radical dizer que nunca, será que eu não posso melhorar/curar? J á na agência administrativa recebi telefonema da assistente social do INSS confirmando meu novo cargo, (...) uma supervisora direta disse-me que eu tenho que informar ao INSS que não vou perder a comissão de caixa, porque então receber os 40% de auxílio? Além de tudo somos invejados!
{D.28} (...) é a única atividade que faço e das atividades que exercia antes da LER restam poucas que ainda posso exercer... que posso falar sobre isso?! Não me ocorre nada, é um fato com o qual tenho que viver e o tenho feito do melhor modo. Acho que estou fazendo isso de modo a manter o meu gosto pelas coisas e pela vida. (...)
{D.30} (...) Por mais que eu pense em relação à volta ao trabalho, não consigo ver uma função compatível com o portador de LER.
{D.31} (...) Na primeira semana me senti muito deprimida e sob pressão, no Banco. Mas felizmente mudei de chefe e estou me readaptando. Eu era caixa e agora estou na central de atendimento telefônico; estou sentindo certa dificuldade pois, às vezes, me sinto inútil no setor, mas ao mesmo tempo é bom que o serviço seja mais leve para que o impacto da volta seja menor. Estou muito emotiva e espero superar esta fase de adaptação. (...)
{D.77} Eu passei por uma experiência muito horrível, não gostaria que meus colegas passassem por isso. Estou na reabilitação pelo CRP (o DSO queria me readaptar para um serviço muito repetitivo e desgastante, recusei a fazer estágio e o DSO mandou procurar vaga). Aí começou o sofrimento dentro do próprio Banco, as portas se fecharam, eu senti que tem muitos trabalhos lentos e bons para quem tem LER, mas quando a gente fala da doença para o administrador a vaga desaparece. Isso prejudica muito, a gente sente humilhada. (...)
{D.85} Tenho o prazer de ainda me sentir uma pessoa produtiva. Os sintomas da doença estão sempre presentes. Tive muitas dificuldades ao retornar do CRP para reabilitação na agência que, no final, foi colocada à disposição para quem quisesse receber a sucata. (...)
{D.86} Já estive afastado duas vezes. No início do retomo (adaptação) funciona bem. Depois de um determinado período retorna todas aquelas causas que te levam ao afastamento, devido, principalmente, à falta (carência de funcionários); fica difícil, pois estamos presentes e não vamos jogar a carga em cima de nossos colegas, dessa maneira nos esforçando mais do que a nossa capacidade física suportaria.
{D.90} Após o retorno ao trabalho é quase impossível continuar fazendo algum tratamento, pois além das atribuições do Banco sou dona de casa, mãe e esposa, tendo que dar conta de tudo. Para se fazer uma fisioterapia tem que se ir ao local e nesta grande cidade com o trânsito infernal perde-se muito tempo, o Banco poderia nos dar oportunidade de tratamento reduzindo a jornada de trabalho para que o lesado pudesse continuar a se tratar, pois com o corre-corre acaba ficando estressado, piorando o quadro de LER
{D.92} Fui submetida a uma cirurgia para parar de vez e isso não aconteceu. Isso me deprime um pouco e sinto-me bem desanimada; medicamentos via oral não suporto mais tomar, pois meu estômago não aceita mais tanto antiinflamatório e analgésico, sinto muita dor de estômago. Nunca tive doença alguma. Gostaria de voltar a ser como antes, cheia de vida e muita alegria. Mas como conseguir? Estou tentando mas está difícil!
{D.114} Gostaria de esclarecer o seguinte: há aproximadamente três anos venho tendo dores e nesse tempo todo já procurei médicos ortopedistas, fiz várias vezes fisioterapia e tratei com massagens. Havia sempre uma melhora e logo em seguida uma nova piora. Em dezembro de 93 foi feito o ultra-som e conseqüente diagnóstico de tendinite, mas não houve um tratamento devido à minha gravidez. Fui afastada em 04/01/94 e tive alta em 16/02/94 para entrar com licença-maternidade. Fiquei longe do Banco até agosto de 94, quando retornei para a mesma função de caixa, para avaliar como eu me sentia. Trabalhei quatro semanas e fui novamente afastada a partir de 19/ 09/94. Agora estou fazendo fisioterapia e tendo orientação médica a respeito do que posso ou não fazer, visto que houve uma piora do meu estado. O médico solicitou afastamento de 60 dias.
{D.180} Quando senti os sintomas, procurei o DSO e fui muito bem atendida; logo fui afastada do caixa, mas não adiantou, fui afastada pelo INSS. Ao retomar, mudei de setor. Estou no setor de atendimento ao público, bato no computador pouco, mas quando abuso sofro de dores, mas sei que tenho que me acostumar com a dor. Faço natação e ginástica, que resolvem muito bem a dor. O pessoal do setor já se esqueceu que tive ou que tenho LER e de vez em quando pedem um serviço mais forçado e os lembro do meu problema. As pessoas são muito esquecidas, então só a própria pessoa sabe o que sente. (...)
{D.182} Fui operada na mão esquerda com Túnel de Guyon133 há um ano atrás. Afastei-me do caixa mas estou na cobrança somando borderôs. Agora estou com dores no braço direito; portanto, é difícil adequar um funcionário com problemas em outro setor que não haja esforços repetitivos.
{D.191} Quando em outubro eu me senti mal, começou a minha peregrinação por médicos. Em novembro consegui um médico que atestou ser tenossinovite. Aí fui afastada com a CAT. Fui encaminhada ao INSS. Marcaram a perícia para 1/12/92, o médico me deu alta. Pedi uma CAT retorno. Novamente fui encaminhada ao INSS. Perícia marcada para 15/01, novamente tive alta. Aí, o que fazer sem ter naquela época com quem conversar? Fui à agência. Informada que eu não voltaria ao caixa e nem que eu faria trabalhos que me prejudicassem, voltei. Acho que foi melhor pois encontrei o meu médico atual, que me dá força enquanto eu preciso e bronca quando eu necessito. Não tenho condições de fazer muita coisa, mas o que eu faço tem que ser feito com certa demora, pois o braço cansa muito.
{D.200} Estou afastada há um ano e meio, devo retomar ao trabalho em no máximo seis meses em outra função, com capacidade reduzida, recebendo pecúlio do INSS. Se as pessoas que têm LER são reconhecidamente os melhores funcionários, porque ficamos tanto tempo nas mesmas funções? Porque tendo nível superior, experiência, inteligência, habilidade, eu tenho que voltar para uma função que exige menos de minha capacidade? Porque eu não posso voltar para uma função melhor? Uma função em que minhas qualidades sejam reconhecidas? O meu braço tem LER, mas meu cérebro não. Eu estou em plena idade produtiva, não acho justo esse sistema, não acho certo que pessoas sem o mínimo preparo assumam as rédeas de nossas vidas, tendo visto casos de LER muito mais sérios que o meu, hoje sei até o perfil de quem vai ter LER, como ele trabalha, como ele se porta com relação à vida. Eu vou ter que trabalhar para abrir portas? Para coordenar filas de caixa? Isso me entristece.
{D.205} (...) pois muitas vezes a administração das agências não respeitam as limitações que o funcionário tem em desempenhar determinadas funções e forçam-no a fazê-las, prejudicando o funcionário e fazendo com que o mesmo volte a se afastar pelo fato da doença voltar a incomodá-lo e limitando-o até mesmo nas coisas em que já estava apto a fazer.
{D.214} Estive afastada por esses problemas da LER de 1987-1988. Após esse tempo tentei retornar ao serviço, mas infelizmente quase todo o ano de 1989 foi só de licença. Até que em dezembro de 89 o INSS aceitou o meu problema como doença profissional. Nesse mesmo ano (mais ou menos em abril de 89), comecei a apresentar problemas psíquicos que foram diagnosticados como síndrome do pânico. Faço tratamento de psicoterapia. As vezes, tenho crises de muita depressão, pois é difícil enfrentar tantas síndromes assim, não é? Aliás, para passar para o papel esses dados é até difícil, pois a mão não acompanha mais a velocidade do nosso (meu) pensamento. Tudo isso dói muito 'aqui dentro', mas tomara que coisas boas aconteçam e providências sejam tomadas para que outros colegas não venham a passar por isso que eu estou passando há sete anos. (...) Um grande abraço a todos vocês, força nessa luta que é nossa.
{D.229} Gostaria de observar o total desconhecimento do médico DSO, juntamente com a analista, me colocando praticamente contra a parede para que depois de dois anos afastado do caixa, visto que 'segundo eles' estaria sarado, como se eles soubessem o que nós sentimos, como se a LER passasse de uma hora para outra. Eu acho que eu não teria escolha, ou voltasse para o caixa ou perderia a comissão. Preferi perder a comissão e deixei aquele ambiente horrível com muita raiva da raça médica e psicológica do Banco, que não entende nada dessa doença que para mim não sarou. Tanto é que, no terminal, eu sinto que ela se apresenta. Imaginem vocês se não voltaria com mais intensidade no caixa. Pois bem, me fizeram optar e eu me senti sozinho contra o Banco, é isso aí, o lado mais fraco sempre arrebenta. (...)
{D.240} Fui fazer estágio de adaptação na agência, estágio solicitado pelo CRP (INSS) e senti bastante dificuldade, e foi acentuada pela discriminação sofrida pelos colegas, com comentários maldosos e com falta de vontade de ensinar as novas funções. Fiz dois estágios de 30 dias e houve uma piora muito grande no meu tratamento. Sugiro que a volta dos portadores de LER seja com mais dignidade e que o Banco não abandone estes funcionários que desejam voltar a ser considerados como banespianos.
{D.241} Pode parecer impressão minha, mas o tratamento dos colegas que estão trabalhando muda para com os que estão afastados, algo assim como que a 'gente quisesse estar doente para não trabalhar'. Obviamente não são todos, mas a maioria trata com descaso. Desculpe a letra mas minha caligrafia ficou péssima depois que tive as dores mais fortes nos braços. (...)
{D.248} Abandonei o tratamento após alta do INSS em 27 de abril de 1993, devido discriminação na agência e familiares; muita burocracia junto ao INSS, humilhações e outros fatores; sentia-me pior, a dor aumentava, o tratamento não resolvia nada; sentindo-me inútil voltei ao trabalho, não com a mesma dedicação; fazia apenas o que agüentava, o resto engavetava. Voltei a me tratar em agosto de 1994 devido inchaço no punho e aumento das dores, até hoje não me considero melhor, um dia a dor é intensa, no outro não sinto nada.
{D.252} Um dado importante é que me sentia culpada por não estar trabalhando, mas com acompanhamento de um psicólogo fui atenuando esta culpa, sendo assim acho importante um acompanhamento psicológico. Também terapia das mãos e braços em um acompanhamento a longo prazo, pois se volta a trabalhar sem ter um diagnóstico preciso, a tendência é piorar. Acho que por estar afastada, sinto um tipo de preconceito até mesmo dos cargos mais elevados no Banco, pois ninguém se preocupa ao menos em mandar um informativo das mudanças que ocorrem em sentido funcional. Tive que escrever isso em várias etapas, pois já não consigo nem escrever direito que vem a dormência na mão, assim, desculpe-me pela letra.
{D.253} A doença depois de instalada limitou muito a minha vida. Tive que colocar uma empregada doméstica em casa porque já não posso realizar os afazeres domésticos, este fato está onerando meu orçamento mensal, grandemente. Atividades como escrever à mão já não posso fazer como antes, o meu braço dói muito quando escrevo, por menos que seja, e isso me entristece muito pois me atrapalha muito na faculdade; no início da doença eu não conseguia nem assinar o nome. Não consigo nem segurar a minha filha por muito tempo. Essa doença, ou melhor, essa lesão nos perturba as 24 horas do dia, insistentemente nos atormenta, pois qualquer movimento causa alguma dor e isso nos afeta psicologicamente; fico muito triste quando penso que adquiri LER.
{D.254} Em primeiro lugar não se consegue uma melhora, pois estamos de mês a mês ou dois ou três meses sendo obrigados a fazer perícia médica no INSS, o que nos causa uma apreensão muito grande e ao invés de melhorarmos piramos, porque vivemos sempre tensos sabendo que de uma hora para outra teremos que retornar ao trabalho sem grandes melhoras, como eu que retorno na semana que vem, 20/09/94, quase que na mesma em que saí, com uma diferença: estou com o braço direito todo retalhado, a dor é diária, e não há mais nada que fazer a não ser aceitar a decisão do INSS. O nosso maior medo, no entanto, é que quando passar esse ano de estabilidade no emprego, ainda poderemos ser mandados embora, porque ninguém vai querer uma pessoa inválida trabalhando. Esse período de readaptação é só 60 dias e depois teremos meses com dor, trabalhando da mesma forma mesmo sem agüentar, temendo algo que possa acontecer.
{D.261} Atualmente estou no período de estágio na agência, na sessão de 'cadastro' teoricamente; porque não domino totalmente este setor, e por este motivo sinto que algumas atividades são jogadas para desempenhar; tipo: 'para você não ficar parado, você vai aprender essas coisas simples como: alguma coisa de cobrança'. (...)
{D.262} O que me deixa triste é estar fora da minha função como escrituráriocaixa, o que muito gosto de fazer. Após o período inicial de tratamento, quando a dor era muito forte e foi necessário que eu usasse tala removível, antiinflamatórios e dezenas de sessões de fisioterapia, retornei ao trabalho em outra função; acredito que retornar ao trabalho foi a melhor terapia, pois deixei de me sentir inútil. Até hoje as dores aparecem uma ou duas vezes por semana; a dor permanece por três ou quatro dias quando tento fazer fisioterapia com bolinhas de espuma especial adquiridas para este fim. (...)
{D.273} Uma observação que gostaria de expor aqui é em relação ao funcionário que retorna ao trabalho, após o recebimento da alta, isso em relação aos que ficaram muito tempo afastados como eu. Dias antes do retorno ao trabalho tive gastrite nervosa provocada pela ansiedade e insegurança. Já trabalhando, por duas vezes tive que ir ao consultório dada a minha total debilidade emocional. Consegui me recuperar em pouco tempo com três sessões terapêuticas, e, o mais importante, com a compreensão que tive por parte da chefia. Estou aqui questionando até que ponto é válido o CRP, no que ele se propõe (reabilitar o funcionário em sua total integridade profissional), já que as datas das entrevistas são superespaçadas, tornando-se assim, acredito eu, ineficaz naquilo que se propõe. Sendo assim, qual é a posição do DSO frente a isso? O questionamento tem fundamento na medida em que são vários os casos que tenho conhecimento; eu tive sorte de trabalhar com chefia compreensiva, e os que não?!
{D.283} (...) Aposentei porque já tinha tempo quando saiu o 'sopão'134 e por isso não dei entrada em nova CAT apesar de ter os atestados médicos que necessitava. Hoje me arrependo poisfiquei com a lesão da doença e não recebi indenização nenhuma. Estou pensando em entrar com ação contra o INSS para pedir indenização pois me tornei uma inválida para a minha vida familiar.
{D.287} Essa dor na mão e no cotovelo eu já vinha sentindo há muitos anos atrás, só procurei o médico porque começou a adormecer os dedos e eu não conseguia segurar nada na mão, sem explicação nenhuma quando eu via o que estava segurando caía no chão, com isso quebrei vários copos e pratos de casa. (...)
{D.289} Bom, fiquei grávida em junho com a minha licença da tenossinovite. Como minha gravidez era de risco não pude fazer um tratamento com remédios, fisioterapia. Voltando agora ainda não posso tomar remédios por estar amamentando. Dói muito meus braços, pescoço, cotovelo, coluna, punhos e dedos. (...) Na vida diária dar de mamar (só deitada, porque não consigo segurar a nenê), trocar fraldas, lavar, etc. — é difícil por doer demais, mas tenho que fazer por não achar ninguém para me ajudar. Até escrever este questionáriofiz em partes pois não dá nem pra escrever.
{D.303} Apesar de ter restrições médicas quanto a movimentos repetitivos, é difícil evitá-los no Banco, quase sempre a gente se encontra a fazê-los. Se a gente executa alguma tarefa repetitiva com um ritmo menor, imediatamente os colegas tecem comentários de que estamos fazendo corpo mole, de que LER é uma desculpa para não trabalhar etc. Com base nisso, acho que nossa carreira no Banco fica comprometida, pois a chefia, apesar de muitas vezes nada dizer, relega-nos tarefas medíocres. Se a questão desempenho for realmente fator para crescimento, com base nas notas a gente nunca crescerá. Acho que esta é a maior dificuldade para nós lesionados voltarmos ao trabalho, sentirmos úteis na empresa.
{D.306} (...) minha vida é viver em médico, palestras e drogada de remédios. Já perdi esperança com palestras, com tratamentos, já me conformei em ouvir dizer: aprenda a conviver com sua dor e a sua doença. Estou há três anos afastada, com duas voltas de estágios, uma durou um ano, outra 15 dias, voltei a digitar e a usar o telex hoje. Tenho minhas mãos totalmente adormecidas, com degeneração dos nervos, não sou capaz nem de escrever mais, minha mão vai travando, e minha letra piora cada vez mais, tenho que parar a cada linha escrita. Estou retornando ao CRP novamente, para ouvir mais um pouco de abobrinhas; passei na perícia médica do INSS em agosto e só vou no CRP em fevereiro de 95. (...)
{D.312} Durante o período em que trabalhei como recepcionista, logo após ter alta do INSS, percebi grande melhora, porém era eu me descuidar e digitar demais ou escrever demais que as dores começavam a voltar devagarinho. Daí eu concluí que este problema nunca terá cura, só controlar.
Limites e tomada de consciência
(D. 11} Sinto muita dificuldade nos transportes (ônibus/metrô) por ter que segurar por muito tempo, os braços doem demais, apesar da LER ter sido diagnosticada somente no braço direito, eu também sinto dores no esquerdo (com mesma intensidade, apesar de ser destra).
{D. 14} A sensação que tenho é a de que sou um 'abacaxi* nas mãos dos administradores. Meus 16 anos de experiência nada valem se não posso passar o dia digitando ou datilografando. Quando estabeleço meus limites isso é recebido como uma simples recusa. Alguns colegas, inconscientes, acreditam (alguns declaram) que finjo-me de doente para não trabalhar. Em minha agência os casos (dois) são raros, o que faz do 'lesado' um 'ser estranho'. Ao lado da prevenção, deve haver uma política de readaptação dos já atingidos.
{D.23} Tem dias em que me sinto bem, mas outros em que me sinto muito mau, com vontade de sumir, é terrível! Como ainda estou trabalhando (não estou afastada), gostaria que houvesse mais encontros, comunicações como estas que está acontecendo hoje, pois não conheço quase nada da doença, e como conversando vejo que há várias coisas que estou fazendo errado, talvez poderá prejudicar e até aumentar o grau da doença (falta orientação em geral para nós lesionados e outros chefes e colegas não lesionados).
{D.34} (...) Quando adquiri a doença, meu estado psicológico era um. Quando me afastei procurei refazer uma série de conceitos e quando retornei ao trabalho adquiri uma outra visão de encarar as tarefas e o meu papel enquanto funcionária. Luto sempre contra minha necessidade de perfeccionismo e procuro não ser tão ansiosa o quanto era antes. Mas isso, reconheço, tem a ver com traços de personalidade e que faz o ser humano adoecer.
{D.37} Existe na minha agência um grupo de saúde que tem tentado esclarecer tanto os escriturários como os administradores, em relação à importância da prevenção da doença. Temos encontrado muita dificuldade em colocar em prática a nossa intenção, seja por ignorância das pessoas como também o 'bloqueio' da chefia. É necessário um trabalho bem amplo de esclarecimento da importância da participação de todos, mesmo daqueles que se julgam imunes à doença. Quando, no fundo, são futuros portadores de LER em potencial.
{D.43} Tendo em vista tantos casos de LER, tem que ser dada a devida atenção a todos. Mas deve ser feira alguma coisa para que não apareçam mais casos. Tratamento preventivo e deve ser bem discutido no ambiente de trabalho de cada um.
{D.47} Para entrar no Banco prestamos um concurso, esperamos um bom tempo para a admissão e quando assinamos o contrato estamos em perfeita saúde, porque passamos por avaliação médica do Banco. Ninguém nos informa que estamos caminhando para uma função de risco. Portanto, acho que o Banco tem por obrigação dar todo tipo de assistência. Não existe ninguém no Banco para nos orientar, acompanhar nosso tratamento, encaminhar e indicar especialistas e tratamentos corretos; deixam a gente se virar sozinho, passar por todos os tratamentos errados, sem sequer tomar conhecimento. O Banco precisa nos fornecer pessoas especializadas na doença para nos orientar. O mínimo que exijo do Banco é que me respeite como ser humano e que assuma que minha invalidez é de responsabilidade da empresa, portanto que me proporcione, ao menos, condições de ter um bom tratamento.
{D.49} Nesses quase nove meses de afastamento das minhas atividades profissionais e subseqüente tratamento para LER, gostaria de tecer as seguintes observações: a) existência de muito despreparo da rede médica quanto ao diagnóstico e tratamento da doença; b) total despreparo e/ou desconhecimento da administração e diretoria do Banco quanto ao tratamento humano a ser dispensado ao funcionário com LER; c) o peso emocional e psicológico de ter, de um momento para o outro, totalmente alterada minha rotina de vida. Tenho conversado com algumas pessoas (médicos, assistentes sociais efisioterapeutas) e todos são unânimes em dizer que o BANESPA deveria fazer algum tipo de convênio com a Faculdade de Medicina da USP afim de, em conjunto com uma das maiores universidades do Brasil, procurarmos não só a cura dos casos já existentes, mas também a prevenção devida.
{D.74} A volta a estar de licença será inevitável pois a administração da agência não se preocupa em manter períodos de pausa, nem com a função exercida pelos lesionados, submetendo-nos a trabalhos que exigem esforços repetitivos. (...)
{D.89} Difícil a realocação no serviço bancário por: discriminação, administradores mal preparados, inexistência de serviço que não utilize as mãos no serviço bancário, pressão, cobrança, falta de critério na escolha de serviço por parte da administração, incoerência e descaso por parte dos peritos do INSS que nem sequer examinam os exames e levam em consideração os fatos relatados, além da falta de educação e profissionalismo. Ex.: me deram alta sem ao menos verificar os exames realizados. Por experiência acredito que a pessoa com LER obtém melhora quando além do trabalho médico, esta pessoa retorna ao trabalho (obs.: desde que tenha condições no local de trabalho).
{D 111} (...) Essa ansiedade, o nervosismo que sempre acompanha os dias de pagamento e minha inquietude natural talvez tenham contribuído para o aparecimento do problema. Por isso acho importante o tratamento e a prevenção da doença entre os bancários, tanto em termos de esclarecimento, como de exercícios físicos obrigatórios para os funcionários, durante o expediente ou no final do mesmo, principalmente na época atual de nova moeda e política econômica, onde temos que enfrentar o corte de horas extras, o temido arrocho de salário (espero que só temido e não realizado) e possível quadro de demissões de funcionários, o que aumentará ainda mais a carga de serviços. Precisamos nos unir e contar uns com os outros para melhorar o ambiente de trabalho causado por esses fatores e nos ajudarmos. (...)
{D 113} Sinto-me bem, mas com as devidas restrições que eu sei que devo fazer, tanto no trabalho como em casa, mas tento não ficar 'esquentando' muito a cabeça, porque senão fico nervosa e a situação piora muito. Para melhorar o médico diz ser necessário fazer uma cirurgia no pulso, mas tenho medo de ficar pior, então, por enquanto eu tento me vigiar e não fazer por muito tempo o mesmo trabalho, só assim me sinto melhor, não posso datilografar muito, escrever muito etc, só de escrever esta meia página meu braço ficou duro e minha mão não obedece, a letra vai mudando de forma se eu não me concentrar. (...)
(D. 118} (...) Depois do encontro da AFUBESP, do qual participei, nasceu uma pontinha de esperança, pois podemos ter uma entidade a nosso favor, pois o DSO, às vezes, se torna omisso, pois não sabe que lado atende, se ao nosso ou do Banco.
{D.137} Estive presente ao Encontro sobre LER e fiquei bastante animada (e ao mesmo tempo assustada) com o que lá vi. (...) Participando do grupo o que mais ouvimos e discutimos foi exatamente isso: o que fazer para mudar a mentalidade e as atitudes dos não portadores em relação a nós. Cada vez que vou a minha agência sou obrigada a ouvir gracinhas de todo tipo. Antes de engravidar eram essas gracinhas, de um tom. Agora, após três anos de tratamento (sou portadora de endometriose,135 o que dificulta e às vezes até impossibilita a gravidez), inclusive com cirurgia consegui engravidar e sou alvo dos comentários mais maldosos como: 'é, pra trabalhar você não presta, mas para engravidar, hein?). (...) Enquanto eu estava saudável e servia para a cada 15 dias entrar às 5h:45 da manhã e sair depois das 18:00, hoje todo mundo me cumprimentava; hoje a gerente administrativa da minha agência passa por mim e não me olha na cara. No domingo, após o Encontro, tive contrações e quase perdi o meu bebê devido às dores na coluna e pescoço que tive desde o sábado, pois como não tenho carro tive de ir até o local do Encontro de ônibus e metrô. A 'viagem' foi longa mas valeu a pena. Mantive contato com gente sofrida, humilhada, carente, cheia de dores que largou casa e filhos (e até vieram do interior um dia antes) para tentar achar uma luz no fim do túnel que ninguém avisou que era tão escuro.
Conversando na hora do lanche com esses colegas, todos chegamos a conclusão de que deveriam ser confeccionadas camisetas com slogans tipo: 'LER, eu sou uma vítima', ou 'LER, eu sou você amanhã', para que usássemos quando da ida até a agência. Sei que o tom é meio trágico, mas a verdade é que LER, para quem não tem, é como Aros, só dá nos outros. Fora isso, que fosse feito uma campanha de solidariedade aos portadores e prevenção aos sadios, mas tudo isso foi dito no Encontro, não é? Bem, meu braço já está doendo; eu já escrevi demais. Peço que este trabalho não seja como outros que começaram e ninguém viu o fim. Agradeço e peço (ou melhor, pedimos): respeito ao portador de LER.
{D.179} As LER nos deixam de alguma forma discriminados, mas não inúteis. Tento mostrar que, se não sirvo para trabalhar no caixa, posso fazer muitas outras coisas. Aprendi que temos que nos adaptar a outras coisas. Solicitei de meus supervisores ajuda, no sentido de não piorar minha situação, e obtive isso. Procuro ajudar a todos que me solicitam, tomando cuidado para não forçar a minha mão. Percebi que quando fico muito tempo escrevendo, datilografando, digitando, acabo ficando com dor no braço, então evito isso. Afinal de contas, se não tomar cuidado, sei que serei prejudicada, não só no Banco, como em minha vida particular.
{D.199} No meu entender o grande problema no retorno ao trabalho e mesmo no período de afastamento, é a discriminação. A questão é muito mais cultural, embora algumas pessoas usem de má-fé, pois faz parte da cultura bancária se valorizar quem possa vir a dar mais lucros (sejam clientes ou funcionários) e renegar quem esteja fora das expectativas (metas). Enquanto os colegas e, principalmente, os gerentes continuarem encarando os funcionários com LER como pessoas que possam apenas fazer serviços 'menores' e de pouca rentabilidade, portanto, onerando o DPLG das agências (principalmente os que continuam recebendo gratificações de caixa), esta discriminação continuará. O estágio de readaptação funcional não passa de uma farsa. O erro está em se achar uma função já existente, pois, na verdade, caberia ao Banco promover cursos de treinamento para estas pessoas, para que todos nós possamos continuar produtivos, sendo respeitada a personalidade e as limitações físicas de cada um. Não é justo com nenhuma das partes envolvidas, sejam gerentes de agência, gerentes administrativos, supervisores, funcionários com LER e, também aos que não são portadores (pois se sentem constrangidos a vir a assumir os sintomas da doença) a falta de empenho da empresa em encontrar soluções eficazes para o retorno ao trabalho, pois a empresa determina que o DSO faça um acompanhamento, mas quem, na realidade, vai equacionar os interesses das partes será o gerente administrativo. Eu creio que neste fato está a essência dos problemas de readaptação funcional. Por isso se faz necessário um investimento do Banco no treinamento dos funcionários com LER
{D.219} Estou novamente de licença, pois me transferiram para uma seção que me senti na obrigação de executar tarefas que sabia não poder realizar, e informei aos responsáveis, não me obrigaram a fazer. Mas tentei e não fui capaz. O resultado foi a piora no quadro, me obrigando a intensificar o tratamento; a recidiva foi pior. Eu descobri que minha limitação é maior do que eu imaginava. (...)
{D.220} Gostaria de acrescentar uma coisa que senti na pele e continuo sentindo e acho que todos os colegas que estão ou estiveram afastados devem ter sentido. Trata-se da dificuldade que temos quanto ao fator burocrático do problema no que tange à papelada, aos órgãos oficiais que cuidam diretamente, INSS, CESAT136 CRP etc., não há um interesse generalizado em cuidar do paciente, do seu bemestar ou de sua cura, mas sim na parte burocrática e funcional do problema, se este será indenizado ou não, se será recolocado dentro do seu local de trabalho em outra função etc. Eu acho que o que realmente falta é uma conscientização exata por parte das empresas (Bancos) do que deveria ser feito a título de profilaxia, para evitar ou tentar diminuir com certeza o número de casos, uma conscientização geral. Há também o problema da orientação ao funcionário de como proceder desde o momento do seu afastamento, passagem pelos órgãos oficiais, até a sua volta ao Banco e conseqüente readaptação, tudo é muito vago, e a gente se sente muito jogada, perdida mesma.
{D.223} O fato de eu não poder fazer o que eu gosto no meu trabalho (que é digitar e escrever) me deixa triste e me causa até sofrimento. Não me sinto inútil, porque graças a Deus ainda posso expressar minhas idéias oralmente, posso caminhar, posso ler etc. O que acontece é que eu estava acostumada a viver para o lado profissional e nisso a doença me prejudicou bastante. Tenho que trabalhar dentro de limites onde o tipo de trabalho não permite. (...)
(D.224) Atualmente trabalho num posto de serviço onde exerço a função de caixa vertical, trabalho com débito em conta e ordens de pagamento. No caixa trabalho em média uma hora por dia, porém nos outros setores escrevo muito, além de efetuar muita somas e faço algumas fichas datilografadas. Com esses serviços alternados, melhorou muito o meu estado de LER. O médico não me deu uma alta propriamente dita, porém recomendou executar outras funções alternadas. Nos dias em que escrevo muito sinto doer o braço; nesses dias faço pausas de alguns minutos para descansar o braço. Às vezes, nesses dias também dói a mão direita. Gostaria de registrar que apesar de recebermos recomendações médicas sobre posição e postura no trabalho, nem sempre podemos segui-las, pois os móveis e máquinas do Banco possuem um padrão único e que nem sempre se torna possível adequar ao porte físico do funcionário. Lemos tanto sobre ergonomia do trabalho nos 'jornais' do Banco, porém até agora não vi nada ser mudado para melhorar.
{D.227} Falta consciência dos próprios bancários com relação à gravidade da LER, considerando o que ela provoca na vida física e mental das pessoas. Falta seriedade do Banco e dos 'chefes' (chefias, gerentes) na compreensão, inclusive de vários colegas. Falta uma ação mais eficaz do sindicato. Falta uma abordagem mais competente para o tratamento. Após constatada a LER, meus 22 anos de dedicação ao Banco simplesmente não existiram. Obs.: este folheto nãofoi preenchido por mim pois não tenho condições de escrever.
{D.228} (...) A sensação de perda das forças dos braços, os limites que vão se impondo pela dor fazem-nos sentir muito inferiorizados e sensíveis à postura dos outros, que parecem não perceber o que se passa conosco. Essa situação exige de nós um movimento interno forte e vigoroso no sentido de não nos entregarmos ao desespero e à baixa de auto-estima. Quando percebi que quase tudo dependia de mim para a mudança da situação interna e externa, comecei a procurar recursos que acabaram por me ajudar bastante (...) As vezes a doença nos pega num momento em que estamos vivendo como um barco ao sabor das ondas, não temos qualquer controle de nossas emoções e sentimo-nos perdidos diante da nova realidade. Isso só agrava e intensifica a dor. (...)
{D.230} Quando foi constatado a primeira vez que tinha LER fiquei decepcionada, pois gostava (ainda gosto) do que fazia (trabalhar no caixa), mas meu retorno não me causou transtornos, comecei a me acostumar com a idéia de ter algumas limitações. Com o retorno das dores, cheguei a ficar angustiada pois parecia que estava me tomando uma pessoa inútil (não conseguia trabalhar, não conseguia fazer as tarefas de casa e também cuidar das crianças), mas o que me tem incentivado, apesar de já ter feito tanto tratamento, tomar tantos remédios que perdi as contas, foi o fato de meus familiares e amigos me mostrarem um outro lado meu que ainda era bom e que só acreditando nisso eu mesmo poderia superar minhas debilidades. (...) Ter LER é aceitar limitações manuais e não mentais, precisa-se de uma conscientização que o portador de LER tem outros pontos bons para serem aproveitados.
{D.236} Me sinto razoavelmente bem readaptada, uma vez que saí da função de caixa para assumir um cargo administrativo. No entanto, apresento ainda sintomas, como dores eventuais no braço direito e perda da força muscular. A jornada de oito ou mais horas diárias ajuda a agravar o quadro. O que se faz necessário e urgente é questionar a posição dos escriturados e caixas que retornam para suas funções antigas ou mesmo que ficam sem função definida, pois isso agrava o fator psicológico do indivíduo. Ele passa a se sentir inútil. A batalha anti-LER deve iniciar-se pela prevenção realmente efetiva e prática da doença e pelo combate ao preconceito. Sem essas premissas básicas, fica difícil levar qualquer trabalho a sério adiante. (...)
{D.245} Depois de muito pensar, cheguei a conclusão de que há três culpados por eu ter adoecido: lº) A administração, pois, por mais que pedia ajuda para dar conta do serviço que era muito, por mais que reclamasse da dor, nunca fui ouvida e nem foi feito nada para diminuir a quantidade de tarefas, pelo contrário, me davam mais e mais serviços; 2°) O médico, não soube tratar da doença o quanto era necessário, pois não conseguiu discernir a gravidade do problema; em outras palavras, subestimou o que eu falava (não acreditava) na dor. 3o) Eu mesma, por ter trabalhado tanto. Fui o primeiro caso da agência e como não tinha ninguém para pedir ajuda, fiquei completamente perdida. Se tivesse orientação na época, não teria perdido tanto tempo em médicos não muito hábeis e hoje poderia ter tido muito mais progresso. É extremamente necessário a orientação precoce. É extremamente necessário, também, a prevenção, pois se nada for feito, o Banco irá implodir daqui a algum tempo. (...)
{D.249} São só comentários subjetivos: encontro-me em tratamento há mais de 10 meses, entre sessões de fisioterapia, acupuntura, RPG.137 Minha vida ficou completamente tumultuada com os vários horários: horário para tratamento, horário com minha médica, horário para fazer perícia no INSS... Os sentimentos de tristeza e depressão são acentuados e a pessoa tem que ter uma estrutura psicológica muito forte para se manter controlada, para levar a vida com normalidade. As pessoas ao nosso redor ficam perguntando do nosso problema e lhes parece difícil entender que seja tão grave, que não possamos desempenhar tarefas tão elementares, como escrever ou digitar por muito tempo, ou mesmo atividades domésticas de passar e lavar a própria roupa, fazer faxina na casa, pentear os cabelos... Quando encontramos pessoas com LER nos corredores do INSS ou nas salas dos consultórios, há uma identificação tão interessante, uma compreensão mútua tão consoladora, sentimos um grande alívio por não sermos os únicos, não sermos anormais, entender que apenas tivemos a infelicidade de desenvolvermos as LER, mas que podemos nos tratar. A vida continua e há esperanças para nós, e podemos até ajudar uns aos outros... e o que precisamos é de compreensão da nossa dor e sofrimento, de que não estamos inutilizados como seres humanos, que há muita coisa boa em nós e precisamos de ajuda...
{D.250} O grande problema é aceitar as limitações e procurar outras compensações, por experiência própria, estou praticamente impossibilitada de datilografar, digitar, usar máquina de somar e devo escrever (manuscrito) o menos possível pois o polegar direito 'trava'; para mim sempre foi muito orgulho ser exímia datilografa, sempre tive facilidade para escrever, e hoje estou 'podada'. Mas também questiono se o meu lado intelectual, extrovertido, um bom nível de raciocínio não podem ser usados para um melhor aproveitamento do Banco e que, se assim fosse, o sentimento de 'inválida' seria eliminado. Também percebo que os funcionários devem buscar ter uma melhor conscientização para prevenir a LER, pois as seqüelas são lamentáveis.
{D.256} A tenossinovite é uma doença crônica que a pessoa que a vivência deve aprender a conviver e saber evitar que causa as crises e dores. Deixa sem sombra de dúvidas 'estigmas' no funcionário, porém, vai de cada um mostrar a sua capacidade (embora limitada), retirando qualquer tipo de preconceito no ambiente da trabalho. É importante que a pessoa afastada, ao retornar ao trabalho, não se impressione com o preconceito que beira a doença e sentir que é importante para o Banco ter funcionários 'tratados e não lesados'.
{D.260} Em várias ocasiões, por limitações em meu trabalho (por LER), me senti muito mal, inútil, em depressão e uma série de sintomas bastante negativos. Mas não sou pessoa de esmorecer facilmente, não me entrego a lamúrias e autopiedade, vou à luta. Quando fico muito triste ou abatida procuro dar a 'volta por cima' e sempre consigo, às vezes, mais rapidamente ou não, mas sempre consigo. As LER cria mais força negativa quando nos entregamos psicologicamente a ela. Não deixar se abater ajuda muito! Apesar dos colegas, do chefe, das limitações.
{D.333} Não me sinto totalmente curada mas estou bem melhor. (...) Tenho limitações, mas aprendi a conviver com elas. Até o momento consegui administrar minha vida dentro desta nova realidade, me sinto bem e útil profissionalmente.