Sumário: 641. Noção de obrigação de dar (entrega de coisa). 641-a. Execução específica e execução substitutiva.
As obrigações de dar (ou de entrega de coisa, como fala o Código de Processo Civil) são modalidade de obrigação positiva, cuja prestação consiste na entrega ao credor de um bem corpóreo, seja para transferir-lhe a propriedade, seja para ceder-lhe a posse, seja para restituí-la.1
Em qualquer das modalidades da obrigação de dar, ocorrido o inadimplemento, cabível se torna a tutela judicial da execução para entrega de coisa. Não há mais, no direito moderno, razão para distinguir entre a obrigação de dar para transferência da propriedade (tradição da coisa móvel) e a de entregar ou restituir, em cumprimento de vínculo pessoal ou creditício. Toda execução de entrega de coisa, em princípio, deve ocorrer de “forma específica” (art. 461-A), pouco importando que a prestação decorra de direito real ou pessoal, de obrigação convencional ou legal.
Tal como se passa com as obrigações de fazer e não fazer, o art. 461-A destina ao julgamento das prestações de entrega de coisa a “tutela específica”, ou seja, o devedor haverá de ser condenado a realizar, em favor do credor, a transferência da posse exatamente da coisa devida (caput). A conversão da obrigação em perdas e danos (“tutela substitutiva”) não é faculdade do juiz e somente acontecerá em duas situações: a) se o próprio credor a requerer, nos casos em que o direito material lhe permitir tal opção; ou b) quando a execução específica mostrar-se impossível (v.g., perecimento ou desvio da coisa), de modo a torná-la inalcançável pela parte (art. 461, § 1o, aplicável também às obrigações de dar ou restituir, por força do § 3o do art. 461-A).
Ao contrário, porém, do que se dispõe acerca das obrigações de fazer e não fazer (art. 461, caput), não há, no caso de obrigação de entrega de coisa, a previsão de substituir a prestação específica por outra que produza resultado prático equivalente ao adimplemento (v., retro, v. I, no 493-a-1).
Não sendo localizada a coisa, a conversão dar-se-á em perdas e danos, como, aliás, dispõe a lei material (Cód. Civil, art. 234, in fine). Esta conversão – “tutela substitutiva” – pode ser pleiteada pelo credor (a) na petição inicial; ou (b) em petição avulsa, no caso da impossibilidade de alcançar a coisa devida acontecer durante a fase de cumprimento da sentença, hipótese em que se transforma em incidente da execução. Nesta última eventualidade será objeto de decisão interlocutória, impugnável por meio de agravo de instrumento, e a iniciativa tanto pode partir do exequente como do executado. O que não é de admitir-se é que o processo caia num impasse insolúvel, quando a prestação originária não mais comporte execução específica. O destino natural do processo será a conversão em indenização, cujo valor e cuja realização dar-se-ão no mesmo feito ainda em andamento.
A mudança de rumo da execução, substituindo a entrega da coisa pelo equivalente econômico, não atrita com a imutabilidade da sentença transitada em julgado. É o próprio direito material reconhecido ao credor que traz ínsito o poder de transmudar seu objetivo. Sempre, pois, que se emite uma condenação da espécie, implícita estará a eventualidade de ser cumprida sob a forma de indenização, se a entrega da coisa se tornar impossível.
Sumário: 642. Procedimento pós-sentença. 643. Tutela substitutiva. 644. Multa e outras medidas de apoio. 645. Obrigação genérica. 646. Retenção por benfeitorias.
Condenando à entrega de coisa, o juiz fixará o prazo para o cumprimento da obrigação (art. 461-A, caput). Ultrapassado o tempo para realização voluntária da entrega, sem que a prestação tenha sido realizada, expedir-se-á mandado para cumprimento forçado da sentença.2
O mandado, em favor do credor, será: a) de busca e apreensão, no caso de coisa móvel; ou b) de imissão na posse, se se tratar de coisa imóvel. A diferença é que o primeiro mandado se cumpre por meio de deslocamento físico da coisa, que uma vez apreendida é removida, pelo agente judiciário, para ser entregue ao credor. No caso de imóvel, não há como pensar em deslocamento da coisa, motivo pelo qual é o credor que é encaminhado até a situação do bem e, aí, é imitido na sua posse, da qual fica, no mesmo ato, afastada a parte contrária, por obra do oficial encarregado do cumprimento do mandado.
Executado o mandado, este é juntado aos autos, dando-se por encerrado o processo, o qual, independentemente de nova sentença, será arquivado, sempre por ordem do juiz (ver, retro, o no 639-g).
Eventuais defesas contra ilegalidade ou irregularidades do cumprimento da sentença serão manifestadas por simples petição, nos mesmos moldes da impugnação às condenações de obrigações de fazer ou não fazer (ver, retro, no 639-b).
Se o credor já na propositura da ação demandou a indenização pelo descumprimento da obrigação de entrega da coisa, a sentença será executada desde logo nos moldes próprios das obrigações de quantia certa: o mandado, expedido após o transcurso do prazo de pagamento voluntário, será para penhora e avaliação dos bens necessários à satisfação do direito do credor (art. 475-J).
Aos trâmites dos atos executivos subsequentes aplicar-se-ão os artigos 475-L a 475-P e subsidiariamente as normas que regem o processo de execução de título extrajudicial (art. 475-R).
Outra hipótese de tutela substitutiva se dá quando, condenado o devedor à prestação específica, o cumprimento da sentença se frustra, porque a coisa devida não é encontrada (pereceu, foi consumida ou desviada), ou o devedor tem, como, v.g., no caso do art. 252 do Código Civil, o direito de substituir a entrega da coisa pelo pagamento do respectivo preço.3
Diante do embaraço – cuja iniciativa pode ser ora do credor, ora do devedor –, caberá ao juiz resolvê-lo por meio de decisão interlocutória, ordenando, se for o caso, a conversão da execução específica em execução do equivalente econômico. O recurso manejável será o agravo de instrumento, tanto no deferimento como no indeferimento da conversão.
Liquidado o valor da indenização pela não entrega da coisa, e não ocorrendo depósito no prazo do art. 475-J, expedir-se-á o mandado de penhora e avaliação, com que se dará início à execução por quantia certa. Esta liquidação, se houver elementos suficientes nos autos, poderá ser resumida em memória de cálculo preparada pelo credor, nos termos do art. 475-B. Se se exigir mais do que simples cálculo aritmético, observar-se-á o procedimento incidental da liquidação por arbitramento (art. 475-C) ou por artigos (art. 475-E). Em qualquer dos casos, o incidente será apreciado por decisão interlocutória, e o recurso cabível será o agravo de instrumento (art. 475-H).
A multa, outrora específica das obrigações de fazer e não fazer, passou a ser medida de coerção executiva aplicável também às prestações de entrega de coisa (art. 287, com a redação da Lei no 10.444, de 07.05.2002). Sua aplicação cabe tanto nas antecipações de tutela como na sentença definitiva e deverá observar as regras pertinentes às causas sobre obrigações de fazer e não fazer (art. 461, §§ 1o e 6o), já examinadas no no 639-c. Para maiores detalhes a respeito do tema, consultar, ainda, no v. I, o no 493-a-1, retro.
A multa de que cogitam os arts. 461 e 461-A são as astreintes impostas para coagir o executado ao cumprimento específico das prestações de fazer ou de entregar coisa. Convertidas estas em seu equivalente econômico, não cabe desde então aplicar a multa diária por atraso no adimplemento. Caberá, todavia, a multa única de 10% própria da execução por quantia certa (art. 475-J). O prazo de quinze dias para pagamento espontâneo contar-se-á da intimação da decisão que decretar a conversão, se o valor do equivalente econômico já for conhecido. Se necessário apurá-lo proceder-se-á à liquidação (arts. 475-A a 475-H) e quando intimada a decisão que fixar o quantum debeatur (art. 475-H) é que começarão a fluir os quinze dias do art. 475-J.
Quando a obrigação for de coisa genérica (isto é, de coisa determinada pelo gênero e quantidade, como, v.g., tantas sacas de arroz ou milho, ou tantos bois para abate), cabe, no cumprimento da sentença condenatória, observar a escolha das unidades que irão compor a prestação devida. Esta escolha, conforme o título obrigacional, ou nos termos da lei material, pode competir ao credor ou ao devedor (Cód. Civil, art. 244).
Se a opção é do credor, a escolha dar-se-á na petição inicial, de sorte que ao acolher o pedido a condenação já imporá ao devedor a entrega das coisas, na forma definida na propositura da causa. Quando, porém, a opção for do devedor, a escolha deste será feita ao dar cumprimento à sentença. No prazo que lhe for assinado para cumprir a condenação, o devedor procederá à individualização do objeto previsto genericamente na condenação e o entregará ao credor, ou o depositará em juízo, à ordem deste (art. 461-A, § 1o). Urge respeitar o princípio de que nenhuma execução de crédito se processa em juízo sem observância do requisito da certeza, liquidez e exigibilidade da obrigação, seja em forma definitiva ou provisória (art. 586).
Segundo se depreende do § 1o do art. 461-A, o juiz deve policiar o ajuizamento da ação de conhecimento relativa a obrigações genéricas, exigindo do autor que a escolha a seu cargo seja explicitada na petição inicial, recorrendo, se necessário, ao expediente recomendado pelo art. 284. Com isso serão evitadas complicações para a eventual execução da sentença. Se, entretanto, a condenação vier a ser pronunciada sem que o credor tivesse procedido à escolha, a medida haverá de ser tomada antes da expedição do mandado de busca e apreensão, por meio de petição preparatória do cumprimento da sentença. Havendo escolha posterior à sentença, pode acontecer impugnação, tanto quando a iniciativa for do credor como do devedor. Não haverá necessidade de recorrer a embargos. Tudo se resolverá, incidentemente, por decisão interlocutória (aplicam-se os arts. 475-L, inciso I, e 475-M, § 3o) (ver, adiante, o item no 653).
A retenção por benfeitorias, como objeto de embargos à execução, é incidente que, por definição da lei, apenas ocorre nas execuções de títulos extrajudiciais (art. 745, IV, acrescido pela Lei no 11.382/2006).
Abolida a ação de execução separada do processo de conhecimento, e transformado o cumprimento da sentença em simples incidente da relação processual unitária, não há mais lugar para se cogitar de embargos à execução de sentença para se pretender a retenção por benfeitorias, diante da condenação à entrega de coisa.
Retenção por benfeitorias tampouco pode ser matéria de discussão, de forma originária, em impugnação à execução de sentença. Deve ser debatida na contestação e solucionada na sentença.
Se foi acolhida na sentença, funciona como condição a ser cumprida antes da execução. Se não foi arguida, somente por ação própria se poderá pleitear a indenização.
A execução far-se-á sem embaraço para o credor; e sem prejuízo para o direito do devedor de postular a indenização em ação separada, se for o caso.
De qualquer maneira, para pleitear o direito de retenção, na contestação à ação em que se busca a entrega de coisa, o réu deve se submeter às exigências formais dos embargos estatuídas no § 1o do art. 745, ou seja, a contestação deverá conter os dados que permitam a identificação das benfeitorias e seus valores, sem os quais não será possível à sentença examinar-lhe o mérito ou tratar da eventual compensação.4
1 GOMES, Orlando. Obrigações. 15. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2001, n. 33, p. 37. Explica o civilista: “Na prestação de dar stricto sensu, o devedor transfere, pela tradição, a propriedade de uma coisa; na de entregar, proporciona o uso ou o gozo da coisa; na de restituir, devolve a coisa que recebeu do credor” (op. cit., loc. cit.).
2 A eficácia executiva da sentença condenatória dispensa a ação autônoma de execução forçada. A execução, in casu, dá-se com a “simples expedição e cumprimento de um mandado”, como sempre se procedeu nas ações possessórias e de despejo (STJ, 4a T., REsp. 739/RJ, Rel. Min. Athos Carneiro, ac. 21.08.1990, RSTJ 17/293). Nesse sentido: STJ, 1a T., REsp 1.008.311/RN, Rel. Min. Teori Albino Zavascki, ac. 05.04.2011, DJe 15.04.2011; STJ, 4a T., REsp 549.711/PR, Rel. Min. Barros Monteiro, ac. 16.12.2003, DJU 05.04.2004.
3 Código Civil, art. 252: “Nas obrigações alternativas, a escolha cabe ao devedor, se outra coisa não se estipulou.”
4 “Menção genérica de realização de benfeitorias é insuficiente para a realização de provas e indenização dos melhoramentos, bem como reconhecimento do direito à retenção” (STJ, 3a T., REsp. 20.978/DF, Rel. Min. Cláudio Santos, ac. 20.10.1992, RSTJ 43/393. No mesmo sentido: STJ, 4a T., REsp. 66.192-7/SP, Rel. Min. Sálvio de Figueiredo, ac. 21.06.1995, DJU 04.09.1995, p. 27.837; STJ, 5a T., AgRg no REsp 506.831/RJ, Rel. Min. Felix Fischer, ac.16.05.2006, DJU 12.06.2006, p. 532).